Sea3po, ou Catarina Lowndes, é a maior youtuber feminina em Portugal, com mais de um milhão de subscritores. Verdadeira definição de "girl boss", já conta com um álbum, "Dreamers", lançado em 2019, e mais recentemente, apresentou o seu segundo livro.
"Sea, a Rapariga que Caiu do Céu" é "uma história da Cinderela dos tempos modernos". Relata as peripécias de uma menina de cabelo naturalmente azul que sempre soube que era diferente — uma analogia à própria youtuber, que lida com a diferença desde a adolescência, tendo mesmo chegado a ser alvo de bullying.
Em conversa com a MAGG, Sea3po conta o que a inspirou a escrever este livro, fala do seu processo de aceitação pessoal e explica como, depois de um ano sem gravar vídeos, ter poucas visualizações no YouTube foi dos piores momentos da sua vida.
Lançou o seu segundo livro no fim do ano passado. Como tem sido o feedback?
Tem sido muito diferente do primeiro livro. O primeiro livro foi lançado num ambiente completamente diferente, porque não estávamos nesta situação de pandemia, consegui estar com os meus fãs. Já este não foi assim. Não consegui ter aquele feedback imediato, mas de certa forma também foi interessante, porque houve mais tempo para as pessoas digerirem o conteúdo do livro. Aliás, este meu segundo livro era muito distinto do outro, porque é uma história um bocadinho mais "adulta", que eu queria que apelasse a todas as idades.
Sentiu que o livro alcançou pessoas mais "adultas"?
Sim. Aliás, eu comecei a escrever este livro no Japão, passei um mês em Tóquio. Tinha acabado de ir ao Museu Ghibli, eu sou apaixonadíssima pelo Miyazaki, e uma das coisas que mais adoro nos filmes dele é que eles apelam a qualquer idade, contam uma história que uma criança interpreta de uma maneira, enquanto que uma pessoa adulta interpreta de outra maneira completamente diferente. Depois de ter experienciado o museu, fiquei super inspirada e quis trazer um pouco dessa magia para o meu livro.
O livro aborda a aceitação da diferença, que é algo com o qual tem lidado a maior parte da sua vida. Imagino que o seu objeto era sobretudo ajudar os seus seguidores a ver as coisas além do que a sociedade lhes impõem. Mas e a si, quem a ajudou a ver as coisas dessa forma?
Eu tive a sorte de ter nascido numa família que sempre acreditou em mim. Quando eu me apercebi que a maioria das pessoas não têm isso enquanto crescem, fiquei muito triste. E daí, todas as coisas que eu faço, quer seja este livro, quer seja a minha música, ou os meus vídeos, é sempre a tentar estar lá e dizer que acredito na capacidade das pessoas conquistarem os seus sonhos.
A definição de insanidade é fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. Eu não quero continuar a fazer as mesmas coisas. Eu quero continuar a marcar a diferença.
E você, sempre acreditou em si?
Às vezes, é complicado. Há forças que não controlas. Ok, tu podes acreditar em ti, mas depois, tudo à volta está a dizer-te "não". Eu fui extremamente mal tratada na escola. Ainda hoje, passo por isso. E não entendo como é que alguém pode tratar uma pessoa assim, mas não me faz duvidar de mim, porque eu não penso que seja por minha causa. Eu aprendi que tem muito mais a ver com as pessoas do que propriamente a ver comigo. Isso é muito importante. A definição de insanidade é fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes. Eu não quero continuar a fazer as mesmas coisas. Eu quero continuar a marcar a diferença e o bullying não me afeta ao ponto de parar de acreditar nisso e em mim mesma.
Os seus pais foram, portanto, os seus mentores?
Sim. Ensinaram-me que temos que ser mais bondosos uns para os outros e mais bondosos para nós próprios também, porque o bullying que as outras pessoas praticam não se compara sequer ao bullying que fazemos a nós próprios.
Escrever este livro, também lhe ensinou alguma coisa?
Sim, aprendi que realmente podemos quebrar estereótipos na escrita. Sempre adorei escrever, sempre escrevi bem em inglês...
Começou por escrever o livro em inglês?
Primeiro, escrevi em inglês. E estava com medo de traduzi-lo para português, mas ficou tão bom em português. Ao mesmo tempo percebi que eu não devia ter medo das minhas crenças limitadoras. Essa foi a minha maior lição.
Tem vindo a emagrecer nos últimos tempos. Num vídeo, dizia que o seu corpo era a sua maior insegurança. Como se sente agora?
