Depois de um início de inverno estranhamente ameno, o frio chegou em força e tomou conta, não só das ruas do país, como, pelos vistos, de algumas salas de aulas. Qua algumas escolas nunca estiveram preparadas para temperaturas baixas, é um facto, mas o que é certo é que há relatos que dão conta de uma situação mais agravada pelas regras da pandemia: é que além da possível ausência de sistema de climatização, há ainda a agravante de existirem janelas abertas de forma a garantir o arejamento dos locais.

Denúncias e imagens insólidas da realidade vivida nas salas de aulas já circulam nas redes sociais. Primeiro, foi Vítor Brasão, o professor da Escola Secundária de Serpa, no Alentejo, que partilhou uma fotografia de um aluno de gorro e manta à secretária, descrevendo, face à situação, uma indignação e revolta sem precedentes.

Logo de seguida, foi Bruno Nogueira a relatar uma situação atípica: num email que lhe foi enviado pela escola "de uma das miúdas" cuja nome não foi revelado, os encarregados de educação foram informados de que "dada a situação atual, as salas de aula da escola (...) não estão aquecidas, em virtude de cumprirem as orientações da DGS e do nosso guião de procedimento do COVID-19", diz o email, onde se lê ainda que Junta de Freguesia a que pertence este estabelecimento escolar foi mais longe e "determinou" que "a caldeira fosse bloqueada".

Entretanto, a DGS, a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) e a Direcção-Geral da Educação (DGE) emitiram um comunicado em que se esclarece que as recomendações não são bem essas. Mas já lá vamos.

Na legenda desta publicação, Bruno Nogueira, além da indignação perante uma "situação absolutamente inaceitável num inverno rigoroso", diz que "não quer imaginar o que será em zonas com temperaturas ainda mais baixas."

Mas nós quisemos. As temperaturas máximas na Guarda apontam para os zero graus. Em Bragança são quatro. E em Ponte da Barca, no Minho, são 10. As mínimas são, nos três casos, números negativos, que chegam aos menos cinco graus.

"Seria impensável haver um inverno sem aquecimento"

O termómetro apontava, precisamente, para os cinco graus negativos quando, esta manhã, uma assistente operacional da Escola Afonso Albuquerque, na Guarda, deu entrada neste estabelecimento. Mas o aquecimento estava ligado: "A nossa escola está aquecida", conta à MAGG. De outra forma, relata, "não se aguenta".

José António Pereira, faz parte da direcção e é professor nesta escola. Explica que a Afonso Albuquerque está equipada com um sistema de extração de ar, que, ao contrário do sistema de recirculação, cumpre a função dois em um: o ar velho é expulso para a rua e o ar novo é extraído da rua.

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Há zonas da escola que, no entanto, não tiram proveito deste sistema. Têm um outro em que a climatização é feita através do tal sistema de recirculação, extremamente perigoso nesta altura de pandemia, pois ao estar sempre a utilizar o mesmo ar, tem a capacidade de disseminar os aeróssois de alguém que entre contaminado. "Se tivéssemos um sistema desses, também não o utilizaríamos", diz. E se fosse esse o caso, a escola estaria, provavelmente, "fechada por causa do frio."

Beatriz Prata, 16 anos, é aluna desta escola e diz-nos o mesmo: o aquecimento está ligado, ainda que as portas estejam sempre abertas, havendo ainda alturas em que também as janelas o estão. Esta semana, no entanto, têm estado fechadas, enquanto os alunos estão na sala. É assim, pelo menos, na sua turma, ressalva.

Nota que o inverno nesta cidade está a ser ligeiramente mais rigoroso, com muita geada pela manhã, mas nada a que não esteja mais habituada. É tanto mais este o espírito quanto mais fria é a zona: há estofo para as baixas temperaturas. De resto, naquilo que se refere à sua vivência na escola, Beatriz diz que é em tudo semelhante ao ano passado, pelo menos no que se refere às temperaturas.

"Desde pequeno que vivo numa cidade fria, portanto, o frio é algo com o qual estou habituado, mas, obviamente, não é nada agradável", diz Martim Diogo, 16 anos, aluno do mesmo estabelecimento escolar. No entanto, este inverno tem sido mais difícil: "O que antes se fazia  para apaziguar a sensação de frio, agora, não se pode utilizar. Muitas vezes, as portas e as janelas têm de estar abertas para o ar ventilar, e o frio entra."

Em Vimioso, uma vila pertencente ao concelho de Bragança, no extremo nordeste de Portugal, muito próxima da fronteira com Espanha, o cenário é semelhante. O nosso aquecimento está sempre ligado durante a noite. Durante o dia há que arejar, mas não me parece que os miúdos tenham de trazer mantas, como se vê nalgumas imagens", conta. A professora fala em cuidados especiais tendo em conta a pandemia — o arejamento —, mas garante que não é por isso que a escola deixa de estar quente.

"Seria impensável haver um inverno sem aquecimento", diz, explicando que o sistema em questão é elétrico e com pedras que irradiam calor, que é também um dos que está autorizado, segundo as orientações da DGS.  Sempre que há alguma avaria, a autarquia intervém de imediato."

