
Pedro Pena Bastos assumiu a sua primeira cozinha com apenas 24 anos e tornou-se o primeiro chef em mais de 60 anos a a conquistar uma estrela Michelin para o Ritz, no restaurante do hotel de cinco estrelas, um ícone da capital.
Em fevereiro deste ano, e com o seu nome a conquistar cada vez mais notoriedade devido ao percurso no Cura, mas também por se tornar numa cara conhecida dos portugueses devido às várias temporadas do "MasterChef Portugal" em que participou, nada fazia prever uma saída do restaurante de fine dining, mas tinha chegado a hora de Pedro Pena Bastos democratizar a cozinha e abrir um espaço à sua medida.
A ideia passa à materialização esta segunda-feira, 15 de setembro, com a abertura oficial do Broto, o novo restaurante do chef de 35 anos e natural do Porto, que fica na zona do Chiado, em Lisboa. Mas como é que Pedro Pena Bastos chegou até aqui?
Da inspiração da mãe e da avó ao desafio de liderar uma cozinha aos 24 anos
"Lembro-me que tinha 16 anos e comecei a cozinhar bastante, na altura também tinha uma namorada e toda aquela parte de querer surpreender e de querer desenrascar, de passar dias em casa, sozinho. Acho que é uma fase também muito de mudança da vida das pessoas, é o final da adolescência, não é?", conta o chef à MAGG, que não esconde que a influência da família também representou um grande papel naquilo que seria o seu futuro profissional.

"Acho que foi muito por instinto, por necessidade, por achar tão especial o ato de transformação e por sempre acompanhar a minha avó e a minha mãe muito perto dos tachos. A minha avó era a cozinheira lá em casa, sempre viveu connosco até aos meus 18 anos, e portanto tive esse contacto muito direto, mas só mais tarde, com 15, 16 anos, é que percebi exatamente que era isso que queria fazer, queria tentar, pelo menos. Foi esse o caminho."
Muito jovem, com apenas 24 anos e depois de completar os estudos e renovar a cozinha do Grémio Literário, em Lisboa, Pedro Pena Bastos assumiu a chefia do restaurante da Herdade do Esporão, no Alentejo. "Foi o meu primeiro projeto de desafio de cozinha, até lá tinha tido uma empresa de eventos e de pequenas consultorias, que me ajudou também a posicionar um bocado, a angariar alguns clientes. Mas o Esporão foi o primeiro sítio que me marcou e que acho que me catapultou um bocadinho para o comboio da cozinha", recorda o chef, que entre risos, caracteriza esse desafio numa idade tão jovem como uma "irresponsabilidade".
"Não, falando a sério, foi uma ótima experiência, foi muito bom, foi muito positivo. E sobretudo porque era muito jovem, muito inconformista, não sabia o que é que queria, não me sabia identificar, não me sabia exprimir e acho que é preciso entendermos que esse caminho não dá para ser forçado, não dá para ser de um dia para o outro."
"Temos de ser inspirados e houve muita gente que me inspirou, sem dúvida. Acho que o trabalho no campo com pessoas locais que vivem lá todos os dias e que trabalham com produto local, que trabalham na vinha e que têm um contacto tão direto com os animais, com os produtos hortícolas, isso acabou por inspirar imenso o restaurante e a mim, e acho que em quatro anos, conseguimos criar uma horta, criar um projeto muito, muito firme e muito baseado na sustentabilidade, na colheita de produtos locais", recorda Pedro Pena Bastos.
Para o chef, o desafio do Esporão foi a transformação que necessitava. "Foi uma cozinha se calhar muito vanguardista para a altura, e acho que depois o chef Carlos [Teixeira, sucessor de Pedro Pena Bastos no restaurante da Herdade do Esporão] conseguiu dar o seguimento que eu acho que aquele restaurante merecia e fico muito grato por isso mesmo, porque está super bem entregue. Mas realmente foi um projeto de transformação para mim, mexeu com muita gente, com muitas pessoas."
