Ao longo de maio, têm sido noticiadas várias estatísticas sobre as consequências do uso das redes sociais para as crianças e jovens, mas também existe o outro lado da moeda: os pais a exporem os filhos desde pequenos e a ficarem viciados nas plataformas.
Na semana em que se celebra o Dia Mundial da Criança, a 1 de junho, a MAGG procurou saber as possíveis ramificações em partilhar fotos das crianças da família, na voz de Catarina Raminhos, mãe, autora e criadora de conteúdos, interlaçada com a perspetiva do psicólogo e especialista Eduardo Sá.
Os dois entrevistados refletiram sobre vários temas neste âmbito, e as suas opiniões cruzam-se em cinco questões essenciais para reflexão dos progenitores.
1. Quando é oportuno tirar o telemóvel do bolso?
No seguimento da discussão pública constante acerca do vício dos jovens nas redes sociais, Eduardo Sá argumenta que “não chega dizermos que os adolescentes confundem a realidade com a das redes sociais quando os pais correm o risco de serem, muitas vezes, os primeiros a confundir estas duas realidades”. Então, afinal, quando é que será adequado usar o telemóvel em momentos de convívio?
Nestas circunstâncias, o psicólogo afirma que os adultos “acabam por fazer com que momentos de família sejam atrapalhados pelas redes sociais”, e que com frequência nos esquecemos que são os próprios “pais dos adolescentes a dar o mau exemplo”.
No que toca a interações entre pais e filhos, considera que tem uma “posição feroz, porque essas experiências são íntimas e quando os pais privilegiam esse tipo de exposição a uma resolução equilibrada da situação, estão a passar os limites". "As crianças precisam de ter pais que cuidam e não que usam momentos até de sofrimento para as exibirem a terceiros”, salienta o especialista.
Já Catarina Raminhos conta que, por vezes, grava os momentos em família “de uma forma orgânica”, e que inclusive essa dinâmica ficou popular para os seguidores do marido, António Raminhos, que já reconhecem as três Marias (filhas do casal). Ainda assim, a mãe e autora conta que, com o aumento de interações com estes conteúdos, tiveram de “parar um bocadinho para pensar” se queriam que as filhas aparecessem e as implicações que isso traria, mas considera que os vídeos “retratavam muito bem a relação que ele [Raminhos] tinha com as miúdas”.
2. Tenho um conteúdo que envolve as crianças: partilhar ou não partilhar?
Eduardo Sá relembra tempos diferentes em que os pais “tinham uma fotografia na carteira que partilhavam com os amigos mais próximos”. Afirma que, hoje em dia, as partilhas continuam a acontecer em parte por uma questão de vaidade, mas que agora tem outras repercussões.
Assim, é “muito importante que os pais percebam que amigos de Facebook e amigos de verdade não são a mesma coisa, e redes abertas não são lugares razoáveis para se expor a vida íntima dos filhos, ainda mais em circunstâncias que se relacionam com momentos de fúria ou birras, que são normais em todas as crianças”, considera o psicólogo.
“A partir do momento em que as minhas filhas começaram a ter consciência das coisas, nunca publicamos nada sem a aprovação delas”, diz Catarina Raminhos. No entanto, a criadora de conteúdos reconhece que nem sempre as coisas acontecem assim, e que “as crianças são muito utilizadas para promover as marcas”.
"Não estou a dizer que nunca o tenha feito, mas faz-me confusão ver vídeos ou fotos de bebés com as toalhitas às quais estão a fazer publicidade, porque um bebé não tem uma palavra a dizer sobre aquilo”. Neste sentido, explica que as suas filhas se juntam a gravar publicidade apenas se for do interesse das mesmas, e, ainda assim, revela que quando são produtos para crianças negoceia sempre com as marcas fazer a própria a publicidade.
3. E quando não conseguem ainda dizer que sim ou que não?
Catarina Raminhos propõe um equilíbrio na sua reflexão. “Também percebo que uma marca de toalhitas queira que o bebé apareça, porque senão é só estranho ser só um adulto a aparecer”, pelo que “há aqui várias camadas que exigem o exercício de nos colocarmos no lugar das nossas crianças e perceber se mais tarde, a olhar para aquilo, vai ser uma coisa que pode causar desconforto ou não”.
No que toca a criadores de conteúdos, Catarina relembra, ainda, que as pessoas “não sabem a realidade de cada um”. “Os trabalhos fazem falta e muitos de nós somos freelancers” que, nesse contexto, dependem também da produção de conteúdos para garantir um sustento, conclui.
4. Quais são as consequências em partilhar as caras dos mais novos?
“Por um lado, qualquer exposição das crianças pode ser perigosa pelo simples facto de haver predadores e pessoas que vão que podem tirar prints fazer sabe-se lá o quê com isso”. No entanto, Catarina Raminhos explica que, pela natureza dos conteúdos do marido, a abordagem acaba por não gerar problemas.
“No quinto ano, quando foram para uma escola maior, a mais velha chegou a casa e achou a piada porque eram os próprios professores a perguntar se era ela a filha do Raminhos”, conta a escritora. Nestas situações, a família trata a situação com leveza e na brincadeira.
Mas considera também o outro lado."Vamos imaginar que ele seria ator e fazia uma novela na qual contracenava com outra mulher, podia haver um comentário qualquer desagradável do pai estar a beijar outra mulher que não a mãe”. Ou seja, embora na sua situação específica, Catarina Raminhos admita que não têm de pesar o lado mau desta exposição das filhas, também reconhece que noutros contextos esta partilha de vídeos pode ter consequências menos agradáveis.
5. E quando os jovens começam a pedir para criar um perfil próprio?
Eduardo Sá garante que “os miúdos se sentem mais aconchegados” quando os pais mantêm alguma estrutura em vez de evitarem dizer que não, pelo que aconselha a algum controlo das interações que têm nas redes sociais, como pode ler nestas sugestões.
Enquanto isso, Catarina Raminhos apresenta, mais uma vez, um exemplo prático desta situação no seu núcleo familiar. As suas filhas “têm um perfil fechado e, antes de aceitarem alguém, perguntam aos pais”. Também há outras questões a considerar, tanto da parte dos pais como dos filhos. "Nós também não mostramos a nossa casa, para não a situar, torna-se numa questão de proteção de segurança e quando elas querem pôr uma fotografia que mostra um bocadinho da casa, perguntam se podem pôr."
Para além disto, esclarece que tentam abordar as redes sociais com “massa crítica” e em família, dado que “o importante é criar as ferramentas para que as mais novas consigam ter os seus próprios juízos de valor”.
Catarina Raminhos ressalva, ainda, que os jovens já nasceram e cresceram no seio das redes sociais, pelo que não faz sentido, na sua visão, dizer que não. Adianta sim, na perspetiva da autora, juntarem-se em família e “comentar tiktoks em conjunto” e “reforçar boas práticas, comentando o que é bom nuns vídeos e condenando um bocadinho outros”. Como afirma Eduardo Sá, nunca se deve subestimar o peso de um bom exemplo.