“Mãe, pai, amo-vos, mas tenho de seguir o homem do capuz preto. Não tenho mais tempo. Perdoem-me.” Foi esta a mensagem arrepiante que os pais de um rapaz italiano, de 11 anos, receberam no telemóvel antes de procurarem o filho no quarto e perceberem que este se teria atirado da janela do apartamento da família, no 11.º andar, em Nápoles, Itália.
O caso, que decorreu esta segunda-feira, 28 de setembro, está a ser investigado pelas autoridades. A hipótese de a morte da criança, cuja identidade não foi divulgada, ter sido causado por um jogo viral está a ser analisada pela polícia, de acordo com o jornal "NapoliToday". O Ministério Público de Nápoles já abriu uma investigação por incitamento ao suicídio. Para além de recolher depoimentos de amigos, as autoridades confiscaram o telemóvel e a consola com ligação à internet da criança para tentar reconstituir as conversas mais recentes que manteve online.
Especula-se que o rapaz italiano possa ter sido a primeira vítima mortal de Jonathan Galindo, o nome dado à personagem fictícia de um homem vestido de Pateta, cuja imagem se replica dezenas de vezes em redes sociais como o Tik Tok, Instagram ou Facebook. O modus operandi deste desafio direcionado a crianças e adolescentes é semelhante a outros que já vimos no passado, e baseia-se em desafios que evoluem de dificuldade, e que podem mesmo acabar na morte dos jovens.
Começa com um pedido de amizade. Pode acabar no suicídio
À imagem de outros jogos virais como o Momo ou a Baleia Azul — uma série de 50 desafios que causou a morte por suicídio de mais de 130 pessoas entre 2013 e 2018 —, a situação de Jonathan Galindo começa com um pedido de amizade nas redes sociais, onde a imagem do homem disfarçado da personagem Pateta, popularizada pela Disney, acompanha o perfil com o nome de Galindo.
Depois do pedido aceite, Jonathan Galindo aborda as crianças e jovens através de mensagem privada, e pergunta-lhes se querem jogar, dando início a uma série de desafios, cujo nível de dificuldade vai aumentando e se tornam cada vez mais macabros, maioritariamente com o objetivo de causar dor nos jovens que respondem às tarefas.
Caso as crianças se recusem a desempenhar os desafios, são ameaçadas com a divulgação de dados ou informações pessoais, escreve o site "News ABC", que já em julho alertava para a existência deste desafio.
Ao contrário do Momo, que abordava as vítimas maioritariamente através do What'sApp, este novo jogo viral surge nas principais redes sociais como o Twitter, Instagram, Facebook e TikTok, onde existem dezenas de perfis com o mesmo nome e imagem.
Comunicação aberta e sem julgamentos com os filhos é o caminho para os proteger
Por mais que os pais queiram proteger os filhos de tudo o que acontece de mau no mundo, é impossível viverem colados a eles e controlar todos os seus passos — para além de pouco saudável. Então como podem os educadores prevenir situações drásticas como estes desafios virais, que as crianças e adolescentes têm à distância de um clique?
"Ouvir os nossos filhos sem os criticar e julgar automaticamente é o primeiro passo para prevenir estas e outras situações", explica a psicóloga clínica Sílvia Botelho à MAGG. Para a especialista da Academia de Psicologia da Criança e da Família, a comunicação e conexão aberta de pais e filhos é vital para que os miúdos se sintam confortáveis para falar de tudo com os adultos, alertando assim os educadores para qualquer situação de perigo que se esteja a passar nas suas vidas.
"Temos de deixar de lado aquela ideia antiga de punir ou castigar os filhos quando estes falam abertamente. Porque repare: estes jogos e desafios provocam nos miúdos sensações de medo, de culpa, de vergonha. Se eles se habituam a falar com os pais e a serem julgados e criticados, sentem exatamente a mesma coisa", alerta Sílvia Botelho.
Para a psicóloga, deve-se apostar na prevenção, no diálogo e na comunicação aberta, para que as crianças sintam "que podem falar de tudo sem serem castrados ou castigados", e passar a ideia aos jovens que têm e devem pedir ajuda sempre que se sentirem desconfortáveis. "É preciso fazê-los perceber que nunca devem aceitar ou fazer nada que os deixe com medo ou desconfortáveis, e que devem falar sempre com um adulto. Seja em relação a estes desafios ou a qualquer outra situação", esclarece Sílvia Botelho.
Os pais têm de educar os filhos para as práticas online
Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica, explica à MAGG que estes desafios virais têm-se "repetido e proliferado nos últimos anos". "São o lado menos bom das redes sociais e da internet, o que só aumenta a importância de os pais e educadores ensinarem às crianças boas práticas em torno do uso do online."
A especialista explica que é "fundamental" que os pais e educadores lidem com esta nova realidade de redes sociais, e alerta que o caminho não é assustar os mais novos, mas sim informá-los e dotá-los da capacidade de fazerem escolhas conscientes.
