Esta segunda-feira, 4 de janeiro, SIC e TVI lutam pela conquista de audiências num dia de grandes estreias para a estação de Queluz de Baixo. Na SIC, Ljubomir Stanisic foi um dos grandes convidados do programa da tarde, "Júlia".

O chefe jugoslavo está prestes a estrear-se no canal generalista ao comando do programa "Hell's Kitchen" e numa conversa sincera com Júlia Pinheiro tocou em vários temas mais sensíveis da sua vida.  2020 foi um ano marcante para Ljubomir Stanisic. Trocou a TVI pela SIC, fez parte da luta pelos direitos do setor da restauração, realizando uma greve de fome, e recebeu ainda uma Estrela Michelin.

Ljubomir representa um dos mais mediáticos contratos feitos pela estação de Paço de Arcos no último ano que ficou marcado pela pandemia e também pela saída inesperada de Cristina Ferreira do canal. O chef começa por revelar a Júlia Pinheiro como foi o último ano em que decidiu fazer-se valer da sua notoriedade para lutar contra as injustiças no setor da restauração.

"Foi um ano de esquecer, para mim, foi dos anos mais duros da restauração de sempre, embora 2008 e 2009 também tenha sido difícil, este foi especialmente duro porque houve mortes, uma gigante crise, falta de apoios, o desconhecimento de uma doença e no final veio uma cereja, depois de uma gigante luta, que soube a pato", revela o chefe referindo-se à conquista da estrela Michelin.

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O prémio surgiu uma semana depois da greve de fome da qual Ljubomir foi um dos grandes rostos. "Eu não nasci num ninho de ouro, nasci com extremas dificuldades na vida. Ultrapassei isso tudo e mesmo em Portugal cheguei a dormir num jardim. Trabalhei em todos os sítios para ser o melhor", começa por contar Ljubomir afirmando que, num ano em que considerou que as coisas estavam injustas para o setor da restauração, decidiu valer-se da notoriedade que ganhou e dar a cara pela causa.

"Usei toda a minha imagem e todo o meu trabalho para um recurso que acho que é fundamental que se chamam direitos humanos. Vou usá-lo sempre na vida e nunca vou ficar com o pé no chão parado sem o fazer", afirma referindo que ser apartidário neste tipo de lutas é fundamental.

Ljubomir tem atualmente dois restaurantes em funcionamento e confessa que 2020 foi o ano em que perdeu muitos funcionários. Para o chef, a cozinha é como uma igreja e cozinhar é um ato de amor. Contudo, cozinhar nem sempre foi a primeira opção na vida do chefe. "A cozinha cresceu com a necessidade de sobrevivência", afirma.

Ao longo da conversa Ljubomir Stanisic recordou a infância em Saravejo, na antiga Jugoslávia (agora Bósnia Herzegovina), onde até aos 12 anos foi muito feliz e "cheia de boa vida". Depois desta idade a vida mudou devido à guerra. "Não gosto muito de falar da guerra. Só pode falar disso quem tem a experiência, só pode criticar uma pessoa que viveu a guerra quem tem experiência dela . É muito fácil apontar o dedo e dizer ' este gajo é bruto tem traumas de guerra'. O que passei na vida acho que foi uma excelente escola, a mim a guerra trouxe-me muita coisa negativa, perdi os meus familiares todos, alguns deles à minha frente. É uma coisa que a mim dá-me força e me faz não ter medo de nada. Consegui ultrapassar sobreviver e ganhar forças para continuar. O que mais interessa na vida é viver e o amor que conseguimos dar aos outros e receber dos outros, tudo o resto é vazio e a guerra ensina-nos muito isto", afirma recordando os cheiros de "uma cidade morta".

Apesar de todos os traumas, Ljubomir considera-se um "homem duro com coração mole". "Para ter um bom coração, é preciso ter uma boa mãe. É preciso ter boa vontade também de o alimentar porque é muito fácil ser bruto e estúpido, mas temos de saber abraçar."

