Ainda pouco conhecida pelos amantes de bolachas de Portugal continental, a Mulata é uma estrela nos armários dos açorianos —seja no arquipélago, seja um pouco por todo o Mundo, pelos países onde vivem os emigrantes das nove ilhas atlânticas.
À venda desde setembro na cadeia de supermercados Pingo Doce (além de já estar disponível nas lojas do grupo Auchan, supermercados El Corte Inglés e também em lojas de produtos açorianos), a bolacha Mulata é parecida com aquela prima americana que tem recheio e se molha no leite, mas — e aqui entra o nosso gosto pessoal — melhor. Mais estaladiça, menos doce e com um intenso sabor a chocolate.
Fomos até São Miguel conhecer o processo de fabrico destas bolachas e as pessoas responsáveis pelo funcionamento do Complexo Industrial de Ponta Delgada, inaugurado em 2019, na qual está o coração da Moaçor. Aqui, está a moagem de trigo (a empresa fornece farinhas para uma variedade de fins, desde pão a pizzas, para todo o arquipélago), a fábrica de bolachas, uma unidade de panificação e pastelaria e também uma unidade de transformação e processamento de carnes da ilha Terceira, e ainda uma exploração de aves.
Nesta fábrica, onde cheira a pão e doces o dia todo, não é produzida apenas a Mulata, mas também as bolachas Maria, Água e Sal, Rural e Integral, todas da marca Moaçor. A bolacha de chocolate é produzida duas vezes por semana e, em cada dia, saem da fábrica cerca de 200 mil unidades.
A mudança para as novas instalações coincidiu também com o reforço da aposta na bolacha Mulata em Portugal continental. "Melhorámos os métodos de fabrico, mudámos as embalagens, não só em termos de imagem mas também no tipo de embalagem. Um dos segredos da nossa bolacha é a crocância e, para mantermos a qualidade do produto final, tivemos que melhorar a embalagem. Esperámos por essa melhoria para dar o salto para Portugal continental", salienta João Almeida.
O gestor comercial da Moaçor explica que a imagem da bolacha Mulata não era atualizada há alguns anos (algo que aconteceu também nas redes sociais) e que, depois desse passo, o objetivo é "entrar na luta" por uma quota de mercado no setor das bolachas. No arquipélago, a Mulata é top seller, tendo destronado a bolacha Maria nos últimos anos. "A Mulata é um produto único e vamos tentar atingir as massas", diz João Almeida.
Nascida no final da década de 80, esta bolacha achocolatada e crocante saiu, ironicamente, da cabeça de um americano. "Um especialista veio tentar aproveitar algum do desperdício da produção de bolachas e acabou por fazer um milagre, digamos assim. Descobriu-nos o produto mais famoso dos Açores", explica o diretor comercial da Moaçor.
Quanto às comparações com a rival Oreo, João Almeida diz que são bem-vindas. "Até preferimos porque, muitas vezes, associam-nos a uma bolacha Maria de chocolate. E nós não somos uma bolacha Maria de chocolate", salienta o diretor comercial da Moaçor, explicando que "a Mulata é um biscoito de chocolate". A ambição da empresa é, agora, criar derivações da Mulata original, com recheio, em diversos tamanhos e grossuras.
Veja o processo de modelação da bolacha Mulata.
A pandemia afetou a ambição da empresa em promover a bolacha em Portugal continental. Como João realça, "acabaram-se as provas em supermercados", devido à COVID-19, o que dificulta a tarefa de, nestes espaços, dar a conhecer o produto. Porque quem prova, afiança o responsável, fica fã.
"A percentagem de retenção é muito alta. Não é um produto caro, tem uma boa imagem. Hoje em dia, a marca Açores está super valorizada. Mas também deu para agilizarmos e otimizarmos todo o nosso processo de fabrico. E agora estamos na luta", explica João Almeida.
Na fábrica da Moaçor, o maestro da orquestra chama-se Mário Maceda. Há 39 anos na empresa, é ele quem está à frente de um painel com luzes, botões e ecrãs, o centro nevrálgico a partir do qual se coordena a entrada e saída de trigo dos silos (que é limpo e lavado antes de ser moído), armazenamento e distribuição de diferentes tipos de farinha. O cereal usado na Moaçor é importado de França e da Alemanha, uma vez que no arquipélago não há cultivo do cereal.
"O trigo, depois de limpo, é acondicionado noutros silos, em que tem de ter, no mínimo, umas 10 horas de repouso, para absorver a água. Quando sai dos silos, vai para o circuito de moagem", explica o funcionário da Moaçor. Daí, o cereal passa por vários moinhos, espalhados por cinco andares, para depois ser peneirado e novamente armazenado em silos, aí já divididos por tipos de farinha, e finalmente ensacados.
E antes de haver computadores, como é que isto tudo funcionava? "Tinha um quadro muito grande, e um esquema da fábrica num painel. Tinha de ligar cada máquina individualmente, tinha uma mesa com os botões todos. No caso dos moinhos, também tinha de os ligar manualmente, com uma alavanca, para cada um fazer a sua função", explica Mário Maceda.
"O Mário fez uma transição incrível, de um método de fabrico analógico para digital. Neste momento, temos um padeiro-pasteleiro a trabalhar connosco, a testar cada tipo de produto e a fazer o serviço pós venda. Antigamente, o Mário fazia tudo sozinho. Estava aqui durante o dia e, à noite, se calhar ia ensinar a cozer pão para uma padaria", reforça João Almeida.
A Finançor, empresa na qual se inclui a Moaçor, foi fundada em 1954. O grupo tem empresas em várias áreas (na qual se inclui a hotelaria, com os Azoris Hotels & Leisure), mas as atividades principais são a agro-pecuária e a produção de produtos alimentares. A empresa é atualmente detida por quatro acionistas, da família Leite Braz.