"Mais do que vigiar, temos de lhes passar a capacidade de fazerem escolhas sensatas que os possam proteger. Não nos podemos esquecer que estes desafios têm sempre como público-alvo uma faixa etária mais vulnerável e sugestionável, que gosta de ter segredos com os seus pares, algo escondido dos pais e professores. Temos de educar as crianças para o uso da internet, das redes sociais, e reservar tempo para explicar aos miúdos o que são boas práticas e, pelo contrário, o que pode representar perigos."
Para Filipa Jardim da Silva, mais do que "causar o pânico ou restringir o acesso ao online", o acompanhamento atento por parte dos pais é importante para ensinar os jovens "a serem eles próprios a detetar conteúdos perigosos e a denunciá-los em contexto familiar".
E como podem os pais e educadores estar atentos e ensinar essas práticas sem o fazer de uma forma intrusiva ou controladora? "É importante mapear o acesso a conteúdos online, nomeadamente através dos vários softwares de controlo parental que existem. Depois, para além do tal tempo que devem reservar a ensinar as boas práticas do online, os pais devem ter conversas abertas sobre os conteúdos a que os filhos tiveram acesso nesse dia. Por exemplo, para além daquelas conversas que se tem sobre o dia na escola, sobre os amigos, os pais devem também perguntar sobre os ecrãs. Se os filhos viram algo na internet que tenham achado piada, e que queiram partilhar, e também se viram algo que os deixou desconfortáveis ou que não tenham compreendido", explica a psicóloga clínica.
A especialista alerta que o "diálogo e observação é muito importante", mas assume que é um exercício que nem sempre é fácil. "No caso específico da criança italiana, os pais já revelaram que nos dias anteriores ao sucedido, o filho andava com um semblante mais carregado e preocupado, quando costumava ser uma criança muito bem disposta, e eles não percebiam o que se estava a passar. É verdade que é um exercício muito desafiante, porque os pais não têm bolas de cristal, e a observação é mais uma maratona. Temos de insistir e estarmos preparados para perguntar várias vezes o que se passa, e não obter resposta."
Os sinais a que deve estar atento
Apesar de a psicóloga clínica Sílvia Botelho referir que os sintomas de que algo se pode estar a passar variam muito conforme a personalidade das crianças, e que podem também ser mais notórios quando a situação já está avançada, há sinais algo comuns.
"As crianças podem ficar mais ansiosas, isoladas, com ataques de pânico. Podem deixar de dormir à noite, comer compulsivamente, os miúdos com personalidades mais recatadas podem ficar mais facilmente irritáveis. Depende muito, mas há que estar atento a mudanças de rotina, quando eles deixam de querer fazer uma atividade em família que antes adoravam, por exemplo", afirma a especialista.
Filipa Jardim da Silva também salienta que qualquer mudança de comportamento notória e "persistente, que dure três, quatro dias, uma semana, é caso para acompanhar de uma forma ainda mais próxima". E deixa um alerta para o aumento dos consumos online em tempos de pandemia.
"Os tempos que vivemos, principalmente durante a quarentena, fez com que existisse um aumento exponencial de muitas crianças aos conteúdos online sem monitorização. Os ecrãs tornaram-se a ama de muitas crianças, e invadiram ainda mais as nossas famílias", afirma a especialista.
E aqui o problema é a falsa sensação de segurança. "Achamos que os nossos filhos estão protegidos porque estão no mesmo espaço físico que nós, porque estamos a ver o que estão a fazer, mas é um controlo ilusório. Podemos pensar que estão a jogar na consola, mas tendo acesso à internet, podem estar em contacto com outras crianças e pessoas, e não sabemos do que estão a falar. Vale a pena, ainda mais agora, redobrar a atenção para que isto não conduza a situações preocupantes e dramáticas como esta do rapaz italiano", conclui a psicóloga clínica.
A imagem de Jonathan Galindo não foi criada para aterrorizar crianças
Tal como aconteceu com a boneca Momo, uma figura criada pelo escultor japonês Keisuke Aiso para uma galeria de arte alternativa, e cuja imagem foi roubada posteriormente e utilizada para aterrorizar crianças, também a imagem do Homem Pateta foi criada sem qualquer intenção maliciosa.
Surgiu pelas mãos do cosplayer e criador de máscaras Samuel Canini, também conhecido por Dusky Sam, que criou a imagem e utilizou-a entre 2012 e 2013, refere o "Observador". No Twitter, o autor já se manifestou sobre a utilização das suas imagens e fotografias para os perfis de Jonathan Galindo: "As fotos e os vídeos são meus [...] Eram para a minha própria estranha diversão e não para algum aventureiro moderno assustar e intimidar as pessoas", publicou na rede social em julho de 2019.
Não se sabe ao certo se o jogo Jonathan Galindo começou no México ou nos Estados Unidos. No entanto, para além de ter chegado à Europa há poucos meses — a Espanha e agora Itália —, há já relatos na Índia, no Vietname e no Brasil, país onde a polícia já lançou alertas aos pais de crianças e adolescentes, pedindo a denúncia imediata de contas associadas à imagem da figura do Homem Pateta.