Joana Rita Sousa vive a fazer perguntas e a filosofar. É assim que lhe é possível pensar no mundo e encontrar novas formas de responder às suas inquietudes.
Além de trabalhar na área da comunicação, criou, em meados de 2008, um projeto para levar a filosofia aos locais onde, geralmente, ela não está: o jardim de infância ou as escolas do primeiro ciclo. Mas assim que o mundo parou e a pandemia obrigou ao isolamento, reinvenção foi a palavra de ordem. E Joana começou a partilhar filosofia com quem quisesse pensar nela através das redes sociais.
A iniciativa chama-se #FilosofiaAoVivo e acontece todas as sextas-feiras, às 12h30, com uma duração média de 20 a 30 minutos no Instagram e no Twitter. E a ideia, explica, é que aconteça precisamente "antes ou durante a hora de almoço de algumas pessoas" para que Joana lhes possa fazer companhia. "A ideia é partir de um filósofo, de uma ideia principal ou de uma obra que tenha lido e que ache ser de referência e tentar fazer a ponte entre aquilo que o filósofo pensou e aquilo que é a nossa vida", refere.
Especialmente numa conjuntura em que, em plena pandemia, não há resposta para tanta dúvida e incerteza. Por isso, e para esta iniciativa, Joana parte sempre das perguntas que também lhe vão surgindo.
"Sempre quis que a filosofia fosse disponibilizada para todos, independentemente de quem assiste ter ou não bagagem filosófica. E nesta altura, tem sido especialmente importante mostrar a quem em ouve como é que os filósofos pensavam no confinamento. Santa Teresa D'Ávila, por exemplo, escolheu viver uma vida de recolhimento."
E embora reconheça que se tratam de contextos diferentes, já que nós fomos obrigados a isso, diz que há vários pensadores que, pela sua história ou partilha, nos conseguem dar um ponto de vista que talvez não tenhamos contemplado.
Uma das perguntas em que Joana tem vindo a pensar é, por tudo, demasiado complexas: como é que vai ser o regresso a este "novo normal"? As certezas, lá está, são escassas. Mas a filosofia ajuda a desconstruir esta noção de um normal novo.
"Aquilo que tenho ouvido sobre o novo normal geralmente começa, ou termina, com uma ideia de voltar ao que era dantes", porque existe essa noção de aceitar uma novidade desde que, depois, possamos regressar ao que nos era familiar.
Mas Joana Rita Sousa diz que essa questão pode ser um pequeno "embuste". Talvez, adianta, o necessário seja "abandonar esta ideia do novo normal e começar a pensar que a nova vida será baseada numa normalidade que vamos ter de construir todos os dias". Porque provavelmente haverá novas regras, novas informações, novas certezas. Afinal, estamos a ver "a ciência a ser feita em direto", com vários cientistas a partilhar as suas dúvidas e os seus estudos. E isso contribui para um estado de incerteza generalizado, "porque queremos respostas concretas e não as temos".
Mas o que é que isto da nova normalidade tem que ver com filosofia, afinal? Porque, recorda Joana, já Heráclito escrevia nos seus aforismos coisas como: "O sol é novo todos os dias." E essa ponte, entre o que foi pensado há vários séculos e a realidade de agora, pode ser importante para que não nos esqueçamos que, de facto, "os dias terão de ser novos todos os dias para que nos possamos reinventar diariamente e fugir ao que era a realidade de antes."
"Atualmente, o normal é ir às compras de máscara ou ver um amigo e não o abraçar. Há três ou quatro meses nada disso faria sentido porque, desde então, fomos obrigados a adotar novos hábitos."
Mas se há algum ensinamento a seguir da filosofia, é que voltar ao que era dantes não vale a pena. "É importante seguir em frente, mesmo que, como humanos que somos, queiramos sempre agarrar-nos ao que conhecemos porque isso nos dá segurança", especialmente agora em que a pandemia nos obrigou a uma vivência "muito física e real" da incerteza, em que todos os dias aprendemos a viver com o desconhecido.
Os episódios do #FilosofiaAoVivo ajudam, portanto, a pensar nesta nova forma de vida e, talvez por isso, o feedback esteja a ser positivo. Embora Joana já não esteja a trabalhar com crianças pequenas, em parte porque para isso é preciso o apoio dos pais, que estão "muito cansados", tem recebido mensagens de jovens do ensino secundário e até de professores de filosofia — que dizem querer saber mais sobre a iniciativa para, quem sabe, poder até incorporar nas suas aulas.