Olhando para 2020 em jeito de retrospetiva, são várias as séries de televisão que merecem destaque ora pela sua qualidade técnica, ou porque, não sendo especialmente surpreendente, conseguiram capitalizar em alguma coisa e despertar no espectador um sentimento de identificação. A pensar nisso, a redação da MAGG juntou-se para eleger aquelas que, para cada um dos jornalistas, foi a melhor série do ano.

Esta análise não teve em consideração audiências, prémios anteriores ou uma qualquer influência da crítica internacional. O processo de escolha foi simples: cada jornalista pensou na série que mais mexeu consigo neste ano atípico e escreveu um pequeno texto a justificar a sua escolha.

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Também por isso, a lista é muito variada, em estilo e género de série, ao contar com nomes como "Cobra Kai", "Ted Lasso", "Valéria" ou até a portuguesa "A Generala".

De "A Generala" a "Unorthodox", mostramos-lhe aquelas que foram as melhores séries do ano para a redação da MAGG.

Ok, tecnicamente "Cobra Kai" não é uma série de 2020. As duas primeiras temporadas foram originalmente lançadas no Youtube Red, mas só chegaram à Netflix em 2020, quando a plataforma de streaming adquiriu os direitos deste spin-off da saga "Karate Kid". Mesmo a meio da pandemia, era isto que eu precisava.

Nostalgia, conforto e a certeza de que o bonzinho Daniel LaRusso não era assim tão bonzinho. "Cobra Kai" não é uma série excelente, mas é a melhor série que poderia ter visto em 2020. Ver no ecrã Johnny e Daniel (interpretados por William Zabka e Ralph Macchio) agora homens de meia idade, a dar pontapés como se tivessem outra vez 18 anos e, ao mesmo tempo, a serem atores ridiculamente medianos e a roçar o sofrível, foi uma alegria para a alma.

Para finalizar, os valores preconizados por "Cobra Kai" são um antídoto para 2020: união, amizade, espírito de grupo e vontade de superação. A terceira temporada chega já a 1 de janeiro e vou fazer binge watch como se não houvesse amanhã. Wax in, wax off!

Na minha lista de melhores séries do ano, publicada na MAGG, escrevi que "Better Call Saul" era a melhor série de televisão atualmente em emissão, mesmo que continuasse a ser ignorada nos prémios. No entanto, e porque para que seja entendida é preciso que se tenha visto "Breaking Bad" antes, nesta lista fico-me por "Ted Lasso" — um dos originais da Apple TV+.

A explicação é simples: num mundo pandémico e completamente virado do avesso, "Ted Lasso" reforça a mensagem de que tudo vai ficar bem. Tentar discutir se essa tese é verdadeira ou não, é ignorar a mensagem principal da história. Para Ted, personagem principal, está sempre tudo bem. Mesmo quando, não sendo treinador de futebol, é contratado para dirigir uma equipa inglesa; quando a mulher decide terminar o casamento; e, principalmente, quando tudo à sua volta parece desmoronar.

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A haver um ranking de séries fofinhas do ano, esta estaria em primeiro lugar porque esta tem amor, empatia, humanidade, união e bondade. Tudo aquilo que parece ter ido pela janela logo em março, quando se dizia que a pandemia nos poderia tornar pessoas melhores. Numa ficção cada vez mais repleta de personagens sem escrúpulos, "Ted Lasso" ganha pontos por ser o reflexo de uma humanidade que nunca conseguiremos reproduzir na vida real.

Ora aqui está uma série que nos dá um valente murro no estômago. Assistir à história escrita, realizada e interpretada pela linda e brilhante Michaela Coel (que se baseou em acontecimentos da sua vida) não é divertido, não serve para passar o tempo, não funciona como um leve escape à realidade. É exatamente o oposto.

A história da personagem principal da série é igual à sua e à de tantas e tantas outras mulheres: Arabella é uma millennial, que ganha a vida a escrever. Divertida e leve, faz uma pausa da sua prosa e decide juntar-se aos amigos numa saída à noite só para beber um copo — com planos de, a seguir, regressar ao trabalho. Só que alguma coisa acontece e o seu estado de consciência muda radicalmente. No dia seguinte, sentada à frente do computador, não sabe como chegou ali. Com a memória seriamente afetada, apenas tem flashbacks da noite anterior. Lembra-se de muito pouco. Mas tem a certeza: foi vítima de violação. 

