Luccas Neto, 29 anos, é um dos maiores youtubers brasileiros especializado na produção de conteúdo infantil atualmente no ativo. A ironia, porém, reside no facto de grande parte da sua receita mensal não vir do YouTube. A explicação é simples. "Nunca quis deixar a minha situação financeira, nem a da minha família, nas mãos de uma empresa privada", diz-nos Luccas Neto, um dos maiores fenómenos do universo digital no Brasil que também conquistou os miúdos em Portugal.

Prova disso é o facto de o espetáculo "Luccas Neto e a Escola dos Aventureiros", que ocupará o Altice Arena, em Lisboa, a 6 e 7 de novembro, já estar quase esgotado. Em Guimarães, local por onde o espetáculo vai passar, no final de novembro, já não há bilhetes.

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Apesar dos mais de 36 milhões de subscritores que o seu canal de YouTube soma, dos 12 filmes da Netflix em que participou (e escreveu) e dos mais de 150 produtos — como camisolas, brinquedos, jogos ou máscaras — a que dá a cara, Luccas Neto, irmão do também youtuber Felipe Neto, apresenta-se aos jornalistas com um relativo nervosismo que não seria identificável se o próprio não o tivesse tornado público esta quinta-feira, 4 de novembro, durante o encontro com a imprensa.

"Acreditem ou não, esta foi a primeira conferência de imprensa que dei", diz o criador de conteúdo que faz disto vida desde meados de 2018, quando decidiu deixar de fazer "vídeos de qualquer jeito" e profissionalizar-se em conteúdo infantil.

Uma empresa megalómana que envolve 50 pessoas por gravação

"A Lucas Toon [o nome do canal de YouTube da empresa de Luccas Neto] tem um episódio novo por dia. Por isso é que eu digo sempre que a gente não é mais youtuber, porque temos uma equipe de 50 pessoas gravando todos os dias nos estúdios que temos em dois prédios, de cinco andares, no Brasil", contextualiza.

E o contexto, percebemos depressa, é importante para perceber a dimensão do projeto que Luccas Neto e a sua equipa têm vindo a construir. "Para lançarmos um episódio novo hoje, precisamos de 50 pessoas no set de gravação. Um youtuber pega numa câmara e faz um vídeo na hora. Nós produzimos seis horas de material inédito por dia."

Para efeitos de comparação, é um feito que nem a Globo consegue concretizar.

Vídeos infantis e um império milionário. Luccas Neto é uma estrela no Brasil e cativa Portugal
Luccas Neto apresentou o seu espetáculo "Luccas Neto e a Escola de Aventureiros" aos jornalsitas na quinta-feira, 4 de novembro, antes de subir ao palco da Altice Arena, em Lisboa créditos: Rita Almeida/MAGG

"A rede Globo produz quatro horas de material inédito por dia e nós produzimos seis. Com a mesma qualidade e com os mesmos equipamentos. Tudo é igual", assegura. E todos os episódios que vemos no canal são escritos pelo próprio Luccas que se desdobra, assim, entre argumentista, produtor, ator, empresário e estratega da empresa.

O conteúdo, tal como o descreve, é familiar no sentido de ser pensado para os mais novos, "mas também para o pai e para a mãe assistirem junto com as crianças".

"Não fica uma coisa só de criança porque o pai e a mãe também se divertem. Na madrugada de ontem escrevi um episódio em que o Daniel [uma personagem do universo da Lucas Toon] tinha de se declarar para a Camila e quando ele começa a se apresentar na frente de todo o mundo, fala: 'Mamãe, querida, meu coração por ti bate como caroço de abacate'. É uma referência nossa que diverte a criança e os pais."

A grande diferença entre este conteúdo e outros que possam surgir ou tenham sido ultrapassados pela popularidade crescente de Luccas Neto e da sua Luccas Toon, é a atenção ao detalhe e a responsabilidade que daí advém.

"Quando comecei na internet, comecei fazendo vídeo de um jeito qualquer. Sou de uma época em que todo o mundo que fazia vídeo para a internet dizia que não era dever dos youtubers educar as crianças e esse argumento servia de desculpa para fazer qualquer coisa."

Mas Luccas, sem surpresa, nunca subscreveu esta visão.

Qualquer vídeo da Lucas Toon é aprovado por psicólogos infantis

"Se a gente tem o poder de ajudar a educar as crianças, isso devia ser uma causa social como dizer para não matar, não roubar e não furtar. Sempre tive isso na cabeça", referindo-se à vontade de "fazer algo que eduque e seja entretenimento".

"Esse foi o grande objetivo da empresa desde a sua fundação. Porque vi que não podia ser só um youtuber. Tinha de ter uma empresa e isso implicava responsabilidades."

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É aqui que a Luccas Toon se diferencia do que há no mercado. Embora Luccas Neto seja a figura que dá a cara, por detrás de si estão centenas de outras pessoas que, diariamente, se asseguram de que os limites não são ultrapassados.

"Tem psicólogo infantil, pedagogo e uma equipa bem montada. Sempre que escrevo um roteiro, o texto vai para o psicólogo analisar e aprovar", explica-nos. Se não aprovar? O documento volta para trás para ser alterado. Depois de modificado, é novamente submetido a aprovação e só depois disso pode ser gravado.

É esse cuidado, diz-nos o criador de conteúdo, que "contribuiu para o sucesso" da empresa. "A gente conseguiu, de facto, entrar no seio das famílias, coisa que não conseguia antes [de 2018, quando Luccas ainda não tinha fundado a Luccas Toon] porque fazia vídeos de qualquer jeito. E aí as mães e os pais, aqueles que acompanham o que seus filhos assistem na internet, não queriam o nosso conteúdo", refere.

O seu objetivo sempre foi educar, termo que Luccas Neto referiu várias vezes durante a conferência de imprensa que aconteceu esta quinta-feira, 4 de novembro, em Lisboa.

Os vídeos das Lucas Toon, no entanto, contêm publicidade, quer através da colocação de produtos ou de referências promocionais, mesmo que subtis. Numa empresa pautada pela atenção ao detalhe, nem isso escapou, com o criador de conteúdos a revelar-nos que só esse detalhe implicou o investimento "de milhares de reais" para conseguir criar um manual de publicidade — uma espécie de livro de regras que contou com a colaboração ativa de um "enorme escritório" de advogados.

Quando estão milhares de reais em risco, e Luccas Neto nunca entra em pormenores monetários, não há margem para falhar.

A publicidade nos vídeos de Luccas Neto existe, mas baseia-se num manual que é seguido à risca

"Sentámos na mesa com vários advogados para conseguir montar esse manual. Tudo o que a gente for fazer em termos publicitários, tem de passar por esse documento que é obrigatório ser seguido à risca. No Brasil, há uma zona cinzenta que faz com que muitas pessoas não saibam como trabalhar porque, de facto, não existe uma lei que proíba mas também não há uma aprovação certa [sobre a apresentação de conteúdo patrocinado aos mais novos], mas existem punições."

É com o objetivo de fugir dessas punições que o manual foi criado. Isso implica que, por exemplo, todos os vídeos da Lucas Toon têm a faixa etária para que se dirigem visível, e a indicação de publicidade surge como uma sugestão — sempre devidamente identificada na descrição dos vídeos — e nunca de forma abusiva ou intrusiva.

"Foi um manual feito com base na jurisprudência, obviamente, mas também com base nos conselhos que ouvimos no Brasil. Não temos problemas com publicidade justamente por causa desse documento", garante-nos.

luccas neto
O youtuber e empresário descreve o seu espetáculo como repelto de "fantasia" e "lições" para as crianças créditos: Rita Almeida/MAGG

Quando lhe perguntamos se isso faz do seu conteúdo melhor do que aquele que existe no mercado, Luccas Neto contextualiza com a nova norma que rege os conteúdos publicados no YouTube e que entrou em vigor no início de novembro.

É que agora, recorda, o "YouTube está, pela primeira vez, a dizer o que é um conteúdo de baixa e alta qualidade". Isso agrada-lhe já que, nas suas palavras, "a concorrência é um pouco desleal para quem tem uma empresa". Afinal, qualquer pessoa pode pegar num telemóvel, gravar um conteúdo e, em menos de nada, vê-lo a ser distribuído no mundo inteiro.

