Esta semana, morreu o sogro de Luís Montenegro. O líder do PSD e candidato às legislativas pela Aliança Democrática adiou o debate com Rui Rocha (Iniciativa Liberal) para o próximo domingo, 18 de fevereiro. No debate com André Ventura, no dia 14, Pedro Nuno Santos fez questão de começar com uma mensagem de condolências ao seu principal opositor, mensagem essa secundada pelo líder do Chega. E as palavras usadas pelo líder do PS foram curiosas.
"Um dos candidatos nestas eleições teve um infortúnio familiar sério e eu queria dar os meus sentimentos a Luís Montenegro e à sua família".
A parcimónia, a quase vergonha com que Pedro Nuno Santos se refere a uma morte que foi divulgada pelo próprio PSD e noticiada ao longo desse dia, demonstra a clivagem que ainda existe em Portugal entre o efetivo interesse que o público tem na vida privada dos políticos, a forma como esse interesse é tratado pelas máquinas de comunicação política e por uma parte da comunicação social (e, neste campo, há uma divisão notória, mas já lá vamos).
Ao contrário de países de tradição anglo-saxónica, em particular dos Estados Unidos, raça, religião, casamento, orientação sexual, vida familiar, não têm tanto peso na construção da imagem pública dos políticos em Portugal (e na maioria dos países europeus). A história prova-nos que, ao eleitor português, interessa pouco se o político não é casado (caso de Marcelo Rebelo de Sousa), se não é branco (caso de António Costa), se não tem filhos (caso de André Ventura), se é homossexual (casos de Mariana Mortágua, que falou publicamente sobre a sua orientação sexual em abril de 2023). Interessa, sim, que inspire confiança, competência, e que pareça (e / ou esteja) equipado com as qualidades necessárias para a liderança.
Mas, nos últimos anos, as coisas têm vindo a mudar. Não só porque a exposição da vida familiar, amorosa e, até certo ponto, privada, dos políticos saltou do território onde habitou placidamente durante décadas (as chamadas "revistas cor de rosa", cujo nome mais correto será revistas femininas, de sociedade e televisão) para a televisão, para as redes sociais, para os podcasts, como as máquinas de comunicação política já fazem uso desse apelo à emoção para humanizar os seus candidatos (casos mais recentes de Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, que têm nas suas redes sociais vídeos com imagens da infância e testemunhos de familiares).
Daniel Oliveira (o que faz chorar) foi pioneiro na entrevista de carácter mais intimista a políticos (Jerónimo de Sousa foi, em 2011, o primeiro a ser entrevistado no "Alta Definição", seguindo-se António Costa, também no mesmo ano). Mas antes, em 2009, "Gato Fedorento Esmiúça os Sufrágios", assegurava a presença dos candidatos às legislativas num registo mais informal e humorístico, tendência seguida depois pelo "5 Para a Meia-Noite" em 2011 e, anos mais tarde, por Ricardo Araújo Pereira em "Isto é Gozar com Quem Trabalha". Herman José, como em tudo, foi o grande responsável, ainda na década de 1990, de tirar os políticos do seu pedestal sisudo e trazê-los até ao campo do entretenimento. Com a mestria que lhe conhecemos, de resto.
Chegados a 2024, difícil é encontrar programa, podcast, videocast, em que um político não esteja ali para fazer um visto na frase "isto não é uma entrevista, é uma conversa".
Nesta pré-campanha, Luís Montenegro leva clara vantagem sobre a concorrência. A sua entrevista no "Alta Definição" já foi transmitida, esteve mais de uma hora à conversa com Cristina Ferreira e Cláudio Ramos no "Dois às 10". O seu à vontade com as emoções, a falar sobre os filhos, sobre as perdas do pai e do irmão, não são fabricáveis, e isso passa para o telespectador. Não sei se ajuda a conquistar votos, mas que o aproxima de um certo eleitorado com mais idade, que é quem ainda vê programas de daytime, lá isso aproxima.
Coincidência ou não, na mais recente sondagem da Intermcampus para o "Jornal de Negócios" e "Correio da Manhã", divulgada a 14 de fevereiro, a Aliança Democrática ultrapassou o PS nas intenções de voto dos auscultados.