Pedro Pena Bastos também não esconde que, hoje em dia, é um homem e chef diferente. "Era muito focado no objectivo final, acho que ainda sou, mas acho que a parentalidade vai-nos mudando, os projetos que vamos angariando e que vamos tendo ao longo da vida também nos vão moldando. E levam-nos a ser mais flexíveis, mais elásticos e acho que eu estava numa fase de pouca elasticidade, estava muito rígido e muito tenso, mas foi muito bom e foi muito grande na minha vida esse projeto."
"Hoje estou mais ponderado", diz o chef Pedro Pena Bastos
Depois do Esporão, Pedro Pena Bastos regressou à capital para um novo desafio."Abri um espaço muito pequenino em Lisboa, que era o CEIA, acho que foi um ótimo salto e foi ali uma fase muito interessante, porque permitiu-me angariar mais clientes de Lisboa, trabalhar muito mais a parte de comunicação específica, aprimorar alguns conceitos que já vinham para trás e desfrutar um bocadinho da cozinha e poder respirar fundo e dizer 'não, realmente eu adoro isto, isto faz sentido, é bom'", conta o chef, que não esconde que a cozinha é um paixão que exige muito de cada um."
"Se eu fizer um bitoque com batatas fritas e um ótimo molho e um ovo estrelado, é alta cozinha. Se nos dedicarmos, é tudo alta cozinha."
"Temos de entregar o coração todo, é preciso mesmo gostar, é preciso querer gostar, é preciso dedicação, porque não acho que seja para todos. Não é fácil, para além de termos que ser altamente criativos, o cliente exige que nós estejamos criativos, temos de estar em constante mudança e eu acho que para sermos inspiradores para as nossas equipas, temos que não só liderar obviamente pelo exemplo — acho que isso é fundamental —, mas também inspirá-los pelo exemplo", salienta.
"Se há alguns anos estava muito mais energético, sem filtros, hoje estou muito mais ponderado, muito mais calmo, muito mais seguro, acho que vamos aprendendo também para o que vamos. E o Cura foi o culminar desses dois grandes projetos antes e acho que deu origem a termos chegado tão rapidamente à estrela Michelin, a posicionarmos muito bem o restaurante no guia. Ajudou-me a abrir portas para um universo que eu, até à data, não conhecia tão bem."
Broto. "Quero que as pessoas sintam que estão em casa"
Durante os seus anos à frente do Cura, Pedro Pena Bastos tornou-se uma referência no fine dining e um dos chefs mais proeminentes do panorama gastronómico nacional. Agora, no Broto, o conceito é mais democrático, mas o chef recusa a ideia de que se divorciou da alta cozinha, e vai ainda mais longe: quem disse que um bitoque não pode ser requintado?
"Todos os projetos que fiz até agora foram ligados à alta cozinha. E não vou dizer que o Broto não é alta cozinha, porque para mim é tudo alta cozinha. Se eu fizer um bitoque com batatas fritas e um ótimo molho e um ovo estrelado, é alta cozinha. Se nos dedicarmos, é tudo alta cozinha", realça o chef.
"Agora, no conceito que distingue a alta cozinha do resto, acho que sempre estive muito ligado a isso, por isso não vou dizer que o Broto não é. Mas acho que é um restaurante muito mais diverso, muito mais elástico, muito mais capaz de chegar a um público diferente. Obviamente muito mais descontraído, e onde quero que as pessoas sintam que estão em casa e que gostem do espaço e que se sintam confortáveis, que a música esteja confortável, as cores sejam acolhedoras e confortáveis", refere.

E o que é que podemos encontrar no Broto? "Temos bastantes lugares na sala [46 e 10 numa mesa comunitária], temos um bar com cocktails de autor muito ligados ao conceito, a carta de vinhos também é muito dedicada ao conceito que queremos desta portugalidade contemporânea, que é no fundo a minha cozinha mais livre, a minha forma de me exprimir de uma cozinha portuguesa mais livre — e tudo acaba por se refletir um bocadinho agora neste espaço."
