Mal estacionámos o carro (uma vénia aos estacionamentos gratuitos em alojamentos) em frente ao Selina Peniche, entre o Baleal e Ferrel, percebemos que tínhamos o outfit errado. Apesar das calças descontraídas, em vez de ténis teria sido ideal uns chinelos estilo Havaianas para entrar no espírito do hostel. Tendo em conta a localização, quem vem para este Selina tem a prancha sempre à mão, os calções de banho ou biquíni vestidos, e uns chinelos calçados, não vá o mar convidar a umas ondas.
Os nossos motivos para ir até Peniche foram outros — conhecer o novo restaurante do Selina Peniche — mas não só. Íamos também com alguma curiosidade de perceber como funciona um hostel em tempo de pandemia. É que este é um conceito focado na partilha, palavra a que ganhámos uma certa aversão desde o ano passado. E o que é facto é que raramente se partilharam outras coisas, a não ser os espaços de comuns e sempre de máscara, além de animação. É impossível não nos sentirmos um pouco mais jovens aqui, não só pelo ambiente descontraído, como pela sala de cinema com Netflix e a decoração moderna que reflete as preocupações atuais: a sustentabilidade.
Pelos corredores, as paredes são decoradas com pinturas de cores fortes e elementos feitos com lixo dos oceanos e nos quartos privados, como aquele em que ficámos, com casa de banho, o aproveitamento de materiais é mais uma vez notório assim que batemos os olhos na porta que serve de cabeceira. Por cima desta, está um quadro com uma ilustração alusiva ao mar, na falta da vista para o mesmo, e pouco mais tem o quarto de decoração minimalista.
Destacamos apenas mais dois pormenores que hoje em dia fazem toda a diferença: um tem mais uma vez que ver com sustentabilidade e diz respeito ao facto de haver dispensadores de gel de banho, champô e até amaciador (com esta não esperávamos), evitando assim os frasquinhos pequenos dos amenities que levamos para casa, mas acabam sempre na reciclagem, na melhor das hipóteses; o outro é a tomada junto à cabeceira, com entrada USB, algo que nem sempre encontramos e, neste caso, é fundamental para deixar o telemóvel pronto para no dia seguinte registar os momentos no novo restaurante (além de mostrar, já lhe contamos tudo). Parece que fica a faltar alguma coisa para tornar o quarto mais acolhedor, mas a verdade é que pouca diferença faz, porque o objetivo não é passar os dias no quarto.
Seguir a onda e aproveitar as atividades
Quem não vier para trabalhar no cowork (10€ por dia, com café grátis), equipado com um phone booth para camuflar o som de chamadas ou reuniões zoom, tem de aproveitar o que o Selina Peniche tem para oferecer. Uma das sugestões é óbvia, aulas de surf, cujos preços começam nos 40€ para uma sessão. Quem for mais experiente, pode também alugar uma das pranchas do hostel para não ir carregado com a sua (desde 25€ para três dias ou mais).
Os dias menos bons para surf, com o mar pouco agitado, são os ideais para ir até às Berlengas, um pequeno arquipélago composto por ilhas graníticas no centro de Portugal, que pode visitar através do tour do Selina Peniche (22€). Há ainda outro tour, costa e cultura, para conhecer a região (50€). Quem preferir ficar pelo hostel, só tem de ficar atento e ver quais as atividades planeadas para o dia. Naqueles em que ficámos, as manhãs começaram logo com ioga vinyasa e treino funcional às 9h.
À noite, ainda apanhámos um quiz, com um desafio adicional: a língua. Com participantes portugueses, espanhóis e de outras nacionalidades, quando o inglês de uma pergunta escapava, a resposta às vezes ia à sorte, mas com tantas rondas para jogar ninguém se importou já que ainda havia hipóteses de ganhar. Cada grupo juntou-se na sua mesa para jogar, tal como normalmente o fariam num restaurante para jantar, mais uma prova de que é seguro conviver num hostel, como acontecia noutros tempos.
Afogámos um nacho num caldo de camarão (e não nos arrependemos)
O restaurante Paco Bigotes e o Selina abriram um novo conceito gastronómico este ano: o El Chilito. O primeiro chegou ao Selina Ericeira a 5 de abril e a 4 de junho abriu o segundo no Selina Peniche. Os ritmos mexicanos instalaram-se neste hostel de espírito descontraído a condizer e o resultado foi uma carta com nachos, quesadillas, tacos e churros, acompanhados de cocktails. E vamos começar precisamente por aí.
Antes de pedir a ementa, já andávamos intrigados com uma bebida que inúmeras vezes era servida às mesas. A curiosidade não era pela cor do conteúdo, mas pelo facto de dentro do copo vir uma garrafa de cerveja Corona. Afinal, o estigma não ficou, o único problema desta bebida, e aquilo que a torna engraçada, é o facto de não sabemos como beber. Deixar a garrafa? O que acontece se tirarmos? Que figura estamos a fazer ao beber de um copo com pouco espaço para um simples gole? São várias as questões que nos passam pela cabeça, enquanto esta não é ocupada pelo efeito da tequila com que a chelarita (8,5€), assim se chama o cocktail composto por margarita clássica e cerveja Corona, é preparada.
Se há coisa de que gostamos é de sabores diferentes, por isso, além da chelarita, ainda arriscámos numa margarita picante de jalapeño (5,5€), com sabor a maracujá. E ficámos rendidos a esta combinação doce e picante, que não é apenas um toque — é mesmo daqueles de dar calores. Há outras combinações irreverentes, como a mimosita, mimosa com tequila (5€), e o jarro de sangrerita, sangria com tequila (13€).
Entretanto, para acompanhar os cocktails veio, adivinhem, mais sabores picantes da cozinha do El Chilito. Primeiro, um couvert simples, com nachos e molhos picantes de duas intensidades, e, depois, outra entrada que surpreendeu. Ainda que reticentes, aceitámos a sugestão de provar o caldo de camarão com batata, cenoura e molho picante (5€). Veio para a mesa com uma dose de nachos e tivemos de pedir instruções para perceber como comer. Não é que tínhamos de mergulhar os nachos dentro do caldo para levar os camarões à boca? Depois de passar o álcool gel e ter as mãos prontas, rápido entrámos na mecânica, de tão fácil e saboroso que estava esta mistura fresca, com um toque de lima, e mais fosse, mais comíamos. Só que ainda havia mais para provar.
Nos principais, ou petiscos, já que a comida mexicana dá para qualquer hora, decidimos aventurar-nos num taco de cacto assado. Exato. Já deu para perceber que quanto mais esquisito, mais nós gostamos, certo? Ao cacto, o nopal (6,5€), juntava ainda milho, puré de feijão e cebola xnipec, uma mistura ligeiramente picante, vegetariana e sem glutén, que dispensa rótulos, porque qualquer um, mesmo amante de carne e peixe, ficaria rendido à explosão de sabores. Para a mesa veio ainda o taco carnitas (7€), um taco tipicamente mexicano, composto por carne de porco cozida com laranja e especiarias em lume brando. Estava bem recheado, mas ainda deixou espaço para um remate final.
O que seria ir a um mexicano e não terminar a refeição com churros (4€)? Estes vieram acompanhados de cajeta, uma espécie de doce de leite à moda mexicana, que fez com que o facto de os churros estarem pouco fritos no interior passasse despercebido — e, no fim de contas, não sobrou nada.
É também no restaurante do El Chilito que é servido o pequeno-almoço (que pode ser incluído no regime de alojamento), composto por uma tábua de croissant quentinho, manteiga e doce para barrar no pão estaladiço e uma taça com iogurte, fruta e granola (6€). Descansem amantes de café, porque também está incluído no menu.
Quem preferir variar todas as manhãs ou quiser passar pelo Selina para começar o dia de forma diferente, há opções variadas na carta, desde as panquecas de banana e aveia (6,5€), passando pela tosta de abacate e ovo escalfado (6,5€), até à bowl ancestral (6€). Provámos esta última, com as cores verdes tendência (da comida saudável, não da moda), e ficámos surpreendidos com a rapidez. Afinal, um pequeno-almoço nutritivo, com banana, espinafres e até spirulina, também se faz num instante, só podia ter sido maior — ficámos mal habituados com o tamanho da tábua do primeiro pequeno-almoço.
Uma noite no Selina Peniche custa a partir de 86€ para duas pessoas.
* A MAGG ficou instalada a convite do Selina Peniche