Este sábado publicámos uma crítica ao novo livro de Cristina Ferreira, "Pra Cima de Puta". Quando comecei a rever o artigo, da autoria da Ana Luísa Bernardino, tive de fazer uma pausa para respirar. Senti qualquer coisa que só consigo descrever como náusea, tristeza, deceção. E, no entanto, não houve qualquer espanto no que li.

Antes de "Pra Cima de Puta" chegar às livrarias, antes de conhecermos o seu conteúdo, pensei que fosse uma reflexão da apresentadora sobre os comentários de que é alvo nas redes sociais. Essa reflexão também existe (bem como de alguns convidados de Cristina Ferreira) mas o livro autoexplica-se. Ou seja, é uma coleção de dezenas de enxovalhos, insultos, barbaridades e agressões gratuitas, retiradas das plataformas digitais da diretora de Entretenimento e Ficção da TVI.

Livro de Cristina Ferreira é sobre o bullying feito à apresentadora depois do regresso à TVI
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O título do livro, anunciado há pouco mais de uma semana, gerou polémica e indignação por conter a palavra "puta". Uma palavra que, em si, não é nada, quando comparada com os comentários que estão ilustrados no livro. Só dois exemplos:

"Puta cabra de merda tu nem um homem consegues arranjar para te foder a cona. Puta cabra de merda"

"Velha de merda só neste pais uma peixeirona vingativa a ganhar o que ganha Portugal no seu melhor"

Quando, este sábado, publicámos nas redes sociais o extenso artigo sobre o livro de Cristina Ferreira, tive a ingénua esperança de que os comentários fossem de outro cariz. Não foram um chorrilho de insultos mas refletem um argumentário condicional ou causal. Qualquer coisa como 'Cristina Ferreira não pode queixar-se porque X', "Cristina Ferreira só devia queixar-se se Y".

Três exemplos:

"Qualquer um de nós, "anónimos", já fomos alvo de algum tipo de insulto "virtual", vamos todos "escrever" um livro. Isto é ridículo, ser o centro das atenções é a área desta mulher."

"Concordo. As redes sociais reúnem o pior do ser humano - insultos, cobardia , difamação. Mas se as receitas do livro reverterem para a Cristina e não para combater o que critica significa que está a aproveitar para fazer dinheiro à custa da situação e que a prioridade não é combate-la alertar esse blá blá todo. Gostaria mesmo de saber..."

"É só mais uma chamada de atenção de alguém com um grande défice de atenção dos outros e que permanentemente precisa de estar no centro das atenções e das conversas... Impinge-se a si própria nas nossas vidas só para continuar a ser falada. Chata, muito chata.."

Ou seja. Não se consegue ganhar. Se não se fala de bullying, é porque não se fala. Se se fala, é toda uma grande cabala para angariar dinheiro ou uma forma de chamar a atenção. Estas reações são sintomáticas de um fenómeno maior: o ódio coletivo que existe numa certa franja da população a Cristina Ferreira. E não, já não são só os intelectuais sobranceiros que, na primeira era TