O momento de beber um vinho começa a ser preparado muito antes de o levarmos à boca. Primeiro, é preciso escolher a garrafa da carta de um restaurante, da garrafeira de uma loja ou das prateleiras de um supermercado — processo que pode parecer simples, mas será sempre melhor com a ajuda extra de um escanção, um enólogo ou da app Vivino (quem nunca). No entanto, a tarefa não descomplica daí para a frente. É que provar ou servir um vinho a alguém tem que se lhe diga.

Na verdade, quem nos disse tudo foi Nelson Rolo, diretor de produção, winemaker e enólogo da Ervideira há 23 anos, que recorreu aos vinhos da Ervideira Wine Shop Lisboa, na zona do Restelo, em Lisboa, para ir exemplificando as boas e más práticas ao abrir um vinho.

Nelson Rolo
Nelson Rolo créditos: instagram

O beirão, de Penamacor, deu-nos todos os truques para nas almoçaradas de verão ou nos jantares à lareira de inverno não fazermos má figura.

Mas, afinal, o que é isto de fazer má figura? Não existe uma resposta certa, mas uma grande variedade de exemplos do que é fazer má figura. Antes de passarmos a estes, começaremos então pelo que é fazer boa figura ao provar ou servir um vinho em qualquer ambiente: em casa ou no restaurante.

Como fazer boas figuras com um vinho

O ritual de abrir um vinho começa logo pela garrafa, ainda antes de pegar nos apetrechos. Na nossa visita à Ervideira Wine Shop Lisboa, Nelson Rolo fez a demonstração com um vinho Ervideira 100 Pés, um vinho especial, que é feito a partir das uvas pisadas por quem visita o espaço da Ervideira em Reguengos de Monsaraz, um dos programas de enoturismo que se repete anualmente na altura das vindimas.

Quando se tem o vinho nas mãos, a primeira coisa a fazer é então ver a "integridade da cápsula, da rolha, se está tudo íntegro e se não há nada que possa ter adulterado o vinho", refere Nelson. Depois disso, pode então começar a despir a garrafa, mas com respeito.

"Fazer boa figura a abrir uma garrafa de vinho é ter respeito pela vestimenta. Nunca tirar a cápsula completamente", só no topo, indica o enólogo. Depois, pode então tirar a rolha, mas com cuidado para não partir, e cheirá-la de modo a "perceber se há algum aroma que possa indicar um problema de mofo ou bafio, coisas raras, mas que às vezes acontecem".

Após este processo, já pode servir no copo e eis mais aspetos que são sinónimo de boas práticas.

"Ver a lágrima: é boa figura. Não fazer grandes filmes com a lágrima, não é? Mas a lágrima é sinal que o vinho na boca tem densidade, volume e álcool", refere Nelson. Já bochechar, deixamos para a secção seguinte.

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Além deste ritual, entre um gole e outro vamos petiscando algo e há formas de fazer com que essa harmonização vá ao encontro do tema que temos vindo a tratar: fazer boa figura. 

"Se for um vinho tinto com estágio em barrica, irá necessitar de um prato mais condimentado. Porquê? Porque tem um estágio em barrica, muitos taninos, muita estrutura. E se formos para um peixe grelhado, com um vinho com um ano de barrica, por exemplo, é espectável que possa passar por cima do que é a nossa perceção do peixe. Em caso de dúvida, é jogar a meio termo: ou um vinho fresco, sem estágio em madeira, ou um branco cuja acidez possa casar com umas carnes brancas ou pratos variados de peixe", aconselha o enólogo.

Na dúvida, o vinho Invisível (branco de uvas tintas), é um dos mais versáteis da Ervideira, por isso tanto vai bem com pratos simples, como um polvo à lagareiro, como com um cabrito assado ou até uma sobremesa de doces conventuais. Especialmente neste vinho, mas também noutros, o mais importante é servir de acordo com a temperatura de serviço ideal, que está quase sempre indicada no contra rótulo.

Outro aspeto que ajuda a fazer boa figura quando o vinho é servido em casa é, no caso de um jantar com amigos, abrir uma nova garrafa e não servir uma que já estava aberta no frigorifico.

"Com amigos, se tivermos um grau de intimidade acho que sim, podemos servir [uma já aberta]. Agora se for uns amigos que estamos a receber, acho que há sempre este culto de partilha. ‘Olha, o que é que tu achas deste?'. E o abrir uma garrafa é sempre motivo de conversa, porque o vinho tem esta questão de se intrometer no diálogo", defende Nelson. "Se formos abrir uma que já abrimos ontem ou antes de ontem, mesmo que tenha um bom sistema de vácuo e tenha a certeza de que o vinho está bom, acho que o prazer do ritual da abertura de uma garrafa de vinho deve ser sempre de partilha", explica.

O que é fazer má figura a provar/servir vinho?

"Fazer má figura" pode parecer um conceito estranho, quase como as regras de etiqueta que às vezes não parecem mais do que picuinhices. Mas se tal como à mesa não é de bom tom falar com os talheres no ar, ao beber um vinho não é elegante ver um copo cheio de dedadas, o que só acontece se não souber pegar no mesmo.