 "Era tudo pobre e caótico, mas havia muito amor"

Após a guerra, em 1993, Ljubomir mudou-se para Belgrado, na Sérvia, com a mãe e a irmã, onde viveu também momentos difíceis. "Nós eramos vistos como emigrantes da treta. Fui melhor recebido em Portugal do que fui na Sérvia", afirma, referindo que nem ele nem a família tinham dinheiro para alugar uma casa e que recebiam comida da Cruz Vermelha.  "A minha mãe inventava muito nessa altura e com uma batata e um ovo fazia refeições extraordinárias e acho que daí veio a minha criatividade na cozinha. Era tudo pobre e caótico, mas havia muito amor. Havia uma declaração através da comida de quanto é que ama os filhos."

Quando chegou a Portugal, em agosto de 1997, Ljubomir era uma pessoa muito retraída. "Fui conquistado pelos portugueses a 100%", revela recordando os primeiros tempos em que viveu no Gerês, onde roubou para comer e foi ajudado por um casal de idosos que lhe deram casa e comida. "Aquele casal de velhinhos educou-me muito. Este povo pode mudar e pode-se transformar, mas aqueles dois velhinhos vão ser sempre exemplo do que é português".

Em 2004, o chefe abriu o primeiro restaurante, "100 maneiras". "Dei tudo para conseguir ter uma carreira, para poder ser um bom pai, para conseguir criar uma família." Após a falência do negócio viu-se obrigado a recorrer a ajuda psicológica. "Não tinha dinheiro, mas tinha ainda aquele cartão do seguro do restaurante que tinha falido", revela referindo que esta foi uma altura em que colocou muita coisa em causa e em que o que mais lhe custou foi ficar a dever dinheiro.

Foi nesta altura que a mãe veio para Portugal para ajudar o filho com o qual trabalha até hoje.  Todos os momentos por que passou, fizeram com que a família tivesse um valor especial para Ljubomir. "Para mim, a coisa mais importante na vida é a família. Eu tive muito problemas com os meu pai, o meu pai batia-me, bebia muito álcool. Desde aí prometi a mim próprio que ia ser o melhor pai do mundo e que ia criar uma família maravilhosa e que ia proteger sempre todas as mulheres do mundo ", afirma o chef, revelando também que gostava de ter muitos filhos, mas que trata todos os funcionários como tal.

Quanto a relações amorosas, Ljubomir afirma que só se apaixonou duas vezes, mas que todos os dias mostra à mulher, Mónica, o seu lado mais romântico. "O amor é das coisas mais bonitas que há na vida e alimentar amor é provavelmente dos maiores objetivos a conquistar na vida. Qualquer coisa dá para perdoar. Se eu perdoei o meu pai e amo o meu pai hoje em dia porque aprendi o que significa perdão então no amor isto é a coisa mais importante."

A fama é algo inevitável com a qual teve de aprender a lidar visto que se tornou também bastante conhecido por conduzir o programa "Pesadelos na Cozinha" onde muitas vezes foi considerado uma "besta". Contudo, foi esta atitude que levou a que muitos negócios melhorassem. "Eu estava ali para ajudar as pessoas", afirma.

Quanto à mudança para SIC, Ljubomir revela que sempre considerou a estação como um canal idóneo. "Eu fui convidado pela SIC já muito antes disto tudo e não aceitei por respeito pelos contratos que tinha de cumpri-los. O dinheiro nunca foi aquilo que mandou em mim. A minha sorte na vida foi esta que aprendia que em mim mais manda o coração que faz ganhar muito mais do que o dinheiro. E foi no momento certo que me aconteceu isto", confessa referindo que no mesmo dia teve uma reunião com SIC e a TVI que marcou a decisão final.

Para além de assumir o comando de um novo programa em Paço de Arcos, Ljubomir estreou-se ainda como ator na série "O Clube". Já em 2021, Ljubomir espera que este seja um ano melhor em termos de direitos humanos. "O que tenho muita pena que 2020 trouxe é individualismo, egoísmo, rancor, má experiência e isto só pode ser ultrapassado com força de vontade e amor pelos outros. Estou-me nas tintas se vou ter sucesso no programa, se vou conseguir conquistar mais números ou não isso depende só do meu trabalho. O que desejo para 2021 é muita união de uma sociedade tão bonita, de um povo tão lindo que são os portugueses.", rematou o chef.