Foram quase duas décadas de emissão. Desde 2003, ao longo de 19 temporadas e mais de três mil episódios, "The Ellen DeGeneres Show" fez companhia a espectadores de todos os cantos do mundo. E esta quinta-feira, 26 de maio, chegou oficialmente ao fim.

Não foi uma surpresa. Desde maio de 2021 que Ellen DeGeners tinha anunciado que o programa estava a caminhar a passos largos para o final. "Venho anunciar que a temporada 19 será a minha última. Os últimos 18 anos mudaram a minha vida", disse, à data, acrescentando que "por muito divertido que seja", o formato deixou de ser "desafiante".

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Ainda assim, durante a gravação do último episódio do talk show, a apresentadora não conseguiu esconder a emoção. Nem durante o típico momento de dança, junto da plateia, nem durante o monólogo final em que recordou parte do que viveu aos comandos do programa.

"Há 19 anos disse que este era o início de um relacionamento e hoje não é o fim, é uma espécie de rutura. Agora, podem ver outros talk shows e eu posso ver outra plateia, de vez em quando", acrescentou no tom humorístico que a caracteriza, deixando assim em aberto a possibilidade de continuar a trabalhar em televisão.

"Quando começámos, eu não podia dizer 'gay' no programa"

Que registo se segue? Ainda não se sabe. Até porque, ainda antes de abraçar o talk show em 2003, que fez com que se tornasse uma espécie de rainha do daytime, já Ellen havia protagonizado, nos anos 90, uma sitcom norte-americana que chegou a ser transmitida em Portugal.

Chamava-se "Ellen" e esteve no ar, no canal ABC Network, entre 1994 e 1998, o ano em que a produção foi cancelada, um ano depois de Ellen ter assumido a sua orientação sexual publicamente na capa da revista "Time", com a frase "Yep, I'm Gay" ("Sim, sou gay", em português) destacada a vermelho, bem como durante um episódio da própria sitcom que protagonizava. 

Ellen
Ellen créditos: "Time"

"Há 20 anos, quando estávamos a tentar vender o programa, ninguém pensou que iria funcionar. Não porque era um formato diferente, mas porque eu era diferente", começou por explicar no monólogo que integra este último episódio. "Há 25 anos, cancelaram a minha sitcom porque não queriam uma lésbica em horário nobre uma vez por semana. E eu disse: 'ok, então vou estar no ar, em daytime [horário diurno], todos os dias'", acrescentou.

E foi o aconteceu. Apesar de sitcom ter sido cancelada, Ellen DeGeneres passou a ser reconhecida como um ícone do movimento LGBTQIA+ e, cinco anos depois, em 2003, assumiu então o papel de apresentadora, enquanto anfitriã do seu próprio programa de entrevistas.

"Foi uma sensação, um marco", recordou Mary Murphy, professora associada de jornalismo da Universidade do Sul da Califórnia, em declarações citadas pelo "Diário de Notícias", em relação a DeGeneres. "Ela construiu o caminho. Provavelmente foi, e talvez ainda seja, a pessoa LGBTQIA+ mais famosa dos Estados Unidos", acrescentou.

Desde os primórdios do programa que Ellen é reconhecida por muitos como um fenómeno do daytime. Desde o primeiro episódio, que contou com a presença da atriz Jennifer Aniston (que regressou também para este último episódio), passaram centenas de personalidades por aquele famoso sofá, que fica imediatamente ao lado da apresentadora. Os temas foram variando, mas, comparando o início e o fim, é legítimo afirmar que houve uma significativa mudança cultural.

"Quando começámos, eu não podia dizer 'gay' no programa. Não estava autorizada. (...) Não podia dizer 'nós', porque pressupunha que estava com alguém. Também não podia dizer 'esposa' porque o casamento entre pessoas gays ainda não era legal — e, agora, digo 'esposa' a toda a hora", afirmou apresentadora, que é casada com a atriz Portia Lee James, mais conhecida como Portia de Rossi, desde 2008.

