"Costumam utilizar musgo no vosso presépio?". Uma simples pergunta lançada no Instagram gerou múltiplas partilhas e mais de dois mil gostos na publicação da marca Mind The Trash, a primeira loja online portuguesa dedicada ao desperdício zero, criada por Catarina Matos. A partilha surpreendeu muitas pessoas, que desconheciam o impacto da apanha de musgo, algo que é feito principalmente no Natal.

Há mais de 700 espécies de musgo em Portugal continental, sendo que 30% delas fazem parte da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), segundo explicou à MAGG o biólogo César Garcia, referenciado na publicação que levantou a assunto.

Mas, afinal, o que é o musgo? "É um grupo de plantas terrestres, bastante antigas. Geralmente a população pensa que são uma ou duas espécies, mas são largas centenas. Vivem em diferentes habitats, em diferentes altitudes e umas estão ligadas a rochas calcárias e outras a rochas de granito", explica César Garcia, acrescentando que, no fundo, são espécies "efetivamente ligadas aos ecossistemas".

Habitats no vale Glaciar do rio Zêzere
Habitats no vale Glaciar do rio Zêzere créditos: César Garcia

Em 2018, o biólogo natural de Santarém participou numa palestra intitulada “Conservar a Natureza neste Natal – O exemplo dos Musgos e espécies associadas”, já na altura com o objetivo de alertar para o problema do uso das espécies em vias de extinção nas decorações natalícias. Passados três anos, o especialista diz que o problema não se agravou, mas é preciso insistir na consciencialização.

"Acho que não se tem agravado, mas não tem diminuído. Por acaso, tenho sentido por parte de algumas câmaras municipais, como a de Santarém, de onde sou, um cuidado de não fazer o presépio com musgo", refere o biólogo.

É que são precisamente os presépios de larga escala, como os que fazem parte de feiras e mercados de Natal por todo o País, que contribuem para a problemática. "Não são tanto as famílias, que vão a um local e tiram um pedacinho para o seu mini presépio — o que também é errado, mas menos impactante do que grandes empresas que vão a um local e rapam vários metros quadrados para vender", refere o biólogo escalabitano.

Uns são vendidos, outros apanhados e admirados mais tarde, sem se saber o impacto que isso tem no ecossistema. "Muitas vezes ouvimos falar nas notícias de presépios gigantes, com largos metros quadrados de musgo apanhado num talude qualquer, numa montanha", refere César. O problema é que esse musgo usado durante, no máximo, dois meses em que os presépios estão expostos, demora, no caso de algumas espécies, 20 anos a voltar a desenvolver-se de novo na natureza.

Umas das espécies de musgo mais utilizadas durante o Natal
Umas das espécies de musgo mais utilizadas durante o Natal créditos: César Garcia

Existem medidas de proteção?

Sendo uma espécie em vias de extinção, o natural seria haver medidas que protegessem as espécies de briófitos (musgo). E há, no entanto, falha o controlo.

"Infelizmente, não há fiscalização, não há controlo. Apesar das tentativas. Se formos ali ao Mercado da Ribeira, no Cais do Sodré, podemos observar à venda caixas de musgo e líquenes, também protegidos por lei. É vendido como musgo branco, mas são líquenes", denuncia o biólogo.

Líquenes
Líquenes créditos: César Garcia

A Associação Nacional de Conservação da Natureza, Quercus, também reconhece um problema na aplicação das medidas de proteção. "Às vezes, há legislação geral sobre espécies em que num anexo está uma espécie com o nome cientifico, com o objetivo de chegar às pessoas ou às autoridades para saberem que aquela espécie é protegida ou que não deve ser recolhida. Mas quando não conhecem as espécies e não sabem identificar, normalmente não é fácil", explica Domingos Patacho, técnico das florestas da Quercus.

Já a engenheira florestal e responsável pelo projeto Criar Bosques da Quercus, Paula Nunes da Silva, também ouvida pela MAGG, sabe que em áreas protegidas não se pode tocar, mas não tem conhecimento se existe um quadro legislativo que leve à coima. "Sei que, por exemplo, no parque da Peneda Gerês, já se verificaram casos em que as pessoas vão tentar buscar musgo, mas os agentes da natureza acabam por abordar as pessoas e fazem a sensibilização. Já se estivessem a apanhar azevinho, aí já há um quadro legal que lhes permite, provavelmente, passar multa", diz.

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Além disso, o especialista da Quercus, Domingos Patacho, lembra que, no que diz respeito às pessoas que recolhem musgo para os presépios de casa, têm-no feito por desconhecer que é uma espécie em vias de extinção. Ainda assim, será uma situação pouco frequente hoje em dia.

"Estamos a falar de uma questão cultural. A pessoas que vivem no campo, que têm musgo debaixo das suas árvores, tiraram um bocadinho e isso se calhar podia inverter-se. E tendencialmente estará a inverter-se", diz Domingos referindo-se às pessoas que vivem nas cidades a acabam por recorrer mais a alternativas artificiais — levantando aqui uma outra questão.

Musgo natural vs. artificial de plástico

Basta falar em plástico e eis que se acende um alerta vermelho. Tem vindo a ser banido com medidas como a proibição da venda de plásticos de uso único em restaurantes, cafés e bares, mas a ideia não é deixar de usar plástico para abusar do papel. E o mesmo acontece com o musgo.

"O ideal é usar-se cascas de árvores antigas, coisas naturais, mas que não causem impacto", sugere o biólogo César. Madeira morta que resulta das limpezas das florestas também não é uma opção, dado que tem "insetos, fungos, bactérias, um ecossistema em equilíbrio que se degrada" e de parte ficam também plantas autóctones de habitats de continuidade ecológica — "florestas em que as condições ambientais estão em equilíbrio há muitos anos".

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Como alternativa, o biólogo sugere que as pessoas criem "searinhas" que façam germinar milho painço, aveia e cevada e o técnico de florestas da Quercus propõe adicionalmente o uso de "folhas secas de árvores, coisas que não impactem a natureza".

Além disso, hoje em dia são várias as alternativas no mercado, incluindo nas feiras de Natal com artigos de artesanato, como presépios de barro pintados à mão, em madeira ou até com materiais reciclados — formas de não deixar cair a tradição e garantir a sobrevivência das espécies de musgo.

"É uma questão de princípio"

Para ambos os especialistas da Quercus e para o biólogo, a sensibilização é o que mais importa. É verdade que o musgo é um tradição com muitos anos, mas também que, nos próximos tempos, variadas espécies de musgo podem desaparecer. A melhor forma de travar é "basicamente é não comprar musgo", refere César Garcia, que apela ao bom senso ao lembrar os benefícios dos briófitos na natureza.

"Os musgos criam um ambiente húmido, fixam o solo, combatendo a erosão e a perda de solo, fazem com que a água quando chove não forme turbilhões e, muito importante, criam condições para que várias espécies de sementes, de herbáceos [plantas de caule mole] e arbustos, se fixem e germinem", explica.

Já o técnico das florestas fala numa "questão de princípio" que poderá levar à solução do problema. "Deve alterar-se o comportamento, evitar preventivamente usar espécies ameaçadas. E mesmo que exista uma lei, não funciona, tem de ser através da sensibilização", conclui.

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