O conceito de vinho vegan ainda causa alguma estranheza e há quem não entenda como é que um simples copo, no qual não se vê nenhuma parte ou resultado do corpo de um animal, pode não ser vegan. Mas há uma explicação para isso. "Há centenas de anos que as proteínas como a albumina, da clara de ovo, se utilizam para clarificar/limpar a turvação natural dos vinhos", explica o enólogo Hélder Cunha à MAGG. No fundo, é isto que faz com que um vinho seja considerado um produto não-vegan, porque no seu processo entra algo de origem animal.

O inverso são então os vinhos vegan, nos quais são usadas "proteínas de vegetais que substituem as de origem animal", diz o enólogo para quem este processo já não é novidade.

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Hélder Cunha começou a interessar-se por enologia e produção de vinho em 2000 durante uma vindima em Napa Valley, na California. "Foi no final do meu 3.º ano da licenciatura em Engenharia Agro-Industrial no ISA que resolvi experimentar ir trabalhar para uma adega e desde essa experiência que decidi tornar-me enólogo", conta. Já passaram 21 anos desde a vindima e 20 desde que começou a trabalhar como enólogo. Na altura não começou logo a aventurar-se pelo universo do vinho vegan, a oportunidade surgiu mais tarde com a criação da própria marca de vinhos em 2008: a Casca Wines.

Enólogo Hélder Cunha
Enólogo Hélder Cunha créditos: divulgação

"A produção de vinhos tintos na Casca Wines está a tornar-se vegan há mais de dois anos. Nos vinhos brancos e rosé, embora não os certificássemos, sempre fomos vegan, nos tintos o desafio era maior e demorámos um pouco mais a consegui-lo pois as proteínas vegetais que substituímos pelas de origem animal só há cerca de dois anos é que realmente se tornaram eficientes e organolepticamente inertes", refere o enólogo. A certificação dos vinhos vegan já está em marcha e o próximo passo da Casca Wines é "produzir apenas em modo vegan".

Além de ter sido um dos primeiros a produzir vinhos vegan, Hélder Cunha é também conhecido pelos "vinhos naturais de enólogo" que, no fundo, não foge do princípio de produção vegan. "Os vinhos naturais são vinhos de intervenção mínima" que recriam práticas centenárias, explica Hélder Cunha de forma simples. Quanto à presença da palavra enólogo, há um propósito: "Quero dizer que nos meus vinhos naturais há enologia, mas sem produtos enológicos", isto é, no processo entram apenas as uvas biológicas, o enólogo e a sua enologia.

As técnicas e os vinhos já lhe valeram vários prémios, como aqueles que recentemente distinguiram vinhos Beira Interior DOC da Casca Wines. As medalhas — três de ouro e duas de prata — foram atribuídas pelo International Organic Awards.

Como escolher um vinho vegan?

Nem todos os vinhos precisam de medalhas para serem bons vinhos, nem precisamos de andar com a app Vivino no meio do supermercado a ver qual é o melhor a pôr no carrinho. No que diz respeito aos vinhos vegan, o enólogo dá algumas dicas no momento da escolha.

"É como escolher qualquer outro vinho. Apontar para a sua região ou casta preferida e avançar. O mais importante em qualquer escolha é experimentar vários estilos e desafiar-se a si próprio saindo da zona de conforto, pois hoje em dia há cada vez melhores vinhos", refere. Para identificar um vinho vegan, basta olhar para o contra-rótulo no qual deverá encontrar um selo de garantia vegan atribuída pela Associação Vegetariana Portuguesa.

E desengane-se se pensa que vinhos vegan são só para quem faz caril de legumes em vez de frango e redefiniu o nome de bifanas para seitanas. Nada disso. "São vinhos para qualquer pessoa, uma vez que estas proteínas não ficam no vinho, são utilizadas para clarificar/limpar a turvação dos vinhos e deixadas para trás na operação que chamamos de 'passagem a limpo', a qual serve basicamente para separar as borras de decantação do vinho limpo", explica Hélder Cunha.

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Ao que parece, os portugueses podem mesmo vir a experimentar a oferta cada vez maior de vinhos vegan, uma vez que vontade de beber um copo nunca falta. Ora veja este número: 130. São em média 130 as garrafas de vinho que cada português consome por ano, segundo o estudo "Prevenir a Utilização Nociva do Álcool" divulgado esta quarta-feira, 19 de maio.

Não desanime, porque isto não significa que tem de deixar de beber. Pode fazê-lo de forma consciente, quer na medida, quer na qualidade. Para saber mais sobre este último ponto, pode ver as explicações e conversas de Hélder Cunha com outros enólogos no YouTube, plataforma à qual aderiu para "descomplicar o tema vinho", sobre o qual tem estudado ao longo de 20 anos.

O objetivo do agora youtuber? "Mostrar o país lindo que temos, partilhar a minha paixão e os meus vinhos e, claro, fazer chegar aos enófilos um pouco mais de informação de uma forma leve e descontraída", remata.