Quando cheguei a Lisboa, há quase doze anos, houve três coisas que me chocaram de imediato. Ver pessoas a almoçar de pé ao balcão dos restaurantes, perceber que nepaleses são afinal "monhés" e que o melhor pão que se podia encontrar era a broa do Lidl.

Primeiro, aquilo está mais para pão de deus do que para broa, tal é o nível de doçura. Depois, amigos, dizer que o melhor pão que já comeram vem de uma cadeia de supermercados é o mesmo que pôr um pacote de natas na massa e dizer que comeram a melhor carbonara das vossas vidas.

Está na hora de rever padrões e, pelo menos no meu caso, voltar às memórias de uma família que agora não pode estar junta.

Nas minhas mesas cheias de pais, primos, tios e avós, não haver pelo menos um pedaço de pão em frente ao prato de cada um seria tão estranho como nos porem pauzinhos para comer a cabidela.

Lá por cima, o pão entra nas sopas de vinho, numa mistura que pode parecer estranha mas, diz quem gosta, funciona. Pão, açúcar e vinho, num dos muitos desenrascanços portugueses de quem tem poucos recursos para pôr o corpo a mexer. Numa altura sem Prozis ou batidos, era esta mistura com zero interesse nutricional que dava força a quem começava os dias no campo. "Não queres?", perguntava-me sempre a minha avó, perante a minha cara de nojo. "O teu pai comeu muitas em criança e olha como ele está bem". E de facto, o meu pai está ótimo e já tem 60 anos, escusam de chamar a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

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O Natal é cortar cacetes para as rabanadas e esmigalhar pão duro para os mexidos. As omeletes levam broa, cebola e salsa — experimentem, é do caraças — e papas, se falarem com a geração pré-aveia, só mesmo as de sarrabulho, também elas feitas com pão.

Eu venho de um lugar privilegiado, bem sei. Tinha uma avó a fazer pão no forno a lenha e outra dona de uma padaria onde não me lembro de ver pão fatiado à venda. Porquê? Porque não é preciso ter aquele corte estratégico pensado para quem quer armazenar e congelar. Em Ponte da Barca vai-se ao pão todos os dias. Ou ía-se, que nesta vida pós-COVID as rotinas mudaram e quando até o pão muda, amigos, está na hora de agir.

De repente, Portugal acordou para a mistura de farinhas, para a crosta estaladiça e para a manteiga barrada num pedaço de pão cortado à mão — nunca à faca, aprendam com quem sabe. Não sou eu essa pessoa, é o Paulo Sebastião, que me disse isto uma vez no Isco e eu guardei na gaveta mental onde costumo armazenar pins de cartões de crédito.

De repente há uma pãodemia e mais urgente do que armazenar papel higiénico, é acabar com toda a farinha de trigo que existe nas prateleiras. Pelo menos eu não a encontrei da última vez que fui às compras. E também já me disseram que fermento agora, só feito em casa. Isto se quiserem fugir ao caminho fácil daquela latinha de tampa vermelha. Estou a ver-vos seus batoteiros. Vão lixar-se que essa barriga vai inchar como um balão.

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É que isto do pão não tem grande ciência, ainda que o borbulhar que está a acontecer dentro do meu frasco de massa mãe remeta às aulas de físico-química que ignorei assim que percebi que conseguia passar com 3.

Juntar farinha, água, sal e fermento todos conseguimos. Mas entre mais uma reunião no Zoom e uma aula do Paulo Teixeira e da Helena Coelho no Instagram, misture, em partes iguais, farinha e água num frasquinho que possa deixara a respirar num sítio resguardado. Depois, qual Tamagoshi, é só alimentá-lo diariamente e ver se por ali se forma vida. Pode dar-lhe um nome se quiser, nós não contamos a ninguém.

Esse fermento é depois incorporado na mistura de farinha, água e sal, que precisa de amasso, repouso, mais amasso e mais repouso. Sabem do que precisa mais? Paciência, coisa que se todos trabalharmos um bocadinho nem precisamos de sacar apps sobre meditação. É isso e tempo, coisa que abunda em algumas casas, e não pode nem deve ser passado em frente aos filmes maus de puxa lágrima tipo "O Milagre da Cela 7" — com este nome achavam mesmo que ele ia morrer no fim? — ou a ver pornografia seus marotos, que hoje li que o tráfego no site com bolinha aumentou em mais de 30%. Mas entre os dois, pornografia. Sem dúvida. Agora, se à equação juntarem fazer pão, talvez a farinha pese mais do que o orgasmo. 50 gramas para ser mais precisa, a dose que usei para a minha primeira massa mãe e que, à falta de mãe verdadeira por perto, me mata as saudades da minha a pedir para trazer mais broa para a mesa. "Bem me parecia que devia ter comprado duas".

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