Aqui, onde há alunos do pré-escolar ao nono ano, houve uma requalificação das infraestruturas: em 2016 abrangeu a escola toda, "desde as paredes ao teto". Em 2018 foram alteradas todas as janelas exteriores.

Sobre a rigidez deste inverno, a professora explica que não está a ser assim tão diferente dos anteriores. "Aqui o hábito é ser frio. Há alturas em que há mais chuva, mas este ano tem havido mais geada durante a noite", conta. Não está a nevar: "Está sol. Um sol muito agradável."

"Os nossos miúdos não precisam de levar mantas, estão muito confortáveis e à vontade"

No Minho, o inverno não é tão duro como o de Trás-os-Montes, mas já no ano passado, os professores da Escola Secundária de Ponte da Barca puseram os alunos à vontade para levarem mantas para aquecer as pernas na sala de aula. Os acessórios seriam conjugados com o aquecimento, que existe desde que Dinis Silva, 16 anos, aluno do 11.º ano, é aqui estudante.

Esta semana está a ser diferente. "Há pessoas que levam uma manta para ter nas pernas e gorros também", conta. É que, apesar de haver o calor do sistema de climatização, o esquema da sala não é bem o mesmo dos anos anteriores. Em causa estão as recomendações da DGS, sobre as quais os alunos foram informados logo no início deste ano letivo.

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"Durante as aulas as janelas estão abertas e a porta também", conta, acrescentando que são os que estão sentados ao fundo da sala os alunos que sofrem mais com o frio.

"Nós temos aquecimento central em todas as escolas e salas. Sabemos que as escolas foram construídas em todo país com base em projetos que não distinguem o Minho do Alentejo, portanto as condições são o que são", esclarece Manuel Soares Alves, o sub-diretor desta escola secundária.

O sistema de climatização é accionado durante a noite:  "É um sistema de acumulação, que é ligado durante a noite para ir libertando o calor durante o dia." Ainda assim, admite que "em tempos mais frios", como este, o ar quente vai-se pela janela, "porque é preciso arejar os espaços."

Antes as janelas estavam todas abertas, mas agora é diferente: as que estão viradas para o exterior estão fechadas durante as aulas (arejam nos intervalos) e as que estão viradas para um pátrio interior mantêm-se abertas, assim como a porta. "Claro que cada caso é um caso. Se um professor quiser abrir tudo, não podemos dizer que não, porque as orientações da DGS recomendam o arejamento dos espaços."

José Oliveira é professor na Escola Básica Diogo Bernardes, onde há alunos da pré-primária ao segundo ciclo, fazendo também parte do Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca. À MAGG, explica que têm um sistema de aquecimento central que funciona a gasóleo, que é ligado assim que as funcionárias chegam à escola. "Os nossos miúdos estão muito confortáveis e à vontade. Nem os vemos de casaco dentro da sala de aula."

As portas e janelas estavam abertas até às duas últimas semanas do primeiro período. Com o frio, os pais queixaram-se e a direcção optou então por manter o espaço fechado, para apenas o arejar durante os intervalos. "Fecham-se as portas e janelas e só se abre nos intervalos."

Além do mais, existe a vantagem de grande parte da escola estar virada para nascente: "Com as janelas fechadas e persianas abertas, bate o sol e acaba por aquecer mais."

José Oliveira relata ainda que quando está mesmo muito frio, o responsável dá ordens para que os miúdos, se quiserem, possam ficar na sala durante os intervalos, que aqui não foram reduzidos (há zonas próprias para as turmas e rotatividade).

Orientações da DGS permitem ventilação de ar mecânica. Mas com cuidados

A Direcção-Geral da Saúde, a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e a Direcção-Geral da Educação emitiram, esta sexta-feira, 8 de janeiro, um comunicado conjunto de forma a esclarecer a questão do ventilamento e arejamento dos espaços.

A nota começa por fazer referência às orientações que em julho de 2020 foram enviadas às escolas: “Sempre que possível, e que tal não comprometa a segurança das crianças e dos alunos, devem manter-se as janelas e/ou portas abertas, de modo a permitir uma melhor circulação do ar”.

As três entidades salientam, então que, "face à presente situação meteorológica, quando não existam equipamentos ventilação mecânica nas salas de aula ou outros espaços utilizados para lecionação, o arejamento pode ser realizado de forma natural durante os intervalos, garantindo a ventilação e renovação do ar interior."

Destaca ainda que, segundo as orientações a utilização de ventilação de ar mecânica (onde se inclui o sistema AVAC  —aquecimento) é permitida de forma a garantir o "conforto térmico", de preferência conjugada com o arejamento natural dos espaços.

"É de salientar que, tal como consta nas Orientações da DGS, é permitida a utilização de ventilação mecânica de ar (sistema AVAC - Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado), por forma a garantir o conforto térmico, apesar de o arejamento (renovação do ar) dos espaços dever ser feito preferencialmente com ventilação natural", pode ler-se.

Mas não é de qualquer forma: "Estes sistemas devem ser utilizados em segurança, garantindo a limpeza e manutenção adequada, de acordo com as recomendações do fabricante, e a renovação do ar dos espaços fechados, por arejamento frequente e/ou pelos próprios sistemas de ventilação mecânica (quando esta funcionalidade esteja disponível)", termina.