O bug do milénio aconteceu a 19 de janeiro de 2020, algures entre as 21h15 e as 21h45. Mas só para mim, claro. A minha mãe nunca soube precisar muito bem a minha hora de nascimento, mas sei que foi neste intervalo de tempo que levei com a chapada dos 30 anos na cara.

O mais giro? Depois de quatro horas de sono, acordei com uma dor de cabeça de dimensão cósmica, porque o metabolismo já não é o mesmo, porque o vinho servido era barato e porque a noite seguiu para o Lux, odisseia que só terminou às sete da manhã. Tudo começou no meu jantar de aniversário, com baile incluído: comprei uma luz de discoteca numa loja do chinês, pedi uma coluna emprestada, solicitei um duo de DJ não remunerado (as minhas amigas), que nos deliciaram com uma set list que revezava entre Britney Spears, J.Lo e Sean Paul. Agora, expliquem-me: em pequeninos, era com este défice de requinte e glamour que se imaginavam a atingir o marco que nos escorraça definitivamente do estatuto de jovem? Mais: em pequeninos, sonhavam que era disto que iam gostar?

Pois é, a vida corre e enquanto vai rolando, não há ninguém que nos avise. Não há ninguém que nos explique que não, os dilemas morais não vão desaparecer, que não, não acordamos um dia com o quebra da cabeças da existência cracado. 

Não, pequena Ana. Ninguém te vai avisar quanto a isto. A vida vai ser mais ou menos como jogar mindsweeper, o jogo dessa tua década que toda a gente jogou e que nunca ninguém percebeu bem — mesmo que a certa altura, achasse que tinha percebido. Dá-lhe uns aninhos, não falta muito para te deixarem mexer num computador.

É numa conversa com o meu eu de 6 anos que abro esta crónica semanal. De hoje em diante, semanalmente, irei dissertar sobre os atropelos, aventuras e epifanias de uma vida que acaba de se estrear na fase do adulto sem jovem. 

Estas eram as expectativas da Ana de 6 anos. E esta é a minha realidade.

Ana de 6 anos: “Quando for grande vou ter uma casa muito grande”

Ana de 30 anos: Ana, querida, tu vives num T1 em Arroios, e só por acaso é que agora não tens o estendal com a roupa a secar no meio da sala. O teu sofá tem dois lugares e é provavelmente o mesmo em que te deitas agora — não te preocupes, as flores vão desaparecer e ele vai ficar todo azul, com um ar muito vintage, que é uma coisa que neste 2020 fica muito bem dizer. A mãe foi fixe e ofereceu-to, porque os sofás são muito caros. O único problema é que vais ser mais alta, portanto não vais caber nele tão facilmente como nessa década de 90. Nem imaginas como vai ser dividi-lo com outra pessoa. Mas vou parar com os spoilers.

Ana de 6 anos: “Quando for grande vou ser rica”

Ana de 30 anos: lol, Ana, please. Acabei de te explicar que não tens dinheiro para um sofá. Isto porquê? Porque há um momento na tua vida em que vais decidir que queres ser pobre: quando escolheres que queres ser jornalista. Mas é na boa, não te preocupes, vais divertir-te muito, porque vais falar com muitas pessoas e poder fazer muitas composições. Há momentos em que vais ficar muito arreliada por causa do dinheiro, mas depois habituas-te a chegar ao final do mês a viver um dia de cada vez. Até te digo mais: até vais ficar chateada quando receberes o ordenado, porque te habituaste a não gastar. É que ter dinheiro significa que o ciclo 15 dias à burguesa, 15 dias de precariedade está prestes a começar de novo. 

Ana de 6 anos: “Quando for grande vou casar com 25 anos”

Ana de 30 anos: Pois é, Ana. Há um momento da tua vida em que vais ficar muito confusa porque as pessoas no Instagram (é uma cena do futuro bué marada) começaram a aparecer de aliança e tu percebes que chegaste à fase da vida em que já é na boa casar. Um bocadinho antes disso vais começar a pensar nisso do casamento e a questionar se faz sentido para ti, se queres porque queres mesmo ou se queres porque sempre te fizeram crer que é suposto quereres. Não chores querida, não tem mal. Não precisas de marido para ter uma vida feliz e alegre. Podes ter namorado ou até não estar com ninguém. Agora, as mulheres já nem casam todas. Há uma cena que é a independência, que tu vais adorar, até nos 15 dias de precariedade. Juro.

