Em fevereiro passado, quando o País estava mergulhado no mais doloroso período de confinamento desde o início da pandemia da COVID-19, eu fiz parte do grupo de pessoas que zurziu contra Diogo Faro. Em causa esteve uma foto, captada durante a passagem de ano, em que o humorista surgia com um grupo de amigos, numa altura em que os ajuntamentos (mesmo os familiares) estavam proibidos.
Diogo Faro pediu desculpa. Os meses passaram, a pandemia abrandou mas o ódio contra o humorista não. Diogo lançou um podcast, ironicamente intitulado "E a Tua Passagem de Ano?", no qual reflete sobre temas da atualidade. Mas, ao contrário do que seria de esperar, o sentimento coletivo de antipatia por ele não diminuiu.
E voltou (e em força) na semana passada, quando Faro relatou o alegado confronto com o jornalista da SIC Nuno Luz, em pleno aeroporto de Budapeste, Hungria. Houve até quem, mesmo não sabendo da verdade dos factos (não só porque não estava lá mas também porque, até à data, ainda não foram revelados nem vídeos nem imagens do alegado confronto), aplaudisse a atitude de Nuno Luz e até achasse imensa graça a esta suposta marialvice machona que é a do homem que tenta ajustar contas com outro, fazendo voz grossa e encostando a cara à do oponente.
Não vou entrar em especulações sobre o que terá acontecido (ou não), embora não deixe de estranhar não só o silêncio de Nuno Luz como também o da SIC. Quero antes focar-me neste lastro de vitríolo que parece corroer a existência mediática de Diogo Faro, neste consenso geral em torno da máxima "toda a gente odeia o gajo".
Muitos dos leitores (provavelmente a maior parte) não saberão quem é Diogo Faro ou terão apenas uma vaga ideia. Portugal, um país já de si pequeno, tem um microcosmos tuiteriano [neologismo derivado da rede social Twitter] ainda mais diminuto, onde um minúsculo conjunto de influenciadores de opinião (onde se incluem jornalistas, políticos, humoristas, especialistas vários, micro-influencers da palavra e haters profissionais) vive e discute a polémica du jour como se fosse o tema fraturante do século.
Há, pelo menos, uma pessoa cancelada por dia e, em abono da verdade, em muitos dias essa pessoa é Diogo Faro. Há uma espécie de "social media gang spank" (acabei de cunhar a expressão, fazendo um mash up maroto entre redes sociais e um subgénero de pornografia), um consenso geral em que todos aceitam tacitamente insultar, ameaçar, desprestigiar ou, num dia de sol, criticar violentamente o humorista. E, sinceramente, seis meses volvidos da tal polémica da passagem de ano (e tendo acontecido tanta coisa tão mais relevante no País), será que ainda faz sentido?
O que é que o homem fez de tão vil, de tão ignóbil para continuar a ser saco de pancada? Aparentemente, nada.
Vivemos tempos de transição naquilo que são os cânones tradicionais de identificação, naquilo que se considera que é um homem, uma mulher, nas expectativas sociais que se criam em relação aos padrões que devemos (ou não) seguir. E Diogo Faro até pode corresponder a determinados estereótipos mas não se encaixa noutros. É um homem cisgénero que pinta as unhas mas escreve sobre futebol . É um defensor de ideais de esquerda mas tem um estilo de vida que muitos podem considerar privilegiado (como se, para se ser de esquerda, cada um tivesse de se cobrir com farrapos e viver numa barraca).
E tenho para mim que muitos dos que continuam a participar nesta atividade coletiva de arremesso-ao-Diogo se sentem incomodados por não o conseguirem inserir numa caixinha, no rótulo do humorista-heterossexual-que-gosta-de-bola-e-bebe-umas jolas. Acresce ainda que se assume como feminista, defensor dos direitos de minorias e fala abertamente sobre o assunto. Mas como não lidera uma ONG nem doa todos os seus ganhos a causas (porque, sei lá, se calhar tem de pagar a renda e as contas da casa), já é um "hipócrita". Ao ponto de, em vez de humorista, já ter sido elevado pelo "Observador" à condição de virologista. O jornal digital dedicou-lhe até um surreal Fact Check, tudo porque Faro disse que "a Hungria tem 70% da população vacinada". O que é que se segue agora? Um Polígrafo ao Fernando Mendes por se ter enganado no preço da nova máquina de lavar da montra de prémios?
Eu sei que estamos todos cansados, mas já arranjávamos outro passatempo.