A história do Convento das Bernardas, situado no bairro histórico da Madragoa, atravessa nada mais nada menos do que quatro séculos. Foi casa de ordens religiosas, e ficou totalmente destruído após o terramoto de 1755. Foi reconstruído e, após a extinção das ordens religiosas, no século XIX, atravessou quase dois séculos de ocupações várias. Foi escola, cinema, teatro, foi casa de gente pobre.
A sua reabilitação, ao ser tornado Imóvel de Interesse Público, no final do século XX, proporciona um renascimento deste edifício. É lá que se situa o Museu da Marioneta e foi lá que, ao longo de vários anos, morava A Travessa, um dos mais procurados restaurantes de Lisboa.
Depois da Casa Reîa, na Costa da Caparica, e do Black Trumpet, em Santos, Emil Stefkov e Sacha Gielbaum, fundadores do Reia Collective, decidiram transformar o Convento das Bernardas num restaurante onde as gastronomias portuguesa e francesa, de mãos dadas, proporcionam o mote para jantares intimistas, à luz das velas e num local singular, onde se respira história e modernidade, graças ao trabalho de design de interiores de Juliana Cavalcanti.
À frente da cozinha de No Convento está João de Oliveira, que transitou do restaurante A Travessa. O menu foi idealizado por uma equipa constituída pelo chef executivo Pedro Henrique Lima com a consultoria dos chefs franceses Alexis Gielbaum (Head Chef do Café des Alpes Gryon) e Maxime Kien (Executive Chef do The Group NYC).
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Das ostras do Sado à tarte Tatin. Comer No Convento é uma experiência (quase religiosa)
No Convento comungámos de uma refeição partilhada, muito mais opípara do que aquelas que se fariam quando o espaço albergava ordens religiosas. O ambiente, suavemente iluminado pela luz das velas, permite criar um ambiente intimista sem ser demasiado austero. Há uma elegância descontraída no espaço, um silêncio leve que nos permite desfrutar de uma refeição servida com História.
Não será um espaço obviamente romântico, mas a disposição de algumas mesas, com sofás em vez de cadeiras, permite que dois comensais, quer se estejam a conhecer, a apaixonar ou a celebrar o amor, partilham da refeição com maior proximidade física. E, numa noite de inverno, nada como estar lado a lado, de copo de vinho na mão, apenas a contemplar.
Depois de uma manteiga tão fumada que se tornou inebriante, passámos logo para as entradas. As ostras do Sado, chalota, vinagrete de cidra de maçã vermelha e maçã verde (18€) estavam amanteigadas e com o toque certo de acidez. Um clássico francês reinventado, a sopa de cebola (8€), trazia uma espuma de queijo emmental e tuile artesanal torrado, uma versão muito mais leve do que a receita original, mas igualmente saborosa, densa e plena de umami, que nos deixa a salivar por mais.
Após as entradas, e por recomendação do chef João de Oliveira, provámos um dos ex libris da carta, o bacalhau confit (36€). O fiel amigo é confitado em azeite, servido com batata Napoleon, espinafres em manteiga noisette, nabo glacê e espuma de grãos. A união perfeita entre o que é nacional e bom e a elegância gaulesa. Seguimos para um clássico francês, a coxa de pato confitada (28€) com creme defumado de cenoura, corações de alface assados, cenouras baby, molho gastrique de laranja e demi-glace de coelho (adorámos este pormenor). A carne da ave soltou-se facilmente do osso e só por vergonha não lhe metemos a mão em cima para degustar de todos os pedacinhos que restavam. Os acompanhamentos, leves e perfumados, complementaram na perfeição a intensidade do pato.
O cordeiro (32€), acompanhado com chutney de beringela e tâmara, batatas fondant e jus de cordeiro infundido com cominho, estava no ponto, rosa no seu interior. O chutney surpreendeu pela combinação de sabores agridoce. Um prato clássico e intemporal com um toque de exotismo, como uma viagem a uma outra Lisboa, onde chegavam navios carregados de especiarias e novidades de outras paragens.
A única desilusão da noite foi mesmo o ratatouille de beringela (21€), com beringelas recheadas, brioche, espargos verdes, emulsão de tomate, açafrão e tuile de parmesão. O único prato vegetariano da carta chegou com a beringela ligeiramente crua, embora os sabores estivessem bastante apurados.
O mundo divide-se em dois tipos de pessoas. As que dizem "eu adoro sobremesas!" e as que atiram, desinteressadas "eu nem sou de doces...". Nós estamos no segundo grupo, o que nos torna altamente desconfiados em relação à última parte dos menus. Mas garantimos com bastante certeza que é quase pecado sair deste convento sem provar pelo menos uma das opções.
Não há doces conventuais, mas há uma das estrelas da doçaria francesa, a tarte Tatin (9€), inventada no século XIX pelas irmãs Caroline e Stephanie Tatin e aqui aprimorada com a introdução da maçã verde, mais ácida e consistente, que combina na perfeição com o molho de caramelo salgado. O crème fraîche dá o toque final de frescura a esta sobremesa, que tem mesmo de ser comida morna para uma experiência perfeita.
Não conseguimos decidir se foi a tarte Tatin se foi o crème brûlée (9€) que mais nos cativou mas, em relação a este último, ficámos apaixonados pelo sabor quase tropical que a baunilha conferiu ao creme, equilibrado com a acidez das framboesas. Por fim, mousse de chocolate (9€), um clássico feito com chocolate amargo e aqui refrescado com casca de laranja cristalizada e texturas de praliné de pinhões. Os amantes de chocolate forte e amargo não vão ficar desiludidos. Nós não ficámos.
Veja os pratos que provámos
Fotos: Henrique Isidoro e MAGG
* a MAGG visitou No Convento a convite do restaurante