Ana de 6 anos: “Quando for grande vou ter cinco filhos”

Ana de 30 anos: Cinco? É que nem sonhes. Lembra-te daquilo que diz a mãe: “Dois é muito, três é uma multidão.” E, lamento, informar-te, com 30 anos não só não vais ter nenhum bebé, como isso ainda não está metido nos teus planos. Mas, olha, agora as mulheres já engravidam muito mais tarde. E para isso nem precisam do marido, mulher, namorado ou namorada. Estás confusa? Pois, estás nos anos 90. Se fosse agora, talvez já percebesses.

Ana de 6 anos: “Quando for grande vou saber cozinhar muito bem e ter a casa sempre limpa”

Ana de 30 anos: não vais. Vais ter três especialidades e algumas  pessoas vão achar que sabes cozinhar. Mas não sabes. Sobre a casa, é preciso que entendas: ela só vai estar limpa se a limpares.

Ana de 6 anos: “Quando for grande vou de saltos altos para o trabalho”

Ana de 30 anos: sabes aqueles All Star brancos que tens agora? Vais continuar a calçá-los quando fores grande. Óbvio que num número maior, o teu pé vai crescer. Também vais continuar a usar jardineiras e até te deixam ir para o trabalho assim vestida. Para de fazer beicinho, lantejoulas são pirosas.

Ana aos 6 anos: “Quando for grande já vou saber tudo”

Ana dos 30: Aninhas, tens os três volumes do “Guerra e Paz” repousados na prateleira a olhar para ti. Tens medo deles, eles intimidam-te. Vai acontecer alguma coisa ao teu cérebro e vais deixar de saber fazer contas de subtrair — e de dividir e de multiplicar, com as somas vai ser mais tranquilo porque podes usar os dedos das mãos. Vais enervar-te muito quando ligares para a EDP, porque não vais perceber nada. Com as finanças vai ser igual. A Segurança Social vais evitar para sempre. Há muitas matérias que não nos ensinam na escola. Claro que vais saber muito mais coisas quando fores adulta, mas há uma frase que é muito cliché, mas que é verdade e para toda a vida: estamos sempre a aprender. E o pai diz que acontece uma coisa: quanto mais tentas saber, menos entendes. Mas acho que isso começa quando és ainda mais adulto. Tipo aos 60.

Ana aos 6 anos: “Quando for grande já tomei todas as decisões”

Ana aos 30 anos: ó minha amiga, que isto agora é que está a começar. Sim, já tomaste algumas decisões importantes, tipo a tua profissão, o teu curso, o teu primeiro trabalho. Mas agora é mais a sério: tens de tentar imaginar o futuro de forma mais concreta sempre que decides alguma coisa, porque #consequências. Há momentos em que vais ter tanto medo disto que vais ter vontade de voltar para a barriga da mãe. Não, não se pode voltar para a barriga das mães. 

Ana aos 6 anos: “Quando for grande vou ser feliz”

Ana aos 30 anos: com os anos vais perceber que isso de ser feliz é um bocadinho mais complicado do que estás a pensar, mas sim, ok, nisso podemos concordar: apesar de não seres rica, de não teres uma mansão, de não teres cinco filhos, de ainda teres muitas decisões por tomar, tens muitas outras coisas — mesmo que às vezes sintas que a tua vida é cair de uma escadaria interminável. 

Tens os amigos mais fixes do mundo, vives numa casa que adoras, tens um trabalho em que te divertes, tens uma família que está sempre ao teu lado (eventualmente, vais começar a dar-te bem com os manos, juro, não estou a gozar).

E, pequena Ana, acredita: por tudo isso, tu és uma privilegiada. E tu vais saber disso.