É provável que ao chegar aos restaurantes Feitoria, Prado ou Alma não tenha resistido à tentação de virar o prato, com o objetivo de perceber de onde é que vem aquela espécie de obra de arte que senta a refeição. Na ausência de qualquer indício, a curiosidade faz perder a vergonha. “De onde é que são estas peças?”, pergunta a um colaborador. Calculamos que possa ter sido assim, porque também nós já nos vimos nessa situação.
Hoje sabemos que as peças que emolduram a oferta gastronómica de chefs e restaurantes portugueses premiados com estrelas Michelin serão, muito provavelmente, criação de Gabi Neves e de Alex Heil. A dupla forma o Studioneves, o atelier de cerâmica artesanal que tem uma carteira de clientes que conta já com 35 reputados restaurantes portugueses (criada no espaço de um ano, mas já lá vamos), que lhes encomendam peças únicas e exclusivas, sempre feitas à medida e com recurso a técnicas que lhes atribuem um carácter absolutamente singular.
Pela primeira vez, e porque a pandemia lhes deu tempo, criaram a Studioneves Casa, uma linha doméstica, pensada para quem sempre apreciou a beleza das peças em cerâmica, à venda numa loja pop-on online, desde segunda-feira, 13 de julho.
No processo de criação da nova linha, o primeiro passo foi identificar as necessidades específicas de elementos que servem o pequeno-almoço, almoço, lanche ou jantares do dia a dia, num universo mais pessoal. Assim, concluiu-se que havia aspetos fundamentais a manter: a qualidade, a durabilidade e a resistência. De facto, ao agarrar num dos pratos, bowls, taças, travessas, copos de café ou canecas desta edição limitada para casa, conseguimos perceber que estamos perante uma peça que não quebra facilmente. É para durar.
A diferença face aos produtos que desenham para a restauração reside noutros aspetos: apesar de a argila utilizada ser a mesma, aqui encontramos uma oferta com uma estética mais leve, descontraída, mas elegante, capaz de se adaptar às rotinas da cozinha — e também à decoração de uma casa. É colorida, com tons de esmalte esverdeados e cor de rosa, mas sempre conjugados com tons mais terrosos, que apelam ao lado mais orgânico e artesanal da coleção, toda feita à mão. Aqui não encontra duas peças exatamente iguais: cada unidade, por mais semelhanças que tenha em relação às demais, tem um carácter próprio e exclusivo, tornando-a distinta e irrepetível. Muito à semelhança do ser humano e da natureza, repletos de diferenças, mesmo dentro de todas as suas parecenças.
Outro ponto importante na vivência de uma casa é a versatilidade: constituída por nove peças (em três tons diferentes), estas são capazes de desempenhar várias tarefas. Uma bowl, por exemplo, pode servir como taça de cereais, mas também como prato para saborear uma refeição principal, um prato de massa, o que quiser.
A Studioneves Casa vai ter várias coleções. Vejas algumas peças da primeira, que é a Primavera, com preços entre 13€ e 59€.
Do Brasil a Portugal, foram vários os recomeços do zero
Casados, pais, companheiros de trabalho e artistas no saber de oleiro, a dupla está em Portugal desde 2018, depois de concluirem que nenhum negócio no mundo vale mais do que a própria vida. O casal brasileiro vivia em São Paulo e foi uma situação com um dos filhos que levou a que fizessem as malas, atravessassem o Atlântico e começassem tudo de novo, em Portugal: a criança ia no carro com a avó, e um homem apontou-lhes uma arma.
Mas a mudança não foi tão drástica como parece. Portugal estava longe de ser um território desconhecido para a dupla, não tivesse Gabi raizes no norte do País. Porém, em termos de negócio, a mudança significou começar do zero. Outra vez.
A aventura no universo da cerâmica começou antes, ainda no Brasil, depois de o casal ter começado a construir uma carreira de sucesso na área da publicidade — sentindo as consequências associadas a este tipo de profissão. Alex passava mais noites em branco do que seria normal, dormia demasiadas vezes no escritório e estava exposto a níveis de stresse que não eram bom presságio a uma rotina equilibrada. Foi isto que o levou a repensar o estilo de vida, submetendo-a a uma volta de 180 graus. Não foi uma decisão tomada de ânimo leve: só tinha 25 anos, mas já tinha muitas responsabilidades, até porque a carteira de clientes incluía nomes de peso como a Volkswagen.
