A "cultura das princesas", intrínseca nos filmes da Disney, é controversa. Da exclusividade de relações heterossexuais à ideia de que a princesa precisa sempre de um príncipe para a salvar, são várias as críticas à indústria destes filmes de animação. Estudos revelam que não há motivo para alarme, mas as opiniões tendem a dividir-se.

Com base na premissa de que aquilo que vemos molda aquilo em que acreditamos, nasce a teoria de que as histórias "das princesas" podem influenciar negativamente o desenvolvimento das crianças, nomeadamente no que à sexualidade, auto-estima e perceção das suas fraquezas diz respeito. No entanto, verifica-se que a imagem de "princesa da Disney" tem vindo a evoluir e a representar um público mais abrangente. Tanto face a características físicas como psicológicas, entenda-se.

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Os resultados de um estudo das Universidades de Bringham e Linfield pode surpreender todos aqueles que privaram os filhos de filmes como  "Cinderela", "Branca de Neve" ou "Bela Adormecida", motivados pelo medo de a mensagem dar azo a uma noção errada de fragilidade feminina e masculinidade tóxica. O estudo conta com 307 crianças, uma amostra 87% caucasiana, e 51% elementos do sexo feminino.

A intenção da investigação, realizada entre 2012 e 2017, era clara: encontrar pontos em comum entre o contacto, em tenra idade, com a "cultura das princesas" e os estereótipos de género, amor próprio, imagem corporal e, ainda, noção de posse e superioridade. No caso, com base em análises dos géneros feminino e masculino, exclusivamente.

Os resultados são, no mínimo, inesperados. "Indicaram que o envolvimento precoce com a 'cultura das princesas' não estava associada à adesão posterior a esterótipos de género feminino", avança o estudo. Na verdade, verifica-se precisamente o contrário do que era temido. Notou-se "uma menor adesão às normas de masculinidade hegemónica e maior estima corporal", lê-se.

A justificação? "A 'cultura das princesas' dá às mulheres histórias-chave, onde a figura feminina é protagonista", conta Sarah Coyne, uma das autoras do estudo, ao "Wall Street Journal".  "Seria de esperar que uma rapariga que dissesse que a sua princesa preferida era a Mulan fosse menos estereotipada do que aquela cuja favorita era a Cinderela, mas não verificámos isso", completa a investigadora.

Moana
Moana Moana, a protagonista feminina do filme "Moana, lançado em 2016 créditos: Reprodução / Disney

Face às teorias que põe em causa a mensagem por detrás das histórias infantis, a diretora criativa dos Estúdios de Animação da Walt Disney, Jennifer Lee, disse à agência de notícias que a empresa se esforça para retratar personagens abrangentes, princesa ou não.

Há (ou não) um protótipo de princesa da Disney?

"Como manter as princesas relevantes sem alienar fãs que se mantêm fiéis às versões com que cresceram?"é a questão que tem marcado presença na agenda de colaboradores da Disney, há mais de 20 anos. Em cima da mesaestão não só possíveis repercussões económicas como críticas de cinéfilos, pais e especialistas, lê-se no "The Wall Street Journal".

Para além da (falta de) representatividade étnica e racial, críticos defendem que a narrativa das donzelas em perigo está ultrapassada e já não faz sentido em pleno século XXI.

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O filme "A Bela Adormecida", lançado em 1959, por exemplo, foi recentemente escrutinado. Em causa, está a alegada noção de consentimento que a história transmite aos mais pequenos. Afinal de contas, é (ou não) aceitável que o príncipe beije a Bela Adormecida, enquanto está a dormir? As opiniões dividem-se.

"Tentaram tornar as princesas mais independentes e ter mais voz, mas ao mesmo tempo reconhece-se que também há um apelo – mesmo que não seja tão moderno – a vestidos bonitos e belos castelos", disse um ex-executivo da Disney à mesma publicação.

Independentemente da mudança significativa na origem e aparência das princesas, a ideia de que a indústria da Disney procura empoderar o sexo feminino não é consensual. “Não é seguro dizer que, a longo prazo, a cultura da princesa é fortalecedora para as raparigas”,  disse Rebecca Hains, professora de Comunicação e Media, na Universidade Estadual de Salem, que destaca algumas limitações no estudo, nomeadamente “o tamanho da amostra e o facto de 87% das crianças serem brancas e todas de Utah ou Oregon [estados dos EUA]”.

"Há uma emergência de género"

Eve Rodsky, autora de "Fair Play", um livro sobre como os casais podem  (e devem) equilibrar os deveres domésticos, disse que os filmes de princesas da Disney foram cruciais para que pudesse falar abertamente sobre estereótipos de género com os seus dois filhos, de 10 e 12 anos, e, ainda, com a sua filha de 4 anos, conta o jornal norte-americano.

Uma vez, enquanto assistia ao filme da "Cinderela", o filho mais novo chamou a atenção para uma das conversas entre os ratos da protagonista. "Há uma emergência de género", gritou. Uma das ratazanas que trabalhava no vestido da Cinderela tinha dito a um rato (do sexo masculino) para deixar a costura para as mulheres e o rapaz considerou o comentário sexista.

Face ao teor do comentário, a criança não só não o reproduziu, como foi capaz de detetar o alegado problema. As opiniões dividem-se. Ainda não há forma de medir as repercussões exatas deste tipo de conteúdo, mas têm-se verificado mudanças positivas na indústria, que caminham para a igualdade e diversidade cultural.