"E sem ser responsabilizado" na eventualidade de ser caso disso, diz.

"O YouTube decidiu acabar com isso de uma vez por todas. Eles identificaram tópicos que consideram ser indicativos do que é um conteúdo de alta qualidade. São eles o facto de educar, de influenciar para o bem, de mostrar problemas do dia a dia e de mostrar como os resolver", enumera.

Já os de baixa qualidade são o total oposto. "O incentivo ao consumo excessivo, fotografias de vídeo demasiado chamativas e com exagero, palavrão... Quem tiver conteúdo de baixa qualidade, perde a monetização dos vídeos [no fundo, deixa de haver publicidade nos vídeos] ou vê o canal ser apagado. Isso é música para os nossos ouvidos."

É que Luccas Neto, como já disse em inúmeras entrevistas que concedeu aos vários órgãos de comunicação social no Brasil, profissionalizou-se na produção de conteúdo infantil. Essa profissionalização, dúvidas houvesse, passa pela atenção à publicidade, pela avaliação do conteúdo por psicólogos e, no fundo, "por fazer um trabalho sério" que faz com que a Luccas Toon corresponda a todos os tópicos exigidos pelo YouTube para que os vídeos do canal sejam considerados conteúdo de alta qualidade, garante.

"Esta nova norma entrou em vigor no início de novembro, mas a gente já fazia isto antes."

"Quando comecei no YouTube, percebi que eu dava muito dinheiro, mas não podia deixar a minha situação financeira, e a da minha família, nas mãos de uma plataforma privada como o YouTube, porque a qualquer momento o YouTube podia acabar, ou o meu canal podia fechar, e aí acabava a minha vida. Trabalhámos sempre em oferecer conteúdo de qualidade e numa ótica de expansão de negócio".

E expansão é coisa que o criador de conteúdos conhece bem.

Afinal, a sua empresa trabalha as áreas de tecnologia, agenciamento, merchandising (com mais de 15 milhões de produtos vendidos) e produção de filmes. Tanto o é que o canal de YouTube, para o qual cada vídeo implica o envolvimento de dezenas de pessoas, "corresponde apenas a 15% da receita total da empresa".

"Quando falei para a minha avó que eu tinha show em Portugal, ela chorou"

O negócio corre bem, portanto, e talvez nesta conversa Luccas Neto tenha identificado, ponto por ponto, como nasceu este fenómeno em torno da sua figura.

Os espectáculos "Luccas Neto e a Escola dos Aventureiros", que trazem a boa disposição, a magia e a diversão do YouTube para os palcos em forma de musical, esgotam no Brasil e, em Portugal, a primeira vez em que acontecem por cá, a tendência também parece ser essa.

Sobre as datas marcadas para Portugal, garante que o público pode esperar "um show mágico, lúdico e cheio de fantasia". "É um espectáculo que eu próprio escrevi, mas que conta com uma grande equipa por detrás. Tem muitas lições importantes para as crianças e é um show em que mãe e pai saem apaixonados, enquanto as crianças saem felizes por se terem divertido e participado. Tem muita magia e muita fantasia", descreve-nos.

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Ainda que esta seja a primeira vez que o seu espetáculo passa por Portugal, Luccas Neto garante que sempre "foi um objetivo", até porque a sua família, nomeadamente a mãe e a avó, são portuguesas. "A minha família é daqui por isso sempre quis ter essa ligação. E essa ligação aconteceu naturalmente e não foi nada planeada", diz.

"Quando falei para a minha avó que eu tinha show em Portugal, ela chorou porque cresceu aqui. É um honra, mas também uma conquista pessoal poder falar para a minha família que tenho um show no País em que elas nasceram", conclui.

"Luccas Neto e a Escola dos Aventureiros" vai subir ao palco do Altice Arena, em Lisboa, a 6 de novembro (às 18h30) e a 7 de novembro (às 15 horas e, mais tarde, às 18h30). Os bilhetes estão em risco de esgotar e podem ser comprados através da BlueTicket. Estão disponíveis a partir de 20€.

Depois disso, o espetáculo vai passar pelo Multiusos Guimarães a 19 de novembro (às 19h30) e a 20 de novembro (às 11 horas e às 17 horas). Os bilhetes já estão esgotados.