De acordo com os dados tornados públicos pelas plataformas online de streaming de filmes e séries nas últimas semanas houve um acréscimo de procura de documentários e filmes relacionados com o tema da pandemia. Dias depois de a COVID-19 ter sido declarada como pandemia, um documentário da Netflix, "Pandemic: Como Prevenir uma Epidemia", uma série documental que retrata a luta contra o vírus da gripe e esforços para impedir a próxima pandemia global, subiu para o topo de todos os países. Porquê? Porque, especialmente nos dias de hoje, a dúvida, a incerteza e o medo são sensações que estão à flor da pele. Principalmente o medo do que não se vê e do que não se controla, como é o caso da COVID-19.
Patrícia Marques, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, tem uma explicação. "Este aumento pode estar relacionado com diversas questões ligadas à forma como estamos a lidar com a situação e como nos queremos preparar. A ansiedade que todos em sociedade estamos a experienciar é única nos tempos modernos. Não temos qualquer referência ou experiência anterior na nossa era que nos permita conseguir antecipar que consequências a pandemia irá trazer no nosso futuro."
Tal como Dina Guerreiro, psicóloga clínica da Clínica da AutoEstima, começa por dizer, uma das características do ser humano é a necessidade de sentir controlo sobre tudo o que nos rodeia. "A sensação de controlo é aquilo que nos protege, mesmo que ilusoriamente, das nossas vulnerabilidades."
Por isso, neste momento, muitas pessoas têm a necessidade de ver documentários e séries acerca de pandemias e situações similares àquela que todos vivemos hoje na tentativa "de recuperar o conhecimento, a sensação de controlo sobre o que se vive hoje."
Também Patrícia diz que a imprevisibilidade que a pandemia nos traz "causa medo", porque não temos controlo nem sabemos o que esperar. "E é por esse motivo que há pessoas que sentem uma maior curiosidade e necessidade de assistir a este tipo de filmes, porque retratam uma realidade semelhante à que estamos a viver e vão à procura de respostas e de uma previsão de futuro."
De acordo com Patrícia Marques, há características de personalidade que poderão ser comuns em quem procura este tipo de conteúdo, "nomeadamente, pessoas que tenham uma maior necessidade de controlo das situações e que por isso procurem antecipar o seu futuro." Estas pessoas lidam de forma mais negativa com toda a imprevisibilidade da pandemia e podem querer procurar mais informação, e entre toda a informação, também têm a ficção.
"Ao mesmo tempo que existe esta necessidade no ser humano, por outro lado, existe a consciência dos danos que esta necessidade de controlo nos pode trazer, aumentando a consciência de que estamos perante uma situação que impõe valores maiores do que o controlo. Impõe a necessidade de reconhecermos as nossas vulnerabilidades e os nossos medos por forma a manter a saúde mental e a serenidade neste momento", acrescenta Dina Guerreiro. Por essa razão, muitas pessoas estão a tentar focar-se no seu dia a dia, aproveitando para fazer coisas que antes não conseguiam, e se afastem desse tipos de documentários e séries. Patrícia vai ao encontro desta ideia, ao dizer que a ansiedade e o medo neste momento são tão intensos "mas normais face às circunstâncias", e acrescenta que "o facto de serem constantemente inundados com o tema faz com que tenham necessidade e vontade de se desfocar da situação, e poderão não querer assistir a uma realidade, que embora ficcional, pode potenciar os seus medos e angústia. "
É normal que pessoas com maior necessidade de controlo sejam aquelas que mais podem estar a sentir-se ansiosas, perdidas e assustadas com o que estamos a viver. Esta é a primeira vez na era moderna que a população mundial está a viver uma situação de isolamento social com estas proporções. "Por exemplo, quando se termina um relacionamento há uma tendência de se procurar assistir a informação, séries, documentários, sobre essa temática. Quando alguém vive uma rejeição, uma traição, etc, há a tendência em procurar dar sentido, em compreender o porquê e de que forma outras pessoas geriram e vivenciaram aquilo que se sente no presente momento", justifica Dina Guerreiro.
Acrescentado a essa ideia, a psicóloga Patrícia Marques diz que geralmente os filmes têm um final feliz, que pode trazer uma sensação de alívio e de segurança a quem assiste. "Porém, temos de ter consciência de que os filmes são ficção, não são representações reais da realidade. Há um exagero do trágico, a linha do tempo não corresponde ao que vivenciamos na realidade e frequentemente assistimos ao pior cenário possível, o que poderá suscitar um medo e pânico desproporcionais face ao aqui e agora, o que consequentemente pode levar a uma maior desorganização emocional. "