Os leitores perguntam, a psicóloga Sara Ferreira responde. É assim todas as semanas. Saúde, amor, sexo, carreira, filhos — seja qual for o tema, a nossa especialista sabe como ajudar. Para enviar as suas perguntas, procure-nos nos Stories do Instagram da MAGG.

Querida leitora,

Acho sempre engraçado quando algumas mulheres dizem umas para as outras: “Sabes porque é que ele saltou fora? Porque não consegue lidar com mulheres independentes”, e em resposta a amiga vira-se, balanceia afirmativamente a sua cabeça e conclui: “Pois é, sei bem o que é isso. Os meus ex também não suportam uma mulher de sucesso”.

Também costumo encontrar (e não tão raras vezes quanto isso) mulheres que descobrem na justificação “Já não se encontram homens” o álibi perfeito para estarem sozinhas. E tudo maravilhosamente bem com isso, contando que elas não acreditem (de facto) no que estão a dizer.

Bom, para ser franca, responder à sua questão sobre se “É verdade que os homens tendem a ter medo de mulheres muito independentes e com sucesso?” de uma forma categórica e taxativa seria um disparate (e muito anti-científico). E porquê? Porque quer fosse para responder que “sim” como para lhe dizer que “não”, ambos não passariam de uma absurda e grotesca generalização.

A vida, o mundo, as pessoas em geral e os homens em particular são uma rica tapeçaria de imensa textura e tonalidade à sua volta e cada secção contemplada assume frequentemente as cores do nosso olhar.

Se procurar, encontrará, sim, homens que se amedrontarão com uma mulher “muito independente”. Mas continuando a escavar achará muitos outros para quem tudo isso não passa de um mito. Por outro lado, se continuar a olhar à sua volta, poderá com certeza observar “mulheres muito independentes e com sucesso” sozinhas e mal amadas, da mesma forma que com certeza conhecerá outras mulheres com tais características de independência e sucesso acompanhadas, solteiras ou casadas, profundamente nutridas e amadas (pelos respetivos… homens).

Eu tenho até uma estatística muito simples para esta questão, fruto daquilo que vou vendo em consultório e que passo a apresentar: para cada mulher que me surge com o discurso de que a sua suposta “independência” apavora os homens, posso afirmar que também existe outra mulher independente e bem sucedida a sair-se muito bem na dança do acasalamento.

Então, de onde vem essa ideia, na era em que vivemos, de que uma mulher independente e com sucesso espanta os pessoas do género masculino?

O discurso de que os homens não estão preparados para essa “nova” mulher seria algo revolucionário no tempo da nossa avó, que se se quisesse separar, conduzir, fumar, ingressar numa universidade, votar, trabalhar (num emprego fora de casa) e partilhar as tarefas domésticas com o marido talvez fosse o suficiente para ser mal falada na cidade ou ser rotulada como “assustadora” para a sociedade (tanto para homens quanto para mulheres). Mas eram as nossas avós, na época das nossas avós.

Caríssima, essa ladainha em 2019 já não dá.

Uma coisa é assumirmos para nós mesmas que somos solteiras “convictas” e felizes da vida, sentindo-nos certas das nossas escolhas ou "desescolhas" e seguras de que existe neste mundo um mar de possibilidades que nos aguardam (independentemente de se os homens alcançarão essa maturidade ou “independência”). Outra coisa é quando não nos cansamos de nos fazermos de vítimas, insistindo em encarar os homens como incapazes (provavelmente por um defeito genético atribuído ao simples facto de possuírem o cromossoma Y…).

Entende o que quero dizer, aqui meio a brincar, meio a sério?!

Se nós nos adaptámos aos novos tempos, acredite que eles (muitos deles) também! É claro que talvez (todos) ainda precisemos de uns ajustes aqui e ali, mas fora isso “está tudo bem”.

Agora, com quem é que a leitora convive? Partindo do pressuposto de que hoje, tal como eu ou a leitora, a condição de “independência” da mulher é-lhe inerente e natural, onde é que, nos dias que correm, vai desencantar esses homens aparentemente despreparados para essa “nova” mulher que é você, que sou eu e quase toda a gente?

O que mais oiço dos meus pacientes homens é a sincera confissão do que mais querem é, sim, mulheres parceiras, com carisma (e com carinho) e não dependentes. Eles choram no meu “ombro” por causa de um pontapé no rabo.