A história é autobiográfica: aos 24 anos, Coel foi vítima de um crime sexual quando estava na fase de pré-produção da série "Chewing Gum": “Eu estava a trabalhar durante a noite nos escritórios da empresa. Tinha de entregar um episódio às 7 horas. Fiz uma pausa e bebi com um bom amigo que estava por perto. Só muitas horas depois é que emergi na escrita da segunda temporada. Tive um flashback. Acontece que fui abusada sexualmente por estranhos. As primeiras pessoas para quem chamei depois da polícia, antes da minha própria família, foram os produtores", revelou a realizadora, escritora e atriz  no Edinburgh Festival Fringe, em 2018. 

Os factos são muito semelhantes. "I May Destroy You" é sobre isto: crimes sexuais, as consequências psicológicas nas vítimas, o processo médico e judicial que precede uma queixa — e, consequentemente, as falhas graves do sistema, o esforço insuficiente dedicado à resolução destes casos, sintomático da sua absoluta normalização.  Um dado importante: aqui não se fala só no feminino. "I May Destroy You" mostra-nos ainda o absoluto descrédito em torno do crime sexual que vitimiza homens.

Vi uma ou duas pessoas que tenho em conta a falar da série e lancei-me em pleno confinamento. Devorei-a em pouco mais de um dia, e teria sido bem menos não fossem as duas crianças cá de casa.

Chocou me a forma como uma comunidade tão fechada tem tanto poder sobre a vida de um comum cidadão, ao ponto de as mulheres casadas serem obrigadas a esconder o seu próprio cabelo; a terem de deixar os filhos para trás se querem ter uma vida que não seja controlada ao segundo.

Chocou me ainda mais saber que se tratava de uma história verdadeira, embora com uma ou outra alteração criativa. Adorei a forma como a história foi contada, crua, mas sem excessos de dramatismos para apelar a lágrima. Lágrimas essas que caíram com bastante facilidade quando Esty finalmente se liberta e canta todos os seus sentimos.

Interpretações fantásticas de jovens atores e uma série que fica na memória.

Sabe aquelas séries que vamos vendo devagarinho e em que não há pressa para descobrir o desfecho final? Pois, não é o caso de "Ratched". A série norte-americana com oito episódios é viciante e intrigante, não só pelo facto de a enfermeira Mildred Ratched ser misteriosa, mas também porque, a certa altura, ficamos do lado dos vilões.

Tudo isto culmina numa reflexão mais profunda sobre a saúde mental e sobre a homossexualidade nos anos 40. Ah, e a série não termina ao oitavo episódio. Para quem não viu, depois de "Ratched" terá de assistir ao clássico "Voando sobre um Ninho de Cucos”, filme em que se baseou a produção da Netflix.

"Valéria" pode facilmente remeter-nos para a famosa série "O Sexo e a Cidade", mas a verdade é que é uma produção espanhola que nos faz viver as desventuras sexuais de quatro amigas — não em Nova Iorque, mas sim em Madrid. Valéria, a protagonista, é igual a tantos nós: uma jovem que procura realizar os seus objetivos numa capital europeia.
Mas o que pretende conquistar, escrever um livro de sucesso, pode ser um caminho cheio de obstáculos. Mais ainda quando esse caminho interfere na vida amorosa e a leva para dentro de um triângulo amoroso.
Quando finalmente consegue alcançar o que pretende, Valéria acaba por não chegar lá da melhor forma ou não ter o reconhecimento que esperava. Vale-lhe o apoio de Lola, Nerea e Carmén, as amigas de toda a vida.
A série portuguesa leva-nos a perceber o que é que uma pessoa passa quando sente que vive aprisionada num corpo que não lhe pertence. São temas que precisam de ser abordados, e creio que a série veio despertar muitas pessoas para isso. A relação com a mãe relata na perfeição o que infelizmente se vive em muitas casas que acaba por ditar o futuro de muitas crianças.

Além da história, os atores são excelentes, o que ajuda a reforçar, junto do público, o seu talento.