Nove da noite de uma segunda-feira. Saí de casa a essa hora porque já sei os horários dos supermercados de cor e, se fecha às 21 horas, é certo que minutos depois, os contentores em frente à entrada estarão cheios de comida. Duvida? Ora abra um e espreite lá para dentro.
É que não será por acaso que 88 milhões de toneladas de comida são desperdiçados por ano na Europa e um milhão em Portugal. O número é tão irreal que chega a ser difícil materializá-lo, não é? Tente então imaginar as 50 mil refeições deitadas ao lixo todos os dias em Portugal. Sim, 50 mil. E não abra a boca de indignação, muitas delas vêm de sua casa, que aqui não há inocentes.
Mas o problema começa antes, quando ainda nem saímos do supermercado com os sacos cheios de comida que, lá está, em parte acabará no lixo. O problema começa naquelas prateleiras cheias, luminosas e estrategicamente montadas para tornar tudo mais apetecível. O problema está na maçã que por ter sido tocada já não é vendida, ou pelo frango assado que, por já ter mais de quatro horas na montra, tem que ir para o lixo. Sim, é isso mesmo que acontece.
E o que acontece também, por muitos protocolos que existam para que a distribuição seja feita por quem mais precisa, é que grande parte da comida que não se vende vai mesmo para o lixo.
Nesse dia, às nove e tal da noite, em frente a um Continente de Lisboa, encontramos um contentor cheio de pão e outros três que nem fechavam totalmente tal era a quantidade de bolos, fruta, legumes e até refeições prontas que o enchiam.
É certo que nem tudo estava em condições de consumo, mas foram muitas as vezes em que a minha boca se abriu de espanto. Uma delas foi quando peguei numa embalagem de uvas sem grainha Vale da Rosa, todas intactas e sem data de validade que justificasse o terem sido descartadas. Sabem quanto custam essas uvas? No mínimo, 2,50€.
Mas há mais, porque no regresso a casa deu tempo para passar também num Go Natural. Aí então, já nem sabia se abria a boca de espanto ou de horror. À porta estava um saco cheio, mas mesmo cheio, de comida enlatada para cão. E toda a gente sabe que num Go Natural não falamos de Pedigree. A marca tem um nome impronunciável e nenhuma das latas custa menos do que 2,50€.
Não me lembro da data de validade, mas acredito que tenha sido esse o motivo para que tenham acabado no lixo. Ainda assim, amigos, é comida enlatada para cão. Não estamos a falar de peixe cru para consumo humano.
Havia ainda um saco maior do que aqueles de lixo cheio de abacaxis e, nesse caso, foi mesmo difícil descobrir o porquê. Lá bem no fundo, apalpamos uma textura mole e percebemos que talvez um deles já estivesse estragado. Mas e os outros 20? Serviram para fazer sumo, chá e sobremesas em minha casa. É que estava bem docinho.
Não quero com isto que boicotem as compras e mergulhem em contentores do lixo todos os dias. Desafio-vos apenas a, quando passarem por uma entrada de supermercado, reparem no que se passa à porta. Não fechem os olhos como fazem com o que se passa nos matadouros ou nos autocarros da Vimeca na Amadora. Abram-nos bem. Só assim podem escolher se preferem virar a cara e continuar caminho ou se passam a escolher a fruta mais madura ou o iogurte com o prazo de validade mais curto. É que esses, são os primeiros a ir para o lixo.