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Muitos deles, quando afundados nesse estado de dor emocional mais intenso e alterado acabam por murmurar (pensando eles que eu não ouvi ou consigo “decifrar”) que as mulheres “não valem nada” ou que “são muito complicadas”, incorrendo aqui (lá está, toca a todos) numa monumental distorção cognitiva (de pensamento hiper-generalizado) que não faz bem a ninguém e só nos afasta “uns dos outros”. Quando a verdade é apenas esta: todos (homens e mulheres) só queríamos ser felizes.

Porém, o que muitas vezes acontece é que eles, os homens, ficam perdidos sem saber como agradar a uma mulher que, na verdade, não sabe o que quer porque cresceu a acreditar que pode querer tudo. E realmente pode. Só que muitas vezes acaba por transmiti-lo de uma forma autoritária e impositiva até. Outras vezes, muitas querem competir com o homem e perdem a “feminilidade” e um certo jeito mais subtil e dengoso, se quiser, de levar a água ao seu moinho.

Não, não podemos afirmar que os homens fogem de relacionamentos com mulheres que dizem o que pensam e que exercem das suas vontades e outras (legítimas) liberdades pessoais. O problema é que na vida real os homens (e qualquer ser humano) fogem de pessoas “casca grossa” que acham que têm razão o tempo todo.

Na maior parte dos casos, não é a segurança de uma mulher que assusta um homem. O que assusta é quando ela age com descontrole emocional e não consegue gerir a distinção entre a vida de casal e as vidas individuais. Que reprime as suas necessidades de afeto sob a capa de um desejo de poder e controlo que o suplante. Ou que usa do seu poder pessoal com agressividade, projetando para fora os seus conflitos internos.

Tudo aquilo que as lutas feministas fizeram por nós, mulheres, foi absolutamente lindo. No entanto, emergiram novos conflitos e, na atualidade, percebo que há muitas mulheres que usam o discurso da igualdade para justificar alguns desequilíbrios pessoais, nomeadamente alguma desregulação emocional. Por exemplo, uma pessoa que seja grosseira, bruta, instável, com oscilações de humor muito flutuantes, de reações imprevisíveis, ciumenta, possessiva, demasiado crítica, lamuriante, egocêntrica ou mimada – seja homem, mulher, intersexo, pirilampo mágico ou unicórnio prateado! – ficará mais atreita a não encontrar quem a acompanhe de qualquer forma.

Do que os homens fogem (e as mulheres também!) é de gente sem noção, que força a barra, exige condições estranhas para seguir numa relação, que manipula, faz joguinhos emocionais e acaba por causar mais prejuízo do que bem-estar e que os possa escorraçar da relação como a um cão mal-amanhado (afinal, na sua “independência” bem que o poderá largar, do pé para a mão, a ficar a ver navios; e fantasiosamente ou não, este é um medo real para muitos).

Por esta ordem de ideias, alguns homens preferem chispar não porque a mulher é independente e segura de si, mas porque essa “segurança” a tornou insuportável.

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Todavia, o facto de muitos homens realmente se mostrarem imaturos do ponto de vista emocional e do relacionamento abriu espaço para muitas mulheres justificarem tudo por conta de ele “agir como um menino”. E até pode agir mesmo, mas digo-lhe uma coisa. Quando ele encontra uma mulher que consegue alavancar a sua maturidade e despertar o melhor nele, o fulano agarra a beltrana com unhas e dentes.

Por outro lado, aquelas mulheres que se acham super “seguras” de si e acabaram de ser postas de parte pela 9.ª vez consecutiva talvez precisassem refletir por um momento que seja sobre isso, com mais calma. Será que isso é só porque ela tem o “azar” de se cruzar apenas com homens imaturos e amedrontados?

Infelizmente, nestas situações, as amigas nunca lhe irão sugerir que talvez, em certos aspetos da relação, ela passe das marcas ou haja com descontrolo emocional, sobretudo quando contrariada ou quando acha que é detentora de toda a razão do universo. Essas amigas provavelmente nem são capazes de denotar esse tipo comportamento, devido a exercerem exatamente o mesmo, e aos próprios “pontos cegos”. Muitas vezes, elas acaba por ser protecionistas ou usam-se das suas próprias experiências frustradas com homens para uma picaretagem incendiária da cabeça e dos sentimentos da amiga. E o pior é que acabam, explícita ou mais implicitamente, por fazê-la sentir e pensar que escolher ser independente e bem sucedida significa ser irremediavelmente desacompanhada e mal amada.

