Festejámos a chegada de 2021 com a esperança de que a pandemia fosse uma memória de 2020, mas janeiro mostrou-nos o caminho oposto e fez-nos entrar numa espécie de roda de hamster, sem sairmos do mesmo lugar. Os casos de COVID-19 dispararam em Portugal, entramos em mais um confinamento e, sem surpresas, o governo decretou o fecho das escolas.
Mas ao contrário do que aconteceu o ano passado, os miúdos foram enviados para casa sem ensino à distância, uma vez que este período especial é considerado interrupção lectiva. O executivo de António Costa avança que tal se deve ao facto de este ser um encerramento bastante mais curto do que o de 2020 — as escolas devem permanecer fechadas durante 15 dias, embora seja claro que podemos estar a falar de mais tempo caso a situação epidemiológica nacional não melhorar —, os pais mandam as mãos à cabeça (e talvez ao copo de vinho) sem saber o que fazer para entreter os miúdos e conciliar tudo com o teletrabalho.
E se todos os educadores têm noção de que as tecnologias e os ecrãs, desde o Youtube aos jogos de consola, podem não ser a opção ideal, que atire a primeira pedra quem nunca pôs o tablet nas mãos do filho em desespero para conseguir terminar uma tarefa ou uma reunião por Zoom. No entanto, a psicóloga Bárbara Ramos Dias, especializada em crianças e adolescentes, alerta para os perigos desse hábito.
"Acho que temos de aprender com os erros do passado. No primeiro confinamento, os pais refugiaram-se muito nos ecrãs e, nos últimos tempos, recebi muitas queixas dos educadores de que os seus filhos estavam viciados nas plataformas electrónicas. Temos de lhes dar alternativas, e claro que os pais me perguntam quais", refere a especialista à MAGG, que apela a que se estimulem os miúdos com tarefas mais criativas, como aprender a cozinhar, escrever um diário — "que também pode funcionar como um exercício de catarse" —, ou até aprender uma língua nova.
"É engraçado, mas os miúdos mais velhos, que andam no secundário, até gostam de fazer coisas fora da caixa. Uma rapariga que eu acompanho começou a aprender a tricotar, por exemplo. Reorganizar o quarto também pode ser uma alternativa, eles adoram fazer isso e um novo espaço até os pode incentivar a estudar e aprender com mais vontade", sugere a psicóloga.
Para Bárbara Ramos Dias, também é importante estabelecer metas que motivem as crianças e os jovens, e os incentivem a cumprir as rotinas e regras. "Em períodos como este, é imperativo manter regras bem firmes e organizadas com eles, até porque os pais precisam de continuar a trabalhar. O que sugiro, e que costumo fazer em casa com os meus três filhos, é que os adultos perguntem aos miúdos o que os faz felizes. Pode ser qualquer coisa, cá em casa eles adoram jogar damas. Assim, se os filhos cumprirem tudo o que é proposto durante o dia, seja arrumar o quarto, estudar, fazer exercício, ao fim do dia são recompensados com uma atividade que lhes traz alegria."
Tecnologia sim, mas só quando os pais precisam mesmo de foco
Esta sexta-feira, 22 de janeiro, marca o primeiro dia da pausa lectiva das crianças e jovens portugueses. E sugestões de alternativas sobre o que fazer com os miúdos nunca são demais. Dividimos as ideias em três faixas etárias — idade pré-escolar, 6 aos 11 anos, e 12 aos 17 anos —, e pedimos ajuda à psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva para a elaboração desta lista de atividades.
Crianças em idade pré-escolar
- Começar preferencialmente a manhã em família, na primeira refeição do dia, permitindo planear /perspetivar o restante dia, dando uma atenção de qualidade às crianças;
- Atividades manuais, como pinturas com mãos, com lápis e pincéis, plasticina. Requer supervisão e suja, mas entretém muito;
- Contar histórias;
- Brincadeiras do faz-de-conta em que os mais novos emergem: cozinha, oficina, pais e filhos;
- Atividades físicas. Jogar ao apanha-apanha, saltar no mesmo lugar com um corda de saltar invisível, andar de trotineta pela casa. É importante a criança gastar alguma energia física que tem;
- Envolver os mais pequenos nas atividades domésticas, ajustando à idade, como aceitar ajuda na preparação das refeições, a colocar a mesa, a lavar a loiça, a cuidar de roupa suja;
- Reservar a tecnologia para os momentos em que os adultos necessitam de estar mais focados. Ter atenção aos conteúdos a que se permite acesso (jogos, vídeos no youtube ou programas televisivos). Se a criança tiver um equipamento com internet ter o cuidado de acautelar com um software de controlo parental os conteúdos a que a criança poderá aceder;
- Fechar o dia com uma história, distinguindo o que foi o melhor do dia, e ajudando a criança a nomear as principais emoções que sentiu.
