11 de fevereiro, 2019. A HBO, a casa de produções de culto como “The Wire”, “Os Sopranos” ou “Sete Palmos de Terra”, acabava de chegar a Portugal e o entusiasmo dos fãs de televisão, categoria na qual me incluo, era elevado. Pela primeira vez, seria possível ver, de forma legal, algumas das séries que ajudaram a criar aquela que viria a ser conhecida como a era dourada da televisão. E o melhor de tudo é que o lançamento da HBO foi feito na altura perfeita já que, dois meses depois, estreava-se a nova e última temporada de “A Guerra dos Tronos” — um fenómeno mundial como a televisão não via há muito tempo.

Teoricamente, estavam reunidas todas as condições para que o serviço correspondesse às expectativas dos utilizadores. Mais de um ano depois, sabemos que não foi exatamente isso o que aconteceu. Mas recuemos até à data da apresentação da plataforma à imprensa em Portugal.

Estive lá. E uma das garantias dada pela HBO aos jornalistas foi que os novos episódios de “A Guerra dos Tronos” seriam transmitidos em simultâneo com os Estados Unidos, ou seja, às duas horas da manhã de domingo para segunda-feira. Quem esteve atento, porém, sabe que isso nunca, ou quase nunca, aconteceu.

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Houve duas ocasiões, numa temporada com apenas seis capítulos, em que os episódios foram postos na plataforma da HBO cerca de dois ou três minutos após a hora prevista. Parece pouco, certo? Mas a verdade é que enquanto a plataforma oficial atrasava a estreia da sua série-bandeira, uma que gerava multidões e milhões de euros em merchandising, já o SyFy estava a transmitir um novo episódio à hora marcada. Sem falhas e em simultâneo com os EUA. Os restantes episódios, incluindo a estreia absoluta da temporada, aconteceu sempre com atrasos de muito tempo. O problema, percebeu-se depois, não seria exclusivo de “A Guerra dos Tronos”. 

A 16 de dezembro, estreava-se o último de “Watchmen”. Ainda que não tenha sido capaz, nem de perto, de alcançar os números de audiência de “A Guerra dos Tronos”, era a grande série de destaque da plataforma que juntava não só um grande elenco (com nomes como Regina King e Jeremy Irons), como o criador Damon Lindelof (responsável por “Perdidos” e “The Leftovers”) na adaptação do universo de um dos livros de banda desenhada mais importantes do meio. 

E enquanto os oito episódios foram lançados à hora prevista e em simultâneo com a estreia nos EUA, às duas horas da manhã em Portugal, o nono, e último da temporada, sofreu um atraso de mais de oito horas. 

Às 7h46, o último episódio da série já surgia listado no separador “Continuar a ver”, mas não podia ser acedido através da página da série, problema que era comum tanto à aplicação móvel como ao site oficial. Pior: os utilizadores que usassem o serviço da HBO exclusivamente via TV Box da Vodafone só puderam ver o episódio depois das 19 horas. Na altura, a MAGG contactou a HBO Portugal que reconheceu que, de facto, tinha havido um atraso, sem adiantar o que o tinha causado.

Mas não se fica por aqui. As emissões do talk show “Last Week Tonight”, com John Oliver, continuam a não ser publicadas às horas a que são transmitidas originalmente. “Talvez esse atraso se deva ao facto de o programa ser gravado ao vivo”, poderá estar a pensar desse lado. Mas não é.

Os episódios são previamente gravados, o que significa que, após a emissão, surgem sempre primeiro em plataformas piratas depois de serem transmitidos noutros serviços de streaming, como a Hulu, que não estão disponíveis em Portugal. No entanto, bem sei, este é um fator que interessa pouco ao utilizador comum. Aqueles que ficam acordados até de madrugada na esperança de ver estreias em simultâneo com os EUA são uma minoria. Mas para que o combate à pirataria seja eficaz, é fundamental que as questões horárias sejam resolvidas.

E há, de facto, episódios que são lançados à mesma hora do que nos canais originais. Mas os problemas não se limitam a questões editoriais e horárias. Vamos falar de qualidade de imagem ou, melhor dizendo, da falta dela?

Testámos a HBO Portugal — e queremos saber o que é que se passa com a imagem
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Estamos em 2020, numa altura em que a concorrência já suporta resolução 4K e HDR. No entanto, a HBO fixou os seus conteúdos a uma resolução instável de 720p. Conversa muito técnica à parte, isto é o que precisa de saber: a qualidade de imagem dos conteúdos não é boa. E na altura em que o serviço foi lançado em Portugal, a MAGG escreveu um artigo a referir exatamente o mesmo.

“De repente, o choque. A imagem não estava coberta de pixels, mas também não estava boa. Na verdade, parecia-me tão fraca que tirei os óculos para os limpar, achando que podiam estar sujos ou embaciados. Não, não é dos meus óculos. É mesmo da qualidade da imagem. Eu sei que estou a usufruir de um pacote gratuito, mas é suposto isto ser assim?”, lê-se no texto original.

E continua: “Recordo-me perfeitamente da primeira vez que abri a Netflix, e da qualidade bem simpática que inundou o meu ecrã. Não sei se ainda estamos em fase de testes, é provável que sim. E de certeza que vai acabar por melhorar. Ainda assim, nota negativa para a qualidade da imagem: as primeiras impressões são importantes e, neste campo, foi uma desilusão. É caso para dizer: ‘Mas ninguém reparou nisto?’”. 

Aparentemente, não. É que mais de um ano depois, continua a existir arrastamento de imagem em todas as plataformas em que o serviço está disponível: iOS, Android, Apple TV, Smart TV ou Chromecast. Se está à espera de encontrar a mesma nitidez na HBO que encontra na Netflix, não vai encontrar. E não há qualquer justificação para que isso aconteça.

Mas no que toca à usabilidade geral do serviço, a experiência continua a ser negativa. Não há um único dia em que não seja obrigado a forçar o encerramento da aplicação da HBO Portugal na Apple TV, em iOS ou na minha Smart TV da LG. Os motivos são vários: pode acontecer o separador “Continuar a ver” simplesmente não aparecer; a app pode recusar-se a abrir; ou porque o histórico de visualização foi, de forma inexplicável, removido da aplicação como se nenhum utilizador a usasse.

O motor de pesquisa do serviço é, à falta de melhor termo, insuficiente. “Oz”, que é uma das séries mais importantes da HBO, não pode ser pesquisada porque o sistema requere que o utilizador introduza um mínimo de três caracteres. Quando “Fosse/Verdon”, uma série da FX, foi introduzida no catálogo do serviço, o sistema não reconhecia se o utilizador pesquisasse por ela sem incluir a barra (“/“) a separar as duas palavras. Publiquei esse mesmo detalhe na minha página de Facebook a 4 de fevereiro.

Mas temos o resto: a impossibilidade de não se poder saltar o genérico de uma série; o facto de as legendas se desativarem automaticamente mesmo que, no episódio anterior, estivessem ativas; a fraca legendagem para língua portuguesa; a perda progressiva de qualidade de imagem durante o streaming, mesmo ligado a uma rede fibra; a inexistência de perfis de utilizador para contas partilhadas, a falta de trailers; a lentidão da navegação entre menus; e até mesmo a perda de todo o histórico de visualização na conta.

Já passei por todos estes problemas. Já aconteceu fazer uso do download de episódios para ver offline durante uma viagem de avião e perceber que, já no ar, os episódios não reproduziam mesmo que a HBO Portugal os identificasse como descarregados para o equipamento. E todos estes problemas aconteceram-me em pelo menos três plataformas diferentes: aplicação para iOS, aplicação para Apple TV, no browser e na minha Smart TV LG.

E o que dizer de quando, a ver "Gomorra", a última fala de cada episódio surgia sempre sem legenda? A série é totalmente falada no dialeto de Nápoles, mas mesmo que fosse falada em inglês, uma língua que me permitira perceber o que tinha sido dito pelas personagens, isso não tornaria o problema mais tolerável. Se o cliente paga 4,99€ mensais, é para ter acesso ao serviço completo. Sem o mínimo de falhas possíveis.

Se há pontos positivos da HBO Portugal? Claro que sim. Especificamente o preço (4,99€ mensais) e a qualidade do catálogo que, acredito, é o grande fator de fidelização. Desde séries de drama a comédia, há muitos clássicos que, por serem exclusivos à HBO, não podem ser vistos, de forma legal e imediata, noutras plataformas.

Foram essas, aliás, as respostas mais consensuais quando, este domingo, 14 de junho, perguntei, na minha conta de Twitter, aos vários utilizadores da plataforma, quais eram os pontos positivos que os faziam não desistir da mensalidade da HBO.

Estas foram algumas das respostas. 

— “Conteúdo e preço. Não me importava de pagar mais se o serviço estivesse ao nível da Netflix. Nem era preciso tanto. Bastava estar ao nível da RTP Play.”;

— “É o serviço que tem as melhores séries”;

— “Estar incluído na promoção da Vodafone e, durante 24 meses, não ter um custo associado.”;

— “Melhor curadoria, um preço adequado e o facto de o lançamento das séries ser em formato semanal.”;

— “Grande qualidade de séries e documentários originais da HBO. Bem como o preço.”

E se houve consenso quantos aos pontos positivos — o catálogo e o preço do serviço —, os negativos foram vários. Deixo alguns exemplos dos problemas sentidos pelos vários utilizadores que responderam à minha publicação no Twitter.

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— “Os episódios perdem qualidade a meio do visionamento, mesmo quando a ligação à internet continua forte e sem outra utilização. A nível editorial, ‘Last Week Tonight’ continua a não ser publicado à hora a que passa lá. Aparece sempre primeiro em sites piratas do que na HBO. Fora os outros atrasos.”;

— “Uso a aplicação da HBO com Chromecast e raramente o separador ‘Continuar a ver’ retoma onde deixei o episódio ou filme. A app bloqueia várias vezes.”;

— “Na TV Box da Vodafone e na Apple TV sou obrigado a reiniciar a app várias vezes porque bloqueou. Também já esqueceu o meu log-in e não tem botão para saltar o genérico.”;

— “Não tem trailers, não aparece uma miniatura de imagem quando se avança ou se recua no tempo de um conteúdo.”;

— “Não memoriza os episódios já vistos. Outras vezes, quando abrimos uma série nova, começa logo no primeiro episódio da última temporada.”;

— “Má legendagem, muitas vezes porque as traduções são literais.”;

— “A experiência geral é má: ora me começa uma série nova com legendas, ora me obriga a ir escolhê-las.”;

— “Os conteúdos são de difícil pesquisa e já aconteceu os conteúdos que marquei como favoritos serem apagados.”;

  “Não dá para renovar a subscrição através da app para iOS.”;

— “Qualidade dos conteúdos limitada a 720 e Full HD e, por vezes, os novos episódios não aparecem automaticamente na minha lista.”;

— “Não tem app para Windows 10 e outras Smart TV.”;

Como utilizador do serviço desde o primeiro dia em que chegou a Portugal, revejo-me em quase todos os problemas descritos pelos utilizadores que responderam ao meu tweet. Pelo menos no que toca às aplicações para iOS e Apple TV, as atualizações foram poucas e os problemas que existiam há mais de um ano, continuam a manifestar-se regularmente e a amontoar a outros que vão surgindo.

Contactada pela MAGG, a HBO Portugal optou por não fazer quaisquer comentários relativamente às queixas dos utilizadores. Quanto ao facto de o serviço continuar com os mesmos erros desde o arranque do serviço no País (lentidão na navegação entre menus, baixa qualidade de imagem, má otimização das aplicações e um motor de pesquisa fraco, por exemplo), a HBO Portugal também escolheu não comentar.

Os problemas continuam os mesmos, repito, assim como a mensalidade. A ideia que passa ao utilizador comum é que, apesar da boa comunicação da plataforma em Portugal, aparenta não haver um suporte técnico ativo capaz de ir eliminando alguns dos erros mais comuns que acabam por fazer a diferença — como a lentidão, a eliminação aleatória do histórico de visualização, entre outras.

É pena.