"Angry white male". O termo nasce nos Estados Unidos, no final da década de 90 e designa, de forma depreciativa, homens caucasianos, com visões do mundo conservadoras e que se opõem de forma veemente a políticas liberais, a movimentos feministas e de defesa dos direitos civis (de minorias étnicas, comunidade LGBTQ+, etc).
Alargando o termo a um contexto social (e ao nosso), podemos dizer que este "homem branco zangado" é alguém que escolhe (muitas vezes de forma inteligente) ter a sua visão do mundo, parcial e enviesada, e que não admite ser contrariado. Recusa factos comprovados, como a discriminação de género e racial, abomina feministas (na realidade, tem um ódio latente a mulheres em geral, embora consiga manter relações com elas, desde que tenha um ascendente de controlo e subjugação), e glorifica a violência emocional e verbal, travestindo-a de "frontalidade e honestidade".
E é aqui que entra Rui Pedro. Se há exemplos melhores na nossa sociedade de "angry white males"? Há, é só fazer uma pesquisa rápida nas caixas de comentários das redes sociais e encontrá-los, normalmente usando chavões como "as feministas são todas umas ressabiadas", "all lives matter", "os homens também são discriminados", "eu não sou agressivo, sou frontal" e coisas do género.
Mas é do Rui Pedro que se fala desde esta madrugada, quando decidiu abandonar a casa mais vigiada do País e, portanto, é sobre ele que vamos discorrer. Rui Pedro foi onde nenhum concorrente, em 20 anos de reality shows em Portugal, tinha ido: à calúnia sobre a pessoa que encarna a voz do Big Brother. Novamente sancionado devido a comportamentos histérico-infantis (desrespeitar as regras de um concurso no qual entrou de livre vontade, proferir alarvidades com uma voz cavernosa e ameaçadora quando alertado para essas infrações, insultar e ameaçar verbalmente a única pessoa que não claudica perante as suas ameaças — curiosamente uma mulher jovem e independente de 20 anos, Joana), Rui Pedro perdeu o controlo à coisa e, em desespero, acusa o soberano da casa de "traição".
Argumenta que o Big Brother "apreciava a estratégia" de querer ser nomeado e, quando contrariado pela entidade, mete os pés pelas mãos e argumenta que existiu uma alegada traição. Quando se vê encostado à parede, qual animal acossado, pega em peças de roupa avulsas, tapa algumas das câmaras do closet e atira: "o que fizeram comigo foi traírem-me". E diz que não quer que o filmem porque já não é concorrente.
Porque esta é a retórica do "angry white male". Quem o contraria, mente. Quem discorda das suas opiniões, está errado. Quem se atreve a confrontá-lo, está a colocar em causa o seu domínio e, portanto, tem de ser eliminado. Aquando a saída da casa, transmitida em direto no "Extra", Rui Pedro, com a maior e a mais distinta lata e falta de noção alguma vez vista em direto na televisão portuguesa, diz: "não desisti, abandonei". Qual é a diferença? Não consigo perceber. Se importa? Não.
O que importa aqui perceber é o fenómeno "angry white male" e o que podemos aprender com ele. Conheço cada vez mais homens da minha geração (tenho 37 anos) com comportamentos muito semelhantes aos do Rui Pedro. E, por mais que eu os tente entender, compreender as razões de tanta revolta, de tanto desfasamento da realidade, é-me difícil sentir empatia por alguém que, estando numa condição de privilégio numa sociedade que ainda é profundamente patriarcal, misógina, racista e homofóbica, se sente sempre em desvantagem e destituído de direitos.
Pode parecer ao leitor que estou a fazer um exercício esticadinho de comparação entre Rui Pedro e um fenómeno cultural mais abrangente, mas não é assim tão descabido, se pensarmos nas pessoas que o concorrente teve coragem de enfrentar ao longo destas semanas: só enfrentou, confrontou, discutiu e humilhou verbalmente mulheres. Aliou-se a homens que considerou não serem sua concorrência física e mental e que lhe foram sempre submissos (Carlos, Renato, Michell, bons rapazes, sem dúvida, mas claramente amedrontados pela possante liderança pelo medo que Rui Pedro foi impondo).
O único que o confrontou, André Abrantes, é curiosamente um homem que não corresponde a este estereótipo: sensível, sensato (pronto, disse umas asneiradas sobre a questão da homossexualidade ali no início, mas acredito que não tenha sido por preconceito, mas sim por despeito), ponderado e, sobretudo, seguro. E se há coisa que os "angry white males" detestam, mais do que mulheres que têm a sua própria voz e não lhes são submissas, são homens que não querem fazer parte da sua tribo.
Esta edição do reality show detém o triste recorde de quatro desistências e expulsões, todas relacionadas, embora de formas diferentes, com questões de saúde mental. Da óbvia instabilidade emocional de André Filipe, até à fragilidade em que se encontravam Luís e Bruno, passando pela grave dificuldade em gerir a raiva de Rui Pedro, é um número alarmante de pessoas cujo equilíbrio não estava (nem de perto nem de longe) garantido.
Claro que podemos argumentar que é só um programa de televisão e que quem lá está, está porque quer e arrisca-se às consequências. No entanto, e sobretudo depois de a questão da saúde mental ter sido um tema omnipresente no "BB2020", não estaremos a ir de cavalo para burro, num programa que usa tanto o epíteto de "os portugueses estão a ver-vos"? Se estão (não todos, claro, mas ainda são uns bons milhares), que raio de mensagem é que a TVI quer passar com "Big Brother - A Revolução"? O triunfo dos bullies, o vale-tudo? Não consigo entender. E, sinceramente, já só quero que chegue o dia 31 de dezembro para ver aquela casa vazia. E que "Big Brother - Duplo Impacto" seja diferente porque, se é para serem mais três meses deste arroz, eu cá prefiro ir cavar batatas.