Já ansiávamos há muito pela visita ao Vinha Boutique Hotel. O hotel de charme abriu portas em julho mas só em setembro conseguimos conciliar agendas e lá fomos nós. Já contámos aqui o quão especial é este lugar, uma antiga casa senhorial do século XVI totalmente recuperada, inserida numa quinta mesmo junto ao Douro (com cais privado e tudo), e com 30 mil metros quadrados de jardins.
Mas a experiência ao vivo é outra coisa. Do centro do Porto até Oliveira do Douro são (assim permita o trânsito) uns meros 20 minutos, mas é como se fossemos transportados para outra realidade. O silêncio, a majestosidade assim que a porta do lobby se abre e, para onde quer que olhemos, o Douro, imponente.
Antes de subirmos ao quarto, fizemos uma curta visita guiada com a simpaticíssima Sara Guerreiro, marketing and comunication manager do hotel. Enquanto os nossos olhos viajavam entre a decoração opulenta e faustosa, a fazer lembrar boudoirs e recantos privados de uma qualquer casa da alta burguesia do século XIX, Sara explica-nos que Joana Poças, a responsável pela decoração do Vinha Boutique Hotel, faz questão de ter flores frescas nas áreas comuns.
E vimo-las, em quantidade, bojudos ramos de rosas que tentam qualquer um a um pequeno furto (que não fizemos porque somos gente que sabe estar). No Bar Reserva, cujo teto está forrado a tapeçaria da Ferreira de Sá (uma das mais antigas fábricas de têxteis decorativos de Portugal), imaginávamos já importantes reuniões de negócios e o futuro do mundo decidido por senhores de bigode farfalhudo, com bojudos cachimbos pendurados no canto da boca.
Espreitámos ainda o restaurante Vinha, onde jantaríamos (já lá vamos) e, depois, a sala Terroir, que serve tanto de espaço para os pequenos-almoços como para eventos. Do exterior, vislumbrámos a piscina e passeámos pelos jardins, onde há também espaço para servir refeições, fazer piqueniques, experimentar a cozinha fogo de chão ou apenas passear. E ficámos de olho naquele caramanchão que, apostamos, é capaz de ser cenário de alguns casamentos já no próximo ano, tal é a perfeição do enquadramento.
Ficámos instalados num dos quartos temáticos do palacete (preços por noite a partir de 350€, com pequeno almoço incluído), o Manuel Canovas, nome do criador que é uma das maiores referências mundiais dos têxteis decorativos. As paredes forradas, em tons quentes, evocam a Índia do século XIX. Por onde quer que olhemos, onde quer que toquemos, tudo é opulência e conforto. E, claro, temos de falar daquela banheira, situada mesmo no centro do quarto, a convidar a um relaxante banho de espuma, quiçá acompanhado de uma flute de champanhe.
Como o tempo era escasso e queríamos desfrutar ao máximo de tudo o que pudéssemos, rumámos à piscina. Há-as infinitas com vista mar mas poucas com vista Douro. E, naquela tarde abafada de setembro, que bem nos soube repousar os braços, contemplando o rio, deixando o corpo relaxar e deixar-se embalar pela temperatura perfeita (estava mesmo perfeita) da água. Depois de um passeio ao final da tarde para contemplar, mais uma vez, o rio, estava na altura do jantar.
Consoada, versão fine dining, e o final de refeição perfeito
Não sei se a leitora (ou o leitor) costuma jantar sozinho, ou se alguma vez o fez. Não é situação que me incomode particularmente, durante a visita ao Vinha Restaurante, ainda menos. Era uma noite de segunda-feira plácida, com alguns comensais espalhados pelas mesas e, entre um copo de vinho, e os pratos que foram sendo servidos, mal tivemos tempo para pensar nisso.
E não posso deixar de elogiar a simpatia genuína da equipa de sala do Vinha. Estão a ver quando vão a um restaurante finório e os colaboradores têm aquela simpatia plástica e formal, que chega a ser incomodativa? Pense agora no oposto. Os breves momentos de conversa foram do mais prazenteiro e até divertido. Só por isso vale a pena.
Mas vamos a comidas que a fome já aperta.