No entanto, para lá das nossas crenças aziagas e das filosofias particulares que podemos ter sobre a vida quotidiana, o mundo pula e avança. E a verdade é que todos queremos a mesma coisa, e nisso estamos todos ao mesmo. Que é o quê? Queremos amor e sucesso. Nunca vi ninguém que não o deseje (a ambos). E conheço um magote de gente que tem precisamente as duas coisas porque isto aqui não é uma competição e uma coisa não tem de excluir a outra. Pode e deve ser para todas as pessoas. Para si, para mim, para o António, para o Manel, para a Joana, a Joaquina, para a Maria Caxuxa, para o Rodrigo, para o João, para a Marta e para todos os seres humanos.

Acredite ou não, cara leitora, no fim do dia, sabe o que é que todas as pessoas (verdadeiramente) desejam para si, num relacionamento? Que o(a) outro(a) o(a) permita ser e aquietar a alma das labutas cansadas. Refastelar os corpos num amplexo apertado, descansar o rabo num assento partilhado e sossegar o coração numa relação feliz e cheia de cumplicidade, de parceria, de vida, de mãos dadas estrada fora e dedinhos entrelaçados. E também de silêncios curadores que signifiquem apenas que aqui estamos nós (e, enfim, sós).

O mundo é um lugar redondo e há imensa gente avulsa por aí (para ser mais exata, 7,7 mil milhões, à data de abril de 2019). Mas pode ter a certeza de que um homem maduro vai olhar para alguém que defende o discurso de ser mal compreendida pelo mundo e pelo homens ou que acredita nesse tipo de “azar” e simplesmente irá sorrir. A probabilidade de ele escolher uma menina destas é diminuta, pois tenderá sempre a preferir encontrar uma mulher ponderada, centrada, generosa e que não caia na cilada pueril de acreditar em (pré)conceitos rasos sobre a vida e sobre as pessoas.

Eu queria saber que termo é mais abrangente e pouco específico do que “mulher independente e com sucesso” no entendimento masculino do cérebro feminino. Independente a que nível? Financeiro ou também (e sobretudo) emocional? Sucesso sob que definição? Das conquistas materiais ou também das vitórias (intra e inter) pessoais?

A verdade é que na essência os valores ou atributos que fazem uma “grande mulher” são exatamente os mesmos que fazem um “grande homem”. E hoje existem novos paradigmas para ambos os sexos. De certa forma, os homens sentem encontrar-se numa espécie de impasse, pois ao mesmo tempo que lhes é exigida potência e auto-suficiência, também lhes é pedida mais sensibilidade, flexibilidade, conciliação e entendimento. E neste sentido, o homem em "relação" com o “seu” feminino é também um polo de debate.

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Os homens que (como é óbvio, também os há) se sentem ameaçados por uma mulher “independente” geralmente são inseguros e tendem a não conseguir relacionar-se com ninguém sem terem de ocupar um papel de “superioridade” ou domínio na relação, muitas vezes fruto do que foram social e culturalmente doutrinados, e como tal não veem tanto um relacionamento como uma parceria. Parecem ter mais necessidade de se colocarem em biquinhos de pés, tendo de subir sempre um degrau face aos outros (e às outras). Mas aí a questão é: e vale a pena uma mulher abalar-se por alguém que não confia no próprio taco?

Mais ou menos independentes, o facto é que todos somos por natureza INTERdependentes. Tanto na criação e manutenção de elos afetivos no âmbito dos relacionamentos ou mesmo na nossa vida em sociedade.

Os estudos são unânimes em afirmar que o compromisso, assim como acontece com as mulheres, é muito importante na vida dos homens (aliás, fique a saber que, comprovadamente, o casamento parece fazer mais por eles do que por elas, inclusive...). E nesse aspeto, em consultório, devo dizer-lhe também que nunca vi grandes diferenças em termos das necessidades de segurança emocional, acolhimento, e poderem contar com um ninho aconchegante no seio de uma relação, que são comuns tanto para mulheres como para homens.

Badernas psicológicas, desequilíbrios emocionais, falta de ética ou carácter surgem em qualquer situação, pois são falhas humanas e não exclusivamente masculinas ou femininas.

Onde quer que esteja a sua trincheira, se conseguir manter a sua integridade e respeito por aqueles que coabitam o seu espaço, seja numa peleja com um Zé ou com uma Maria, o seu universo irá expandir-se e o mundo abrir-lhe-á as portas em todas as direções. Por vezes, quanto mais e mais diferente, melhor.

Até para a semana!