Crianças dos 6 aos 11 anos
- Iniciar o dia procurando perspectivar o que poderão ser as atividades do dia e os vários momentos, dando alguma previsibilidade. Procurar que as refeições principais sejam feitas em família;
- Ao início ou final do dia, introduzir breves atividades mindfulness que promovam atenção. Dar espaço às crianças de expressarem o que estão a sentir, de colocarem perguntas que têm face ao que se está a passar;
- Pinturas e desenhos, colares de missangas, jogos do faz de conta, outros jogos didáticos e lúdicos;
- Envolver a criança nas atividades domésticas, ajustando à sua capacidade;
- Fazer alguma ginástica em casa, jogar à bola mesmo que em casa. Se existir espaço exterior, andar de bicicleta pode ser uma boa solução, ou mesmo junto a casa, porque não envolve tocar em nada, mas permite exercitar ao ar livre;
- O acesso à internet e televisão deve ser orientado pelos adultos para garantir a ausência de perigos como falar com desconhecidos, aceder a conteúdos impróprios para a idade ou até instalar vírus.
Adolescentes dos 12 aos 17 anos
- Procurar que as principais refeições sejam feitas em família, criando momentos de diálogo que permitam aceder à forma como todos estão a viver esta experiência, que permita nomear as emoções presentes, identificando dificuldades e pontos mais positivos;
- Facilitar a que existam momentos de alguma atividade física (ginástica em família, yoga);
- Jogos lúdicos que possam ser jogados em família;
- Os momentos de privacidade no quarto e socialização com colegas e amigos através de equipamentos eletrónicos devem ser contrabalançados com momentos em família, a participar nas atividades domésticas e com um diálogo de qualidade.
"Quando eu digo aos adolescentes que estão a morrer 200 pessoas por dia, respondem-me que são os velhinhos"
Ainda que todas estas tarefas e atividades sejam importantes, igualmente importante é manter uma linha de comunicação sempre aberta entre adultos e crianças, mesmo com todas as dificuldades com que os pais se deparam a tentar conciliar tudo e mais alguma coisa. "Por entre tantos papéis, é desafiante para os pais terem uma presença de qualidade", reconhece à MAGG a psicóloga Filipa Jardim da Silva, especialista em psicologia clínica e da saúde.
Assim, a especialista apela para que se guardem momentos de verdadeira atenção aos filhos. "Que sejam criados diariamente momentos de diálogo aberto na família, ajustado às várias faixas etárias, que permitam aos pais modelar boas práticas de inteligência emocional e também aceder à experiência individual das crianças e adolescentes, procurando detetar momento a momento que recursos estão a ser mobilizados, que dúvidas existem para poderem ser respondidas de forma ajustada à fase de desenvolvimento e que dificuldades necessitam ser ultrapassadas", salienta a psicóloga.
E o diálogo pode ser uma ótima forma de nos protegermos a todos. Uma das maiores críticas à decisão de não existirem aulas à distância diz respeito aos adolescentes, que sendo mais velhos e com autonomia, podem contornar as regras e continuarem a encontrar-se com os amigos — até porque nem todos os pais estão em teletrabalho. Mas num momento tão dramático como o que vivemos, com centenas de mortes diárias, como podem os adultos transmitir a mensagem?
"Os miúdos, por mais velhos que sejam, não têm noção, não percebem a gravidade. Não vêem notícias, é raro o miúdo que vê um telejornal. Vivem no mundo deles, dos Tik Tok's e dos likes. Quando eu digo aos adolescentes que estão a morrer 200 pessoas por dia, respondem-me que são os velhinhos. Temos de ser nós, os adultos, a chamá-los à terra, e a fazê-los ver que, se saírem, estão a pôr em risco pessoas que não têm culpa nenhuma. Os pais têm de passar a mensagem com clareza, explicar, esclarecer dúvidas, mas não ter medo de lhes transmitir a verdade do que está a acontecer. E se os assustar, em certa forma, até pode ser bom. Eles têm de perceber que têm uma responsabilidade e agir em conformidade", refere Bárbara Ramos Dias.
Não vivemos tempos fáceis — e os pais têm de estar atentos
Vivemos tempos dramáticos a todos os níveis, desde a saúde à economia, e nunca tivemos de estar tão atentos à saúde mental. Agora que as crianças estão novamente fechadas, este período pode ser especialmente desafiante, e os adultos precisam de identificar possíveis sinais de alarme nos mais novos, indicativos de que estes podem precisar de mais apoio.
"Alterações persistentes no apetite, seja comer menos ou mais do que o habitual, alterações no sono, como mais dificuldade em adormecer, acordares intermitentes, pesadelos, despertar mais cedo que o necessário, sonolência diurna são sinais a que os pais devem estar atentos", alerta Filipa Jardim da Silva.
A psicóloga clínica refere também que as alterações no comportamento são outro sinal. "Se estão mais agressivos ou irritáveis, mais isolados, com menos abertura para o diálogo, semblante mais triste, respirar fundo com frequência, choro, expressão verbal de sofrimento e desespero", salienta a especialista, que, nestes casos, apela a que os adultos peçam ajuda junto de profissionais de saúde.