O primeiro power couple da política portuguesa
A escolha da imagem de Mário Soares e Maria Barroso para ilustrar esta reflexão não é inocente. Soares e Barroso foram primeiro - e até agora único - power couple da política portuguesa. Maria de Jesus Barroso nunca se limitou a ser a figura decorativa expectável para uma primeira-dama. Fundadora do Partido Socialista, teve uma carreira política ativa e, mesmo depois de o marido se tornar presidente da República, nunca deixou de lado o ativismo social. Depois da passagem por Belém, exerceu cargos de relevo em organizações como a Cruz Vermelha e a Fundação Aristides de Sousa Mendes. Maria Barroso foi a nossa Michelle Obama, lugar que mais nenhuma sucessora, quer em São Bento, quer em Belém, conseguiu ocupar.
E, olhando para o panorama destas legislativas, ainda menos expectável é que isso aconteça. De todos os parceiros dos candidatos, a mulher de Luís Montenegro ainda é a que vai aparecendo publicamente, aqui e ali. É certo que a figura de primeira-dama não existe no cargo de primeiro-ministro (porque temos um regime semipresidencialista), mas Fernanda Tadeu, mulher de António Costa, ocupou esse espaço deixado vago por Maria Cavaco Silva aquando a saída do marido de Belém, uma vez que o atual ocupante do palácio é divorciado.
Pedro Nuno Santos já deixou claro, em entrevista a Júlia Pinheiro, que a mulher, Catarina Gamboa, não vai sair do anonimato por causa da sua carreira política. Dina Nunes, mulher de André Ventura, já esteve presente em ocasiões públicas, mas nesta pré-campanha ainda não a vimos (posso estar errada, mas creio que não). Sobre Rui Rocha, Rui Tavares, Inês Sousa Real e Paulo Raimundo apenas sabemos que são casados e / ou vivem em união de facto.
E isto é realmente importante? Depende. Olhemos para a história. Durante 30 anos, políticos como Mário Soares, Aníbal Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa souberam posicionar-se com mestria, abrindo as portas de casa de forma controlada, às chamadas revistas cor de rosa. Produções fotográficas com os filhos e netos no Natal, imagens de 'papparazzi' (umas mais espontâneas do que outras) na praia, habitualmente no Algarve, entrevistas a publicações deste segmento, falando sobre temas mais mundanos, mantiveram-nos, mesmo quando já não exerciam ou ainda não exerciam cargos políticos, em permanência na agenda mediática e com a proximidade certa do público certo.
Estes políticos cresceram com os portugueses, envelheceram com eles, e foram companhia não só na televisão, mas também nas revistas que estavam pousadas nos consultórios, nos cabeleireiros, na mesinha do café na sala de estar. E mesmo José Sócrates, aparentemente avesso à exposição da vida privada e familiar, sabia, naquelas célebres férias num hotel de luxo no Algarve, que estava a ser fotografado, na sua reclusão estival, ora de livro na mão, ora num mergulho solitário.
Pedro Passos Coelho marcou um antes e um depois na forma como os meios de comunicação social faziam a cobertura estival das suas férias, ao convocar conferências de imprensa em plena Manta Rota, no Algarve, onde fazia um passeio na praia com a mulher, concedendo assim material ilustrativo para a época do pousio e também para os temas quentes do momento. E é curioso que, numa primeira fase, só as ditas "revistas cor de rosa" respondiam à chamada mas, com o passar dos anos, lá foram aparecendo as televisões e os meios ditos 'sérios'. Os mesmos que, de resto, ano após ano, molham o pezinho em artigos light, do género "As férias dos políticos", sempre sem mergulhar de cabeça no viscoso lodo da - cof cof of - "exposição gratuita da vida privada".
Também as tragédias pessoais da vida dos políticos ficam marcadas para sempre na memória coletiva: o acidente aéreo que João Soares sofreu em 1989, que o atirou para uma cama de hospital ao longo de vários meses; a morte da mulher de António Guterres, em 1998 e, mais recentemente, a morte da mulher do antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, em 2014.
Numa era pré-redes sociais ou quando estas ainda estavam a despontar, o olhar do público era mais ingénuo em relação a estas estratégias de comunicação. Atualmente, o eleitor já topa à distância quando um reel pensado por 15 spin doctors é verdadeiro ou quando é apenas cringe. Isto já para não falar do eleitorado mais jovem, que se contrai de vergonha alheia com as tentativas de alguns políticos nessa rede social cruel que é o TikTok.
O povo é muito mais sensato do que, por vezes, queremos crer e pode só fingir que se deixa levar em cantigas. Mas construir uma boa cantiga, parecer ser do povo, mesmo que não se seja, é uma arte difícil de dominar e que só está ao alcance de muito poucos. Porque - parafraseando Pedro Homem de Mello, referindo-se a Amália Rodrigues, é preciso saber "subir até ao povo".