"O amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura", profere melancolicamente Vítor Espadinha em "Ouvi Dizer", dos Ornatos Violeta. E se a paixão é como uma droga, o nome deste restaurante, escondido numa discreta rua do bairro da Lapa, em Lisboa, não podia vir mais a calhar.

O Drogaria era, antes de ser um restaurante, aquilo que o nome indica. Um espaço de comércio tradicional, onde se vendia de tudo, e ponto de passagem frequente durante a infância do atual dono, o engenheiro civil Paulo Aguiar, que cresceu no bairro. A Lapa já não é a mesma dos anos 60 e 70, mas o Drogaria, com a sua decoração luxuosa mas etérea, homenageia outros tempos, sem esquecer que a vida se passa aqui, agora e em Portugal. De portas abertas, claro, para os que vêm de fora só de visita e para os que ficam.

“Este restaurante nasceu da vontade de voltar ao bairro onde cresci e de reviver as tradições, as minhas próprias lembranças da vizinhança, do espaço que outrora fora uma drogaria e onde tantas vezes entrei maravilhado para fazer recados, e da minha paixão pela gastronomia. Queria, essencialmente, recriar um espaço que nos leve a outros tempos, mas que oferecesse pratos contemporâneos, que reflitam a agitação da cidade e a sua transformação”, diz Paulo Aguiar em comunicado.

Veja as fotos do espaço

Não queremos dar uma de patriotas mas, caramba, se há carta que honra os sabores portugueses, é esta. Como, de resto, as propostas do Drogaria, que tem sempre em mente o que é criado, cultivado e cozinhado em território nacional. A carta de outono, pensada pelo chef consultor do Drogaria, João Hipólito, é executada por João Caio, chef residente do espaço. Ambos oriundos da Beira Baixa, as influências gastronómicas da região estão presentes, tanto nos sabores como na execução, tradicional e com toque caseiro.

Mas falemos de comida.

O couvert (8,50€) é logo para conquistar. Os três tipos de pão que provámos (broa, flat bread e pão de fermentação natural), todos feitos na cozinha liderada pelo promissor e talentoso João Caio, são o início perfeito da refeição, ou não viessem acompanhados de manteiga fumada dos Açores, creme de queijo e marmelada (feita com marmelos trazidos da zona de Castelo Branco, de onde é oriundo o jovem chef de 24 anos).

drogaria couvert

O gerente e mixologista da casa, Ludgero Veiga, prepara-nos um hibisco sour, que não está na carta e é uma inspiração do momento (também para dar vazão à quantidade enorme de hibisco seco que trouxe da América do Sul).

Hibisco sour
Hibisco sour

Começamos pela mais surpreendente proposta desta carta. Gyozas de cozido à portuguesa com caldo de cozido, pickles de nabo e hortelã (12€). Pode soar pretensioso e desmotivar os mais puristas deste prato típico, mas a recriação respeita os sabores do cozido, e o caldo, cristalino, transporta-nos para almoços de inverno no aconchego de mães e avós.

Gyozas de cozido à portuguesa
Gyozas de cozido à portuguesa MAGG

Ainda no capítulo das entradas, o fricassé de cogumelos com presunto pata negra alentejano, queijo e ovo (15€) é um hino à decadência, com o sabor silvestre dos cogumelos a ser enaltecido pela untuosidade do ovo.

Fricassé de cogumelos com presunto pata negra alentejano, queijo e ovo
Fricassé de cogumelos com presunto pata negra alentejano, queijo e ovo

Uma proposta mais leve, mas igualmente surpreendente, as texturas de alho francês com aioli de alho negro, pistácio, vinagrete de alcaparras e laranja (15€). Um prato no qual este vegetal tantas vezes menosprezado brilha, rodeado de uma nuvem fofa de aioli (que quase que dá vontade de lamber o prato).

texturas de alho francês com aioli de alho negro, pistácio, vinagrete de alcaparras e laranja
Texturas de alho francês com aioli de alho negro, pistácio, vinagrete de alcaparras e laranja créditos: MAGG

Passamos para o peixe do dia, corvina na altura em que visitámos o espaço, acompanhado de um tradicionalmente algarvio xerém de lingueirão, espargos e poejos (27€). Uma proposta leve, fiel à tradição daquela região.

XERÉM
Peixe do dia com xerém

No capítulo das carnes, duas maravilhosas surpresas. O leitão assado com nabo, salada de laranja, menta e molho de pimenta preta (25€), que em nada faz desmerecer o tradicional da Bairrada. A pele, estaladiça, num contraste perfeito com a doçura cremosa do nabo e a frescura da laranja para quebrar a gordura.

leitão
Leitão assado com nabo, salada de laranja, menta e molho de pimenta preta créditos: MAGG

O prato que mais grita outono (e o nosso favorito dos principais), bochecha de novilho glaceada com marmelo, raiz de aipo e vinho do Porto (25€). Comida de conforto pura, mas executada com requinte e um respeito impressionante por cada um dos ingredientes.

Bochecha de novilho glaceada com marmelo, raiz de aipo e vinho do Porto
Bochecha de novilho glaceada com marmelo, raiz de aipo e vinho do Porto

Neste outono, outras das grandes novidades são os cuscos de Vinhais, confecionados num prato vegetariano, com castanhas e legumes da estação (22€) e o arroz de polvo com vinho tinto, lula de anzol grelhada e manteiga de salsa (25€). Não provámos, mas ficámos com vontade de voltar para experimentar.

cuscos de Vinhais
Cuscos de Vinhais

E sim, date que é date tem que ter sobremesa, de preferência partilhada. Ou não. Pedir qual, se as três são maravilhosas? Nós temos a nossa favorita, a tarte de framboesa com merengue queimado e pickle de framboesa (7,50€), leve, ligeiramente ácida, elegante.

Tarte de framboesa com merengue queimado e pickle de framboesa
Tarte de framboesa com merengue queimado e pickle de framboesa créditos: MAGG

O creme de arroz doce queimado (com a sua coroa de arroz doce estaladiça), creme salgado, gel de laranja e limão (7,50€) vai conquistar os mais tradicionalistas e, por fim, uma sobremesa para os amantes da rainha das sobremesas portuguesas, o bolo de bolacha.

Creme de arroz doce queimado
Creme de arroz doce queimado créditos: MAGG

A Bolacha Maria (7,50€), feita com bolachas caseiras, café, merengue e creme de gema promete conquistar os que anseiam por voltar a sentir aquele sabor amanteigado e doce das fatias de bolo comidas com gula e vagar na infância.

Bolacha Maria
Bolacha Maria

O Drogaria está aberto desde 2019 e faz parte, nos dois últimos anos, das recomendações do Guia Michelin.

Drogaria
Rua Joaquim Casimiro nº8
1200-696 Lisboa

Horário: 3ª a 5ª feira, das 19 horas às 23h. Sexta e sábado, das 19 horas às 23h. Encerra ao domingo e 2ª feira.
Reservas:  (+351) 210 145 528;  (+351) 933 755 442; reservas@drogaria-restaurante.pt
Instagram e Facebook 

 

Fotos do espaço: Mário Cerdeira | Fotos dos pratos: Si Lakos