Assim, o casal rumou a Barcelona, e é aqui que entra a roda de oleiro. Não foi amor à primeira vista, porque as circunstâncias não ajudaram: Alex ofereceu a Gabi uma espécie de curso de cerâmica, mas que assentava muito nos princípios da terapia ocupacional. Ou seja, mais do que ensinar do ponto de vista técnico, a atividade servia como que para espurgar os males da mente. Não era isso que eles queriam.
No entanto, Gabi não deixou que o assunto morresse aí. Terminada esta primeira má experiência, foi a vez de ser ela a oferecer. Desta vez, foi, como se diz, na mouche: fizeram um curso intensivo em Girona, Espanha, que lhes deu o amor e as ferramentas para que pudessem fazer da cerâmica vida.
Mas não foi fácil, como nunca são os processos que assentam no método tentativa-erro. Começando a produzir para lojas de design, foi só mais tarde que perceberam que a restauração era o sítio certo para se estar. O momento mais decisivo para esta reviravolta está no dia em que são contratados para fazer pratos de sushi com formas e medidas muito específicas, capazes de fazer match com “um novo tapete rolante fantástico, muito moderno", mas exigente quanto às loiças que nele pudessem andar. “Ninguém tinha pratos que pudessem andar nele”, conta Alex Heil, durante um almoço no atelier da dupla, em Alcoitão. Para sorte do casal, esta tecnologia não estava só num restaurante — estava em três cadeias, cada uma com cinco ou seis espaços.
Trabalho na restauração a andar, seguem depois para a esfera do fine-dinning do Brasil. De início houve resistência, mas um contacto da secretária do chef Alex Atala, do famosíssimo D.O.M, em São Paulo, deixou-os sem alternativa. Pela primeira vez, um chef sentou-se com eles, apresentou-lhes a sua experiência gastronómica e disse-lhes: “Criem uma colecção inspirada nisto.”
Depois deste, seguiram-se dezenas e dezenas de outros renomados restaurantes da cena brasileira. Na chegada a Portugal, alguns anos depois, apesar de enfrentarem pela segunda vez um lista de clientes vazia neste novo território, tiveram uma ferramenta dos tempos modernos muito valiosa: o Instagram, a montra perfeita para o trabalho que tinham estado a produzir, uma espécie de portfólio que dava provas da qualidade e boa reputação das suas peças.
O primeiro cliente por cá foi a Fortaleza do Guincho, seguindo-se depois outros, como o Feitoria, o Bairro Alto Hotel, Alma, Prado ou Vistas, num total de 35 clientes nacionais, somando-se ainda os de outros países europeus, como Espanha, França ou Alemanha. “No Prado primeiro me disseram que não, porque só usam loiça portuguesa. E eu disse: ‘A prensa é portuguesa, o forno é português, a argila é portuguesa. Só eu é que sou brasileiro'”, lembra Alex Heil.
É neste atelier de Alcoitão, em Cascais, que a bem-disposta dupla põe mãos à obra, cada um com as suas funções. Gabi é a mestre da roda de oleiro, Alex está por detrás da esmaltação, feita com produtos 100% atóxicos e naturais. A queima das peças é feita no forno, a cerca de 1150 graus, menos 150 do que a temperatura que normalmente é utilizada na cerâmica artesanal. Esta diminuição prende-se com um princípio que o Studioneves agarrou convictamente: diminuir a pegada ecológica associada ao universo da cerâmica.
Neste caso, garante-se que há uma menor emissão de gases tóxicos para a atmosfera, mantendo a resistência e qualidade do produto, 17% mais resistente do que o tradicional. É também deste esforço que nascem as embalagens plastic free, dentro de onde as peças lhe chegam a casa, seguras e bem acomodadas.
A edição Studioneves Casa é uma colecção limitada, mas que contará com mais linhas exclusivas. Já espreitámos a próxima, a Primavera-Verão: os tons são o azul escuro e o castanho terra (pode ver na imagem acima), com opções que incluem também peças vidradas. Ficará disponível na loja pop-up, com data ainda por anunciar.