Sempre fui uma mulher "grande". Tenho uma estrutura óssea muito grande. Quando mudei de escola, no secundário, comecei a sentir o peso do meu corpo, daí o bullying. O meu primeiro namorado a sério chamava-me gorda. Não é que eu não me achasse bonita, mas sempre tive uma relação muito difícil com o meu corpo. Durante muitos anos, tive mesmo uma relação de ódio com ele. Decidi mudar isso, fazer escolhas de vida que melhorassem o meu bem-estar. Comecei a ser acompanhada por uma nutricionista e a ir ginásio, mas nunca me privei de nada.
"O meu primeiro namorado a sério chamava-me gorda"
Qual era o seu objetivo?
O meu objetivo não era ficar magra, mas mais ser uma "super heroína". Quero abdominais, quero músculo. E ser confiante. Ser eu. Ser saudável, porque eu não estava nada saudável. Felizmente, carrego o meu peso muito bem. Tenho um corpo que consegue esconder bem o peso, mas eu era considerada obesa. Parece de loucos, mas é verdade.
Sente que já atingiu esse objetivo?
Estou perto. As coisas demoram tempo, não é de um dia para o outro. Ando nisto desde janeiro, só passou meio ano.
"Nessa altura pensei: 'está acabado, eu quero desistir'"
Com tanta pressão que existe no YouTube e nas redes sociais, já pensou em desistir?
Completamente. No início do ano passado, meio que parei de fazer vídeos. Depois, recomecei e foi um caos. Houve quem tivesse até gozado com a situação, porque eu, no "5 Para a Meia-noite", disse que foi horrível o facto de ter poucas visualizações quando recomecei o YouTube. Mas a verdade é que, quando tu falhas no teu emprego, é preocupante, certo? Eu tenho uma equipa atrás de mim, que depende de mim. Portanto, é horrível quando as coisas não estão a funcionar. E sim, isso foi um dos piores momentos da minha vida. Foi quando eu trabalhava todos os dias, fazia vídeos 15 horas por dia, e simplesmente não estava a funcionar. Passei dois meses assim, sem saber o que fazer.
Nessa altura, pensei: 'está acabado, eu quero desistir'. Felizmente, os meus pais continuaram a puxar por mim. Foram incríveis. Houve um vídeo, que é um vídeo estúpido, mas deu super certo. Tão certo que eu consegui chegar a um milhão de inscritos. Isso deu-me o poder de finalmente afirmar que, se tu trabalhares o suficiente, tu consegues conquistar aquilo que tu queres.
É esse o conselho que dá aos jovens que querem ser criadores de conteúdo?
Sim. E é um conselho genérico, mas é aquele em que mais acredito: tens que ser tu próprio. Autenticidade é o mais importante.
Outro conselho é fazer conteúdo sem expectativas nenhumas. Sem expectativas de terem visualizações, sem expectativas de que as pessoas vão gostar. Têm que fazer conteúdo porque vocês gostam, que acham relevante. Apostem. Olhem para mim, eu passei dois meses, já estabelecida no mercado, a falhar, até que houve um vídeo que deu certo. Portanto, não desistam e não tenham medo de experimentar coisas diferentes.
Acha que ainda há espaço para novos youtubers?
Sim, em Portugal, há imenso espaço ainda. O problema é que as pessoas querem fazer o mesmo tipo de conteúdo porque têm medo de serem diferentes. E a verdade é que a diferença custa, mas... La Vie de Marie, por exemplo, ela é um amor. As pessoas ficam desconfortáveis, mas a verdade é que continuam a ver e percebem que, afinal, não é assim tão desconfortável e relacionam-se. Portanto, se queres ser criador de conteúdo, tens que fazer conteúdo diferente.
Avançando um bocado no tempo, como se vê daqui a 50 anos?
Daqui a 50 anos, já fui CEO de uma empresa de, não sei bem o quê, mas é uma empresa bem sucedida. Já fui realizadora de um filme blockbuster. Tenho imensos netos. Tenho uma casa de verão e uma casa de campo. Tenho muitos cães, muitas guitarras.
E agora, retrocedendo, qual é o próximo passo? Depois dos livros, da música...
A música ainda não acabou. Também gostaria muito de fazer cinema, tanto a nível de realização como a nível de representação. Também tenho planos empresariais, mas nada a ver com o que faço. Talvez mais um livro? Eu não paro, gosto de explorar. Sabes o filme "Yes Man"? Eu sou basicamente o "Yes Man" e é por isso que estou aqui, porque digo "sim" às oportunidades.