Em criança, Ellen foi abusada sexualmente pelo pai

"Ah, por isso é que és lésbica" era uma das reações comuns ao testemunho de Ellen DeGeneres sobre os abusos sexuais protagonizados pelo pai.

Ellen teria 15 anos quando a mãe foi diagnosticada com cancro da mama. Segundo conta, o pai aproveitou-se da situação e da ausência constante da mãe para dizer à apresentadora que tinha de lhe fazer "palpações".

"Dizia-me que sentia um papo nos meus peitos e que tinha de fazer uma palpação", afirmou a apresentadora numa entrevista a David Letterman para o programa "O Próximo Convidado Dispensa Apresentações".

“Eu não sabia nada sobre corpos, não sabia que os peitos eram todos diferentes. Seja como for, ele convenceu-me de que tinha de apalpá-los e depois fê-lo uma vez, e outra, e noutra ocasião ele tentou arrombar a porta do meu quarto. Fugi pela janela, porque sabia que ele ia tentar alguma coisa", acrescentou.

Durante anos, Ellen não contou à mãe que era alvo de abusos sexuais, mas, quando decidiu fazê-lo, Betty, a mãe, não acreditou no testemunho da filha. "Nunca a devia ter protegido. Devia ter-me protegido a mim própria e só ao fim de alguns anos é que lhe contei tudo. Ela não acreditou em mim e manteve-se ao lado dele por mais 18 anos", acrescentou.

Não se sabe o que terá acontecido para mudar de opinião, mas em 2020, Betty decidiu comentar publicamente a situação. "Sei agora que uma das coisas mais difíceis de fazer é confessar que se foi sexualmente abusada. Amo a minha filha e desejava que tivesse tido a capacidade de a ouvir quando ela me contou tudo", disse.

"The Ellen DeGeneres Show" manchado por rumores de bullying e ambiente tóxico nos bastidores

A apresentadora sempre assumiu as rédeas do programa de sorriso no rosto e com recurso ao humor ácido que a caracteriza e, também por isso, era geralmente reconhecida pela sua boa disposição e generosidade. Até que, em 2020, tudo mudou.

Começaram a surgir rumores sobre os ambiente nos bastidores de "The Ellen DeGeneres Show" e, em 2020, o site BuzzFeed afirmou, através de um artigo que se tornou viral, que o programa tinha uma "cultura de trabalho tóxica", com registo de alegados casos de assédio sexual, bullying e racismo.

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Três produtores foram demitidos e, de acordo com o "Diário de Notícias", DeGeneres foi acusada de não ser tão agradável com os funcionários com seria para público, principalmente durante as gravações do programa. As acusações culminaram num pedido de desculpas público da apresentadora.

2020 foi o ano em Ellen enfrentou acusações de assédio e racismo, no entanto, já em 2018, a apresentadora havia sido criticada por questões inerentes a homofobia. Isto porque defendeu publicamente o comediante Kevin Hart, depois de este ter desistido de apresentar a cerimónia dos Óscares em 2018 após ter partilhado online, na rede social Twitter, publicações etiquetadas como homofóbicas.

Um ano depois, em 2019, a apresentadora manifestou pela primeira vez a vontade de terminar o programa "The Ellen DeGeneres Show", mas, nesse mesmo ano, renovou a ligação à Warner Bros por mais três anos.

Ellen despede-se do programa com Jennifer Aniston, Pink e Billie Eilish

Três anos depois, o programa chega então ao fim. Neste último episódio, a apresentadora contou com a presença das cantoras Pink e Billie Eilish e ainda da atriz Jennifer Aniston. Sendo que nenhuma das convidadas se sentou, pela última vez, no famoso sofá de DeGeneres por acaso.

Pink é a voz do genérico do programa. Billie Eilish estreou-se em programas televisivos no "The Ellen DeGeneres Show", por isso, segundo a apresentadora, fazia todo o sentido estar presente no fim. E, por último, Jennifer Aniston foi a primeira e, agora, também a última convidada do programa.

O último episódio de "The Ellen DeGeneres Show" foi para o ar esta quinta-feira, 26, nos Estados Unidos, e a apresentar decidiu publicar vários excertos do programa na sua conta oficial no Twitter.