No entanto, o chef recusa a ideia de que este projeto seja uma transição na sua carreira. "É o meu primeiro projeto sem condicionantes, a solo, de raiz. Tenho 35 anos, espero estar a menos de metade da minha profissão, adoro o que faço, espero poder trabalhar até sempre porque adoro trabalhar, mas também adoro viver. Acho que tem de haver um bom equilíbrio, adoro estar na cozinha, estar no restaurante, chego a casa e cozinho, e tenho prazer nisso, sou muito viciado em cozinha, que é diferente de ser viciado em trabalho."
"Se estou cansado e maldisposto e se estiver a cozinhar, consigo relaxar e consigo desfrutar."
"Gosto muito de cozinhar, é altamente motivacional e excitante para mim, ativa-me, deixa-me energético, mexe comigo, deixa-me bem. Se estou cansado e maldisposto e se estiver a cozinhar, consigo relaxar e consigo desfrutar e obriga-me a limpar a minha cabeça. E quero que os projetos daqui para a frente reflitam muito isso, é só o que me faz sentido, independentemente se vou voltar a fazer fine dining ou não. Mas claro que quero, não é um divórcio, lá está", garante Pedro Pena Bastos, que assume que o Broto era uma ideia que tinha a maturar há algum tempo.
"O Broto faz todo o sentido neste momento, e queremos explorar isto agora. Já tinha pensado nisso, e a sair do Ritz teria que ser para uma cozinha mais elástica, muito portuguesa, pelo menos em termos de expectativa, de identificação com o menu, mas também muito gastronómica. E aqui no Broto podemos fazer isso tudo. Gostava de ter sempre os pilares da culinária portuguesa, ter uma patanisca, um arroz malandrinho de tamboril, ou de peixe, ou mesmo de carne. Podemos ter assim alguns pontos muito portugueses mais tradicionais, com alguma inovação e recriações, mas também um lado gastronómico da portugalidade, que é se calhar ir buscar elementos rurais, trazê-los para cá, poder servir um ótimo prato de queijos de afinação, com uma curadoria um bocadinho diferente, mais detalhada."

"Acho que o fazer bem ou mal, eu diria que quase que custa o mesmo. Tem que ver mesmo só com o nosso foco e como é que nós queremos apresentar. Portanto, podemos fazer um vinagrete maravilhoso, básico, super bem equilibrado de acidez e sal, e tudo funcionar certo, como basta um deles estar desequilibrado, não haver uma organização de ficha técnica, isso já muda a perceção toda. Por exemplo, quando estamos a trabalhar com produtos tão simples como o tomate da temporada, que é maravilhoso, que só precisa de sal e um fio de azeite, às vezes nem um vinagre precisa, então é preciso ter essa sensibilidade, esse dom de cozinhar, esse querer cozinhar. E acho que agora o Broto é um restaurante para isso, é um restaurante para as pessoas que querem provar a minha cozinha portuguesa mais livre."
Para Pedro Pena Bastos, o Broto é uma forma da sua cozinha chegar a mais pessoas. "É capitalizar um bocadinho alguma notoriedade que fui também ganhando ao longo da carreira, e quero aproveitar esta onda para poder explorar isso e colocar à disposição para toda a gente nos poder visitar. Em Portugal, ainda ligamos muito as estrelas Michelin, mas estávamos a falar há pouco que isto não deixa de ser alta cozinha. Isto não é um restaurante mesa diária, mas acho que o cliente é que vai definir que tipo de restaurante é que o Broto é, acho que o tempo é que o vai ditar. Mas não somos um fine dining, não queremos ter esse rótulo, somos um restaurante dinâmico de cozinha portuguesa contemporânea, de sazonalidade, de produtos, de muito respeito pelas nossas tradições e sabor e memórias, porque eu acho que é isso que muda totalmente a percepção da comida — quando estamos a provar algo, é a nossa memória", conclui o chef.

O Broto, do chef Pedro Pena Bastos, abre oficialmente esta segunda-feira, 15 de setembro, e já está a aceitar reservas. Fica no Largo Rafael Bordalo Pinheiro 20A, em Lisboa, e está aberto todos os dias, tanto no período do almoço como ao jantar.