"Má figura é não saber pegar no copo. Para não aquecer e não só. É que a nossa pele transpira e ao pegarmos no alto fica feio mesmo. Má figura é ter um bom copo de vinho e não saber pegar", diz Nelson Rolo, pelo que a dica é pegar no pé do copo. Quanto à base, pode pegar, embora não seja prático.

Como pegar no copo de vinho
Como pegar no copo de vinho créditos: Rafael Barquero /Unsplash

De seguida, quando levar o copo aos lábios para finalmente degustar o sumo da uva, beba apenas e só. "Aquela questão que vemos num restaurante de a pessoa a provar e bochechar é fazer má figura. É feio e não tem funcionalidade. O que tecnicamente se deve fazer é pôr o vinho na boca e deixar entrar um bocadinho de ar, sem fazer esse bocheco, para que as papilas gustativas da língua reajam e percebamos mais a acidez ou doce, amargo ou salgado do vinho. O contacto com o oxigénio permite interpretar o vinho. Mas isso é uma coisa técnica", explica o enólogo da Ervideira.

Depois dos vários exemplos práticos sobre fazer má figura a provar ou servir vinho, vamos falar um pouco de teorias erróneas. Isto porque há ainda muitas ideias pré-concebidas em torno do vinho, que, ao serem partilhadas, podem ser sinónimo de fazer má figura nos dias de hoje. Nelson Rolo dá exemplos.

  • Associar os vinhos a peixe e carne. "Há aqui um chavão muito grande dos vinhos, que ainda hoje são mal interpretados. Associar um tinto a carne e peixe a brancos: na nossa mente, é fazer má figura";
  • Vinhos gastronómicos Vs. vinhos de piscina. "Associar um vinho só para gastronomia e um vinho com aquele diminutivo que gosto muito de usar, que é o vinho piscina: isso é fazer má figura. Se estamos a tirar prazer de um vinho estando na piscina, seja um rosé, seja um espumante, não há nenhum chavão que nos impeça de beber um vinho em ambiente festivo ou até fora da, digamos assim, da gastronomia";
  • Espumantes. "Associar um espumante só para momentos festivos é errado";
  • Denominações. "Dizer por exemplo que um DOC é superior a um vinho regional. Entrar aqui em questões de denominações é fazer má figura";
  • Rosé. "Em Portugal ainda temos o complexo da masculinidade, de que rosé não é para homens. Os rosés já são feitos hoje de maneira técnica com exigências muito grandes e já conseguimos ter rosés de grande nível, prazerosos em termos de acidez e frescura".

Existe ainda um último ponto sobre a má figura no mundo dos vinhos: avaliar o vinho pelos dígitos ou pela capa.

"Interpretar um vinho só pelo preço também é má figura. O que digo má figura é, por exemplo, querermos impressionar num restaurante e escolher o vinho mais caro só porque é o mais caro, porque achamos que vamos impressionar e ficar saciados. O preço nunca pode ser o elemento de decisão para impressionar ou por achar que vamos beber um melhor vinho", refere o enólogo da Ervideira.

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"Nunca ir pelo mais barato, nem pelo mais caro. Porque às vezes o mais barato leva-nos a um vinho pouco exigente, que não se enquadra, não marca, não vai dialogar connosco", acrescenta.

Para escolher é então essencial tomar atenção às castas e regiões de que gostamos mais e também estar de mente aberta. "Temos que ir mais à descoberta para fazer boas figuras e às vezes a boa figura faz-se quando aceitamos uma boa sugestão ou quando surpreendemos alguém com um vinho que é ainda desconhecido mas que satisfaz o nosso prazer".

Algumas surpresas podem acontecer com sabores a que não estamos habituados, como aqueles que fazem parte da seleção Escolha do Enólogo da Ervideira, vinhos que desafiam o paladar e dos quais faz parte o Conde D'Ervideira Gouveio, um branco do Alentejo, cuja acidez é muito expressiva.

Para perceber se estamos perante um vinho mais ou menos desafiante, basta ver se é um gato ou um cão. Confuso? Nelson explica. "Há um guru internacional, americano, que costuma dizer que o formato das garrafas também nos pode dizer muito. Ele costuma comparar um tipo de garrafas que são as borgonhas, 'like a cat', e estas mais direitas, "like a dog". Imprevisible e predictable ['imprevisível e previsível', em português], respetivamente. Ou seja, nas primeiras pode encontrar tudo o que é desafiante como um gato. Nas segundas como um cão, em que temos noção do rigor e consistência do vinho que vamos encontrar", remata.

Depois de tantas dicas sobre como fazer boa figura a provar ou servir vinho, está na hora de pôr em prática e desfrutar de um copo. Ou lata. O enólogo nada nos disse sobre ser má figuras beber vinho em lata (e a verdade é que no verão dá bastante jeito, por isso eis mais uma opção).

Se estas dicas abriram o apetite sobre o mundo dos vinhos, recomendamos os programas de enoturimo da Ervideira, como a experiência enólogo por um dia (30€ por pessoa), a prova de monocastas (25€ por pessoa) ou o desafio prova cega para testar os conhecimentos (20€ por pessoa), que também pode fazer na loja de Lisboa e na Wine Shop Évora.

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