No primeiro dia de Chefs on Fire, sexta-feira, 20 de setembro, o pit central, logo à entrada do recinto, foi ocupado por alguém mais do que habituado a estas lides, mas não que por isso o faça com menos entusiasmo e dedicação. Falamos de Luís Gaspar, chef da Sala de Corte e do Brilhante, que em 2024 perfaz a sua quarta presença no festival.
"Sempre que chega ali à altura da Páscoa, anseio sempre por receber o convite", conta à MAGG o chef português, que também é responsável pela cozinha do Pica Pau, em Lisboa. E a expetativa de participar no evento é facilmente explicada. "É claramente o melhor festival de gastronomia do País, pelo posicionamento, pela estratégia, pela forma como recebem e tratam os chefs de cozinha, e depois pela cultura do produto."
Luís Gaspar partilha que "há sempre um frenesim de saber quem é que vai cozinhar" e se vai ser convidado. "Não fazemos mesma ideia, é tudo muito secreto até cada um começar a receber o convite de forma isenta", diz.
Mas mesmo sendo a sua quarta edição, há sempre espaço para inovar — ou voltar às raízes. Muito ligado à carne, ou não fosse a Sala de Corte, em Lisboa, já considerada uma das melhores steakhouses do Mundo, em anos anteriores o chef tentou apresentar pratos mais afastados desta proteína ou do que serve nos seus restaurantes. "Este ano, o Gonçalo [Castel-Branco, fundador do Chefs on Fire] desafiou-me a fazer um prato com mais identidade carnívora e pensei que faria todo o sentido trazer esta proposta."
Foi assim que chegámos à vaca minhota galega com arroz de enchidos de fumeiro, claramente um dos pratos que mais impacto positivo teve neste primeiro dia de festival, sempre com fila (mas não com muita espera, sendo o serviço rápido). Aliás, pelas 16 horas, já tinham servido 400 doses. Uma carne no ponto, um arroz cremoso e guloso. Ficámos rendidos.
"Trouxe um produto muito icónico da Sala de Corte, a vaca minhota, que é uma raça portuguesa, com 60 dias de maturação. É também uma forma de apostar na valorização das raças portuguesas, de um pequeno produtor. É muito importante valorizar o trabalho dos pequenos produtores em Portugal", diz o chef, que salienta que as diferenças entre a proposta apresentada no festival para aquilo que é servido no restaurante se prenderam com confeções e pouco mais.
"O arroz de enchidos, na Sala de Corte, fazemos numa versão de arroz de forno. A receita é a mesma, mas aqui em versão paella. A ideia foi trazer muita da identidade do restaurante, que tem brasa, carne."
Sala de Corte há só uma — esta e mais nenhuma
Face ao sucesso da Sala de Corte, há planos no futuro para abrir mais espaços com o mesmo conceito? Luís Gaspar nega categoricamente. "Queremos manter mesmo só aquele. Aliás, o restaurante já se afirmou como um destino gastronómico nacional e internacional, por isso não fará sentido replicar o conceito e arriscar perder a identidade. Há conceitos que eu acho que têm margem para ser replicados, mas uma Sala de Corte não é, de todo, um deles."
Também na zona do Cais do Sodré, o Brilhante é outro dos restaurantes do chef, que tem novidades para breve. "Está a correr muito bem, vamos crescer fisicamente, vamos ter mais espaço graças ao investimento que fizemos recentemente, e evoluir nos próximos tempos."
A terminar o trio de sucesso, o Pica Pau é outro conceito, mais próximo da comida popular portuguesa, igualmente reconhecido pelos clientes. Mas quando temos três restaurantes a funcionar a pleno vapor, há "filhos" preferidos?
"É uma pergunta muito difícil de responder porque todos eles têm muito a minha identidade enquanto cozinheiro e a minha forma de pensar. São três conceitos totalmente distintos, até o posicionamento gastronómico é diferente, mas todos eles têm a minha identidade gastronómica e características comuns, como a qualidade e valorização do produto, e a técnica. Isso é a minha forma de pensar a cozinha, e de ser cozinheiro", responde Luís Gaspar.
"A Sala de Corte foi o primeiro restaurante que assumi como chef de cozinha, vai ter sempre um significado especial, também pela forma como tem evoluído, o reconhecimento internacional, e porque numa altura em que cada vez mais se fala na redução do consumo de carne de vaca, o restaurante cada vez mais cresce e tem mais sucesso. Acho que as pessoas consomem menos carne de vaca, mas quando comem, escolhem um destino de qualidade onde sabem que vão comer muito bem", diz o chef.
"O Brilhante também é muito especial. Comecei a trabalhar com um chef de cozinha francesa, e para além das bases de cozinha francesa se aprenderem na escola, o meu primeiro contacto foi com um chef francês. Por isso, sempre tive ali um fascínio pela cozinha francesa, cultura do produto e técnica. E o Pica Pau é o meu restaurante de cozinha popular portuguesa, que me enche de muito orgulho porque não há complexos em mostrar miudezas, sangue, mostrar aquilo que e o património gastronómico português. Digo muitas vezes que é um restaurante que não tem o ego de um chef de cozinha, o que nós fazemos é replicar o receituário tradicional português, ajustando a melhor técnica ao melhor produto."
O homem da carne vai atacar o peixe
O nome de Luís Gaspar está, invariavelmente, ligado à carne e aos melhores cortes. Mas há novidades que o podem levar para um caminho inédito. "Vou ter um novo projeto, diferente de tudo, mas não posso mesmo revelar muito", desvendou o chef.
No entanto, já sabemos data e local. "Vamos abrir no final de 2025, e vai ser no Cais do Sodré", revela o chef.
Sobre o que vamos poder provar no novo restaurante, Luís Gaspar assume uma mudança de direção. "Não vou assumir que será só de peixe, mas terá uma componente muito forte de peixe, sim, e também de marisco", conclui.