Há várias coisas que não podem faltar na mesa de Natal. Para muitas famílias, uma delas é o bacalhau. Não dispensam este peixe na noite de 24 de dezembro, seja cozido com legumes ou mais elaborado, no forno. Mesmo que esteja delicioso, com todos os doces e acompanhamentos disponíveis, torna-se difícil comer tudo.
Já se deve ter deparado com sobras de bacalhau depois da Consoada. O que fazer com elas? Certamente não será fácil convencer os miúdos a repetirem esta refeição. Mas e se, com o peixe que resta (e até os legumes que não se comeram), conseguisse fazer outros pratos?
A MAGG falou com o chef Júlio Fernandes, há 14 anos responsável pelo restaurante D'Bacalhau, no Parque das Nações, em Lisboa, de modo a perceber como é que se pode evitar o desperdício do bacalhau da Consoada. O chef ensinou-nos duas receitas: uma de roupa velha e outra de pataniscas.
Como fazer pataniscas galardoadas
As pataniscas do chef Júlio atraem milhares ao D'Bacalhau — e até já ganharam prémios. A receita destes pedaços de bacalhau desfiado fritos conseguiu o 1º lugar na segunda edição do concurso promovido pelo festival Peixe em Lisboa, em 2018, passando a ser considerada a melhor patanisca de Lisboa.
Porém, a patanisca do chef é feita com bacalhau cru. "É isso que lhes dá o gosto e a textura. Mas em casa aproveita-se o bacalhau", explica o chef à MAGG. Ao bacalhau que sobrou "tira-se-lhe as peles e tira-se-lhe as espinhas". "Numa tigela cortamos cebola muito fina, salsa, cebolinho e um bocadinho de alho e de pimenta", continua o chef.
Depois, "mistura-se tudo com o bacalhau cozido". Mas atenção: "isto é um prato que se faz à vista", não havendo quantidades tão lineares assim. "Vai-se mexendo. Na primeira fase, fica argamassa. Então, metemos água da torneira e mexemos. Mas não pode ficar muito líquida, porque ainda vamos acrescentar três ovos inteiros mexidos", avisa Júlio Fernandes.
Em vez disso, "convém que fique pastosa, uma papa". "Ficou muito rija? Põe-se água. Ficou muito mole? Põe-se farinha. Nunca se estraga", assegura, aconselhando a "meter o dedo" para provar e verificar se precisa de sal (e de quanto). Para verificar a consistência, tem de espetar uma colher ou um garfo.
"O truque da colher ou do garfo é essencial para saber se está no ponto. Mete-se no meio da polme e, se ficar firme e hirta, precisa de água. Se cair logo, está muito líquida e precisa de farinha. Tem de cair devagarinho", ensina o chef, que garante que este truque "bate sempre certo".
A partir daqui, é "dar gás à patanisca". Literalmente, com recurso a água com gás. Mas não é uma qualquer: "tem de ser" água da marca Castello. "Tem que ver com o polme. Assim ficam fofinhas por dentro e crocantes por fora", justifica o chef Júlio, que, para "uma vazia de pataniscas", aconselha a colocar "um quarto de uma garrafa de água com gás Castello".
Para a fritura, utilizar "óleo de girassol e farinha para bolos Branca de Neve". Depois de fritar as pataniscas, "tem de ter o cuidado de arranjar um guardanapo para tirar a gordura maior" e "comer com as mãos para ver se estão embebidas em óleo". "Para chegar a esta receita demorei muito tempo. Estraguei muitas pataniscas", confessa o chef, que partilha com a MAGG a receita ganhadora.
O segredo para a melhor roupa velha
"Estou a salivar", admite o chef, nesta fase da conversa, sempre bem disposto. A roupa velha, prato típico português feito utilizando restos de bacalhau, é outra das alternativas para o pós-Consoada. "Eu faço a minha roupa velha aproveitando tudo o que no dia anterior existiu", diz o chef.
Do bacalhau às couves, passando pelas batatas e pelos ovos, Júlio Fernandes mistura tudo. "Coloca-se alho novo, corta-se fininho e põe-se dentro de um tacho com muito azeite. A roupa velha merece bom azeite, porque é o que vai dar o gosto", sublinha o chef do D'Bacalhau.
Junta-se "um bocadinho de colorau e um bocadinho de vinagre a gosto", que, "se puder ser de maçã, é melhor", por ser "menos áspero". "Quando já está quase pronto, pegar num bocadinho de farinha Branca de Neve e polvilhar. Depois, misturar tudo. A farinha mistura-se com o azeite e engrossa", afirma, garantindo que "não são só as batatas misturadas com o bacalhau de ontem".