Um tem 37 anos, de origens muito humildes. Cresceu sem nada, batalhou anos a fio para conquistar um lugar. Tirou toda a família da pobreza graças ao seu trabalho. Um trabalho físico, duro, muitas vezes ingrato. Com prazo de validade.
O outro tem 38 anos, é originário de uma linhagem de reis e rainhas com quase um milénio de História. Cresceu privilegiado, com acesso a tudo o que se possa imaginar, rodeado de reverência. Escolheu virar as costas à família de sangue para poder criar a sua própria família. Renunciou ao que, para nós, comuns mortais, aparenta ser apenas dinheiro e privilégio, mas que, para alguém que nasceu com a identidade fundida na de uma Nação, será algo muito mais complexo. E definidor de identidade.
O que é que estes homens têm em comum? São multimilionários, reconhecidos por praticamente todos os habitantes do planeta. São pais, estão prestes a chegar aos 40 anos. Vivem pontos de viragem nas suas vidas. Experienciaram a perda, a desestruturação familiar, o abandono numa fase crucial da vida, a adolescência.
A sua identidade está associada ao reconhecimento do público. Têm uma relação complexa, muitas vezes conflituosa, com o mediatismo. Mas não conseguem viver sem ele. E estão magoados. Um magoado com a família, com uma instituição, o outro magoado com o Mundo, talvez com Deus, com a perda de um filho, com o próprio corpo, que já não lhe permite ser sobrehumano.
Estes dois homens cresceram, como tantos da sua geração, a serem ensinados a não exporem os seus sentimentos, que fragilidade e masculinidade não casam, que um homem tem de ser o sustento da casa. E essas ideias, por muito que as queiram combater, ainda lá estão. A dificuldade que têm em lidar com a própria vulnerabilidade ( e com a dos outros) condiciona-os. E gera revolta.
Independentemente do que possamos pensar dela, da sua ambição, Meghan Markle é a sorte de Harry. Uma mulher com mais estrutura emocional, com mais vivências que, por não depender financeiramente dele, não precisou de se acomodar ou se moldar para lhe agradar. Harry teve a sorte de encontrar uma companheira que lhe deu mundo, em termos emocionais, e que o ajudou a começar a resolver muitas coisas que estão, há anos, paradas ali dentro: a perda da mãe, a distância do pai, as comparações com o irmão, a falta de uma vocação, de uma função concreta. Se é este o caminho certo a seguir, ninguém sabe. Mas falar, quando se esteve tanto tempo calado, não pode ser assim tão mau.
Independentemente do que possamos achar da família e dos mais próximos de Ronaldo, todos os que o rodeiam dependem financeiramente dele. E quem é que vai arriscar enfrentar o seu ganha pão? Pouca gente. Cristiano Ronaldo (que espero que esteja a ser acompanhado por um bom psicoterapeuta, e não por vendedores da banha da cobra, como os Jordan Peterson da vida) está sozinho e isolado.
Revoltado com a sua finitude, com a morte, com o facto de não conseguir controlar tudo, sem ferramentas que o ajudem a gerir essa revolta, para ter paz para as próximas décadas da sua vida. Condicionado pelo espelho, no qual vê uma imagem do que já não é. Iludido pela adoração de milhões, como se isso, da porta para dentro, trouxesse algum consolo.
E um multimilionário revoltado e fragilizado atrai tudo o que é abutre, interesseiro e manipulador, os Piers Morgan da vida, mascarados de conselheiros e ombros amigos, sedentos de sacar uma côdea à custa de CR7. Quem é que o vai ajudar se ele não decidir ajudar-se? Ninguém.
Se estes dois homens se juntassem, talvez tivessem uma conversa interessante. Seria sobretudo, uma conversa desinteressada.