Bo é tailandesa, Dylan é australiano. Conheceram-se em 2005 na cozinha do Nham, um restaurante tailandês em Londres e foi já enquanto casal que decidiram criar um projeto com características pensadas a dois.

"Sabíamos que seria de comida tailandesa e na hora de decidir o local, pensámos logo: Tailândia", explica Dylan, que remata: "Sim, eu sei, é como oferecer gelo a um esquimó". É com esta descontração que os dois dão início à apresentação sobre o Bo.Dylan, o restaurante que gerem em Banguecoque desde 2009 e que se prepara este ano para ser um espaço Carbono Zero, uma certificação conseguida quando há uma recompensa total pelos recursos gastos.

O facto de terem escolhido Banguecoque para montar um restaurante tailandês não foi só para servir de quebra gelo ao início da apresentação feita durante o simpósio "Sangue na Guelra", que esta segunda-feira discutiu o impacto da gastronomia nas áreas social, política e ambiental.  "Queríamos trabalhar com produtores locais e com os produtos mais genuínos. Isso só se consegue junto à fonte original", acrescenta Bo.

Para não serem apenas mais um no meio de outros tantos milhares de restaurantes tailandeses —já sem pormos aqui na conta a quantidade de banquinhas de street food — tiveram que marcar pela diferença. "Quisemos desde logo fazer tudo de raiz. Parece óbvio, mas não é", refere Dylan, e lembra que é muito normal que na cozinha tailandesa se usem produtos super processados. Mas não no Bo.Dylan.

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A carta muda constantemente para que o que seja servido tenha como base os produtos da época. Além disso, vem tudo de produtores locais e tentam ao máximo que as refeições sejam livres de alimentos processados.

Lixo transformado em sabonete e repelente

Tudo isto é incrível, mas não é novo para estes ouvidos ocidentais já habituados a restaurantes mais amigos do ambiente. Agora pensem neste cenário num país onde por muito que Bo e Dylan separem o lixo, acaba todo junto num contentor comum. "A reciclagem ainda é um conceito estranho aos tailadeses", lamentam. Isto num país que usa 70 mil milhões de sacos plásticos por ano.

Mesmo assim os dois obrigam todo o staff a separar os resíduos para que o restaurante sirva de exemplo e também para estarem preparados para o dia em que a reciclagem deixe de ser um mito na Tailândia. "Eles odeiam-nos", brinca Dylan, "basicamente estão sempre a questionar o que fazemos e à espera de qual será a nossa próxima ideia".

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Bo refere que esta separação também é útil para a reutilização que dão aos produtos. E é aqui que a história começa a ficar interessante.

No Bo.Dylan quase nada vai realmente para o lixo, e o que vai, acaba por entrar num processo de compostagem para servir de fertilizante. Mas até esse passo, muita magia acontece.

  • As cascas da fruta são deixadas como que "a marinar", de forma a fazer uma espécie de kombucha.
  • Os restos do arroz servem para fazer sobremesas e chás.
  • Nunca servem as bebidas com palhinhas. "Só damos quando pedem e oferecemos sempre uma de bambu", explica Dylan.
  • Os guardanapos são feitos de cera de abelha.
  • O óleo usado é matéria prima para criar sabonetes. Fique a saber que normalmente o óleo usado em restaurantes tailandeses é vendido para as bancas de street food, num processo que não acaba aqui. Depois de reutilizado por esses espaços, é novamente vendido para alimentar animais. "Não admira que os casos de cancro aumentem todos os anos", salienta Bo.
  • As cascas do marisco passam por um processo de secagem e transformada em pó para temperos.
  • A casca do ovo são reduzidas a pó, espalhadas pelos cantos, servindo assim para afastar as formigas.
  • As sementes, principalmente da abóbora e da papaia, são usadas como tempero.
  • Estão prestes a ter fardas feitas de algodão orgânico.
  • Pretendem transformar os restos dos ossos e espinhas grandes numa fonte de energia, neste caso, em carvão ativado.

Um futuro ainda mais verde

Bo e Dylan são quase um caso de estudo num país ainda pouco dado a evitar o desperdício."Não nos importamos com isso. Sabemos que o que fazemos é pouco tendo em conta a dimensão do problema, mas é com muita satisfação que vemos as pessoas saírem do restaurante com outra visão sobre o mundo".

É por isso que, tal como acontece com todos os que visitam o restaurante, também a plateia do simpósio pode levar para casa um guardanapo, no qual esta dupla agradece a preferência, lembrando que ao jantar no Bo.Dylan, o cliente apoia práticas agrícolas sustentáveis, pescadores  e artesãos locais e minimiza o uso do plástico e o desperdício.