Uma catarse ou uma desconstrução. Ainda que não esteja certo de como descrever o seu novo projeto, é assim que Diogo Faro aceita explicar, por telefone, à MAGG, o seu mais recente podcast que incorpora, na frase que lhe dá título, memórias de momentos menos felizes e de uma grande violência vinda "de todos os lados".

"E a Tua Passagem de Ano?", assim se chama o podcast, é o resultado de uma polémica que, como tantas outras nas redes sociais, já passou, mas deixou marcas. Ainda que seja aqui que o humorista se proponha a refletir sobre temas vários, o título remete para uma fotografia, captada durante a passagem de ano, mas publicada no início de fevereiro, numa altura em que Portugal estava novamente confinado, e na qual Diogo Faro surgia junto de um grupo de mais de dez pessoas.

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As reações foram instantâneas: aquele que, até então, criticava, ora em publicações de Instagram ou em crónicas, quem protagonizava festas ilegais, tinha, ele próprio, estado num ajuntamento ocorrido entre 31 de dezembro e 1 de janeiro.

As críticas foram subindo de tom, culminando num pedido de desculpas do próprio, que caracterizou a situação como "um ajuntamento de pessoas arriscado e desnecessário".

O seu novo podcast como um espaço de reflexão

Cerca de quatro meses depois, a polémica perdeu força, mas continua a existir. "Ainda é uma polémica e fui lendo algumas reações [aquando do anúncio, este domingo, 30 de maio, do podcast] de pessoas que diziam que agora ia gozar com o que aconteceu. Não estou a gozar com as pessoas. Fiz uma festa com 12 pessoas numa altura em que não se sabia que as coisas estariam tão horríveis como a seguir estiveram [referindo-se à evolução da pandemia em Portugal]", diz.

Apesar disso, sabe que, na internet, haverá quem o "critique para sempre". "Não fujo às críticas, como na altura não fugi: errei e assumi o erro. Toda a gente faz merda."

Recorda-se do evento como um "ataque gigante que viu pouca gente sofrer na internet", mas rejeita qualquer associação a uma suposta "cultura do cancelamento". "Não fui cancelado, nem me viram dizer isso. Não fiquei sem trabalho, continuo a escrever para o 'Expresso' e para o 'SAPO 24', a ter dinheiro para a pagar a renda e tenho a certeza de que, quando voltar aos espetáculos, continuarei a ter público. Isto, claro, desde que trabalhe e seja competente. Não posso fazer merda atrás de merda", explica.

Sobre este novo projeto, descreve um conceito "não muito diferente dos outros podcasts que andam por aí". "Queria ter um espaço através do qual pudesse falar livremente, mas que também desse menos azo a más interpretações", naquilo que o humorista descreve como um "processo de crescimento artístico" em que tenta explicar-se melhor a quem o segue.

"Oralmente, as coisas parecem-me mais leves, esteja a falar da Palestina, de identidade de género ou do que me aconteceu com uma velhota aqui à porta de casa. [É um espaço] para dar o meu ponto de vista, mas com mais calma e com um tom mais animado e simpático", refere.

Quanto ao registo, promete um podcast sem guião e com convidados esporádicos. O próximo episódio será lançado já na próxima quinta-feira, 3 de junho, e um dos temas comentados será a abordagem da PSP a duas jovens que estavam a beijar-se no jardim do Arco do Cego, em Lisboa.

"Nos primeiros dias, ir à rua era sentir toda a gente olhar para mim quando não estavam"

Do outro lado da linha, Diogo Faro soa assertivo, seguro e convicto, não desvalorizando o que aconteceu e assumindo a incoerência que lhe foi apontada em fevereiro. Mas descreve o processo que o trouxe até aqui como sendo "muito duro".

"Durante as primeiras duas semanas, foi muito duro. Não vou pormenorizar porque não quero tornar público o estado em que fiquei, mas não foi fixe. Não foi mesmo nada fixe. Naquela altura, parecia que toda a gente estava a falar de mim. Nos primeiros dias, ir à rua era sentir toda a gente olhar para mim quando não estavam, claro. Mas aquilo foi tão forte e veio de todos os lados que achava que toda a gente sabia e me estava a julgar. Não me quero vitimizar, mas os meus amigos e a minha família sabem que foi difícil."

A essa fase, seguiu-se outra: a de sair da bolha e perceber que desiludiu pessoas que gostavam do seu trabalho.

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"Tive de aceitar e lidar com isso, mas à medida que a nuvem se foi dissipando, percebi que também foi um grande ataque político. Sei bem de onde vieram as coisas, quem lançou aquilo [a fotografia] e os políticos e partidos que atiçaram as suas matilhas."

Sobre "E a Tua Passagem de Ano?", Diogo Faro admite que pode tornar-se "numa ferramenta muito útil do ponto de vista criativo", não só porque lhe permitirá desenvolver novas ideias, mas também "recuperar a confiança no trabalho", que perdeu durante a polémica.

"Nesse sentido, talvez seja uma catarse ou uma descontrução e ainda não me tenha apercebido disso porque não estou a olhar de fora para o projeto. Seja como for, será algo que, sem dúvida alguma, me fará bem. Até para que possa dizer o que penso sem ter de levar logo com uma crítica direta", como aquelas que recebe de cada vez que publica um texto nas suas redes sociais. É que aqui, pressupõe-se, as pessoas terão de ouvir.

"Aqui têm de se perder um bocadinho de tempo e, possivelmente, chegar à conclusão de que talvez não tenha dito alguma coisa de forma agressiva. Espero que, talvez, possa ser um bocadinho diferente."

Quando lhe perguntamos se considera que, no meio do humor português, ter-se-á tornado numa persona non grata após a polémica, Faro é assertivo.

"Fui muito pouco apoiado. Sei perfeitamente quais foram as pessoas que, ao verem-me no chão, optaram por dar-me mais pontapés. Sei quem ficou calado e sei quem apoiou, mas foram muito poucos os que o fizeram. Está tudo bem. Pessoalmente, não bateria num colega que já estivesse no chão, mas cada um sabe do seu trabalho e do que quer fazer da sua carreira."