2024 é um ano de celebração para a Casa Velha do Palheiro, hotel madeirense que é uma preciosidade repleta de história, aromas, sabores e prazeres. Há 220 anos, João José Xavier do Carvalhal Esmeraldo e Vasconcelos de Atouguia de Bettencourt de Sá Machado, primeiro conde do Carvalhal, mandava construir a propriedade que viria a tornar-se, muitos anos mais tarde, neste hotel.
E é também este ano que a Relais & Châteaux celebra o seu 70.º aniversário, sendo a Casa Velha do Palheiro a primeira unidade hoteleira madeirense a fazer parte desta associação com quase seis centenas de hotéis e restaurantes, espalhados pelos quatro cantos do planeta.
Comprada por John Burden Blandy em 1885, a Casa Velha do Palheiro tornou-se hotel há 25 anos, depois de ter sofrido profundas obras de remodelação em 1997. A mansão foi desenhada por George Somers Clarke, o mesmo arquiteto do Reid's Palace, o mais icónico hotel de luxo do Funchal.
Rodeada dos luxuriantes Jardins do Palheiro, onde ainda se mantém a magnífica capela mandada erigir pelo conde do Carvalhal, esta propriedade tem também outro atrativo, ao qual acorrem turistas de todo o mundo: o Palheiro Golf, que também assinala três décadas de existência, onde os aficionados podem praticar este desporto com uma vista de cortar a respiração sobre o Atlântico. Além da unidade hoteleira, a propriedade Palheiro Nature Estate tem também um segmento para habitação permanente ou de férias, com villas e apartamentos para venda.
Do restaurante Vista Balancal à sala de jantar da Casa Velha, onde se podem provar várias iguarias, que compõem duas cartas distintas mas igualmente apetitosas, criadas sob a batuta do chef Gonçalo Bita Bota, ao spa, passando pela casa de chá, situada no coração dos jardins, há muitas razões para escolher a Casa Velha do Palheiro para um fim de semana de descanso.
Mas o que nos deixou completamente rendidos a hotel cheio de recantos foi a sua história, sobretudo depois de passarmos pelo retrato do Conde do Carvalhal, que observa os hóspedes, de dentro da sua moldura, na sala de estar da Casa Velha. É que se João José, o fundador da propriedade, era um homem profundamente empreendedor e católico fervoroso, o seu sobrinho-neto, António Leandro, segundo conde do Carvalhal, era um estroina de primeira apanha. Tanto que desbaratou à grande a fortuna herdada, ao ponto de ter de ser a família Blandy (a mesma que criou um império ligado ao vinho Madeira) a salvar a propriedade.
A história é tão sumarenta que não conseguimos evitar pensar nos dois condes, tão diferentes entre si, a passear pelos jardins da propriedade, talvez um de terço na mão, o outro com beldades no regaço, sempre com o azul do Atlântico em fundo, de olhos postos no Novo Mundo. Diz-se à boca pequena no hotel que, à noite, na casa principal, há relatos de ruídos suspeitos e inexplicáveis. Nós, que dormimos numa ala mais moderna, ficámos com curiosidade de voltar só para ver se os rumores são verdade (e, quiçá, gritar "who you gonna call? Ghostbusters!").
Com 33 quartos e cinco suites, divididas entre a casa principal, remodelada em 2022, o jardim e o golfe, este hotel de cinco estrelas oferece acomodações com uma decoração tradicional, confortável, sem exageros decorativos e uma aura de intemporalidade. A MAGG ficou instalada num dos quartos mais recentes da propriedade, na ala do jardim, que foi concluída em 2023.
O que adorámos
1 - Os jardins do Palheiro
Uma escapadinha até à Casa Velha do Palheiro não está completa sem uma visita guiada pelos jardins, que ocupam três hectares e meio da propriedade e são casa de cerca de 700 espécies. Cuidados por uma equipa de 10 pessoas, esta obra de arte viva e em plena mutação foi pensada pela família Blandy, cujos membros séniores, Adam e Cristina, ainda vivem numa das casas da propriedade. E é Miguel Cardoso, jardineiro que trabalha há 25 anos na propriedade, que nos conta todos os pormenores sobre cada uma das plantas, flores, árvores, arbustos que compõem os jardins.
Mesmo que não esteja alojado na Casa Velha do Palheiro, é possível visitar os jardins todos os dias, das 9 às 17 horas. A entrada custa 11€ para adultos, 6€ para adolescentes entre os 15 e os 17 anos, e as crianças têm entrada gratuita. Grupos com cinco ou mais pessoas têm entrada individual reduzida para 10€. Os residentes na Madeira pagam 6€.
2 - A comida (da horta) de Gonçalo Bita Bota
Há quase um ano aos comandos da cozinha da Casa Velha do Palheiro, Gonçalo Bita Bota fala-nos orgulhosamente da sua horta, situada aos pés do primeiro nível do jardim situado em frente da casa principal.
O chef, com raízes alentejanas e lisboetas, começou esta empreitada em setembro de 2023, para que as refeições que são servidas nos vários espaços de restauração da propriedade (o restaurante Vista Balancal e a sala de jantar da casa principal) fizessem jus a um dos princípios orientadores dos hotéis Relais & Châteaux: a promoção da diversidade das tradições ligadas à gastronomia, bem como a preservação do património local e do ambiente.
Entre ervas aromáticas, malaguetas, o chef explica-nos que o seu objetivo é confecionar comida "típica, com produtos locais e com um toque de modernidade". A inspiração oriental que Gonçalo Bita Bota traz na bagagem casa-se com a tradição madeirense, no que define como sendo "fine dining não assumido, relaxado, com uma forte aposta na sustentabilidade".
O nosso jantar "fine dining não assumido" foi, assumidamente, uma maravilhosa surpresa, correspondendo às intenções do chef. Uma mistura entre modernidade e tradição, e cum uma grande marca sazonal, fazendo jus à alma da Casa Velha do Palheiro, num menu degustação (mas cujos pratos estão disponíveis à carta).
Começámos a refeição com cavala-da-índia com puré de ervilha, seguida de um dos pratos mais bonitos que já provámos, tanto na sua simplicidade como na técnica usada para elevar os vegetais usados: beterraba com mousse de requeijão e variações de cebola.
Depois, de volta ao peixe local, provámos bodião com texturas de funcho, espinafres e miso, um prato delicado, aromático e que honrou a estrutura e delicadeza do peixe. O único prato que não nos impressionou, mais por ter sido servido morno, foi o bife Wellington. Que, ainda assim, acompanhado de abóbora e beterraba com puré trufado, estava bastante suculento, embora fosse uma opção demasiado pesada para esta refeição.
Terminámos com um creme brûlée de maracujá, uma fruta tão madeirense quanto a poncha caseira, feita no momento, sob o olhar atento do conde do Carvalhal, que bebemos após o jantar (e que deixa qualquer um num estado zen só possível de alcançar com esta típica bebida da pérola do Atlântico).
3 - Ir à "pesca" no Balancal (e ver golfinhos e baleias)
Se podíamos ter ido à pesca do jantar? Podíamos, mas preferimos dar um valente mergulho nas águas do Atlântico, enquanto contemplávamos a ilha. A magia da Madeira é mesmo esta e quantos mais continentais a conhecerem, melhor. Poder sair do frio do inverno e, a menos de duas horas de voo, estar nuns agradáveis 20ºC, com temperatura da água a condizer.
A Casa Velha do Palheiro tem o seu próprio barco de pesca desportiva, que pode ser reservado tanto para esta prática (muito procurada pelos aficionados, sobretudo entre maio e outubro, época do espadim), como para passeios e observação de fauna marinha. Além da sorte dos mergulhos, ainda avistámos golfinhos e baleias. Sim, temos vídeo. Ora essa, não precisam agradecer.
Os passeios acontecem às terças-feiras e sextas-feiras, têm a duração de 2h30 (das 10h às 12h30) e o custo de 65€ por pessoa (25€ para crianças abaixo dos 12 anos, inclusive). As reservas são feitas para, no mínimo, quatro pessoas.
O que pode ser melhorado
- Chá da Tarde Casa Velha: tivemos a oportunidade de desfrutar desta experiência e não ficámos impressionados. Por 22,50€ por pessoa, seria de esperar que o chá servido não fosse de pacote, mas sim infusão de ervas secas. Mini sanduíches de pepino, um elemento indispensável no tradicional chá das cinco britânico, nem vê-las e, em vez de clotted cream para barrar nos scones, havia natas batidas. Desapontante.
- o pequeno almoço: para um hotel de cinco estrelas, a oferta era limitada e não muito atrativa. Há a opção de ovos à carta, mas o que está disponível no buffet é bastante limitado. Além de que, no local tão sereno, onde apenas se ouve o barulho dos pássaros, ter de levar com o roncar da máquina de café logo de manhã deixa qualquer um sem disposição para brincadeiras.
De acordo com simulação feita no site da Casa Velha do Palheiro para o fim de semana de 24 e 25 de fevereiro, uma reserva em quarto duplo, com pequeno almoço incluído, começa nos 314€.
* a MAGG visitou a Casa Velha do Palheiro a convite do hotel