À frente do restaurante Vinha está um nome de fama da região norte do país. Renato Cunha, também chef (e dono) do Ferrrugem, em Famalicão. É ele o chef executivo do Vinha Boutique Hotel e dele a autoria da carta, da qual escolhemos o menu de degustação em cinco momentos (50€), acompanhado da harmonização com quatro vinhos (25€).
Iniciámos a refeição com os snacks (tártaro de sargo, algas, citrinos e gengibre, e croquete de rabo de boi), acompanhados por um pairing inesperado: champanhe, Pierre Mignon Grand Reserve Bruit. O croquete, de crosta grossa e generosa, um contraste guloso com o tártaro fresco, onde a presença dos pedaços cremosos de abacate resultava numa combinação deliciosa.
Depois, porque a uma mesa portuguesa não pode faltar pão, uma fatia caseira, de pão feito ali no hotel, ainda morno, perfeito para mergulhar nos dois azeites: Quinta de Ceis (Douro) e Herdade da Figueirinha (Alentejo).
Seguiu-se o melão casca de carvalho com presunto pata negra bolota e seleção de folhas frescas. O prato menos bem conseguido do menu de degustação, que estava um pouco aguado e mais para o sensaborão. Depois, a sopa de peixe da Foz do Douro (robalo), com bivalves, crustáceos e hortelã, intensa e aromática.
E, agora, a estrela deste menu: o bacalhau confitado com puré de batata e colagénio de bacalhau (que confere uma consistência amanteigada à batata esmagada), com couve penca, cenoura e cebola. Estão a imaginar a consoada feita pela vossa avó num prato? É isto. Acompanhou com Quinta do Cume Reserva Douro DOC Branco 2018.
E, já que estamos em modo de temática natalícia, o cabrito com jus de cebola e gengibre, espargo e flor de sal evoca as mesmas memórias. Para quem tem medo de cabrito, não tema, porque o sabor é delicado, e emparelhado com o Quinta de Ceis Vinhas Velhas Douro DOC Tinto 2017, ainda melhor ficou.
Eu não sou de sobremesas (diz aquele tipo de pessoa que nunca diz ‘não’ a um docinho) mas esta, caros amigos, ficará para sempre na minha memória gustativa. Leite creme de manjericão (não torçam o nariz, é absolutamente delicioso). No início da refeição, o chef Renato Cunha perguntou se havia algo de que não fosse fã. Atirei logo “não sou grande entusiasta de vinhos licorosos”. Já devia ter aprendido a minha lição aquando a visita ao Emprata, onde mudei a minha opinião sobre a ginjinha. Mas a boa teimosia do chef foi superior às minhas reticências e de lá veio um moscatel que restaurou a minha fé neste tipo de vinho: o Obliti Late Harvest Douro DOC Branco 2013, produzido na Adega de Favaios.
Foi também o que acompanhou o desfecho em glória desta refeição. Marmelos em conserva (feitos pelo chef há um ano), acompanhados de raspas de queijo Gouda com 24 meses de cura. A elevar a combinação queijo e marmelada a todo um outro nível.
Depois de uma noite bem dormida, regressámos à sala Terroir, agora para o pequeno-almoço. Os básicos (pães, bolos, charcutaria, iogurtes, frutas e sumos) estão disponíveis em buffet mas o resto é pedido à la carte.
Pedimos ovos mexidos e veio a combinação mais sui generis que já experimentámos: ovos mexidos com uma compota agridoce. Não é para todos os palatos mas apreciámos.
De destacar também o biscoito da Teixeira, um tipo de pão ligeiramente doce, muito tradicional em festas e romarias na região duriense. Retemperados, lá nos despedimos do Vinha Boutique Hotel, já com vontade de voltar porque, aqui entre nós, isto é sítio que no inverno deve ter um charme daqueles que só nesta região se consegue.
O melhor
- a decoração opulenta e luxuosa;
- os jardins, sempre com o Douro como pano de fundo;
- a piscina (em particular, a temperatura perfeita da água).
A melhorar
- tentámos desfrutar da banheira, situada no quarto, mas desistimos porque a água não aquecia;
- vozes exaltadas, vindas da cozinha, audíveis na sala de jantar. Compreendemos que há dias mais complicados mas, mesmo assim…
- música chill out na área da piscina, ok. Em todas as zonas exteriores do hotel e até às 10 da noite, se calhar, não.
* A MAGG fez esta visita a convite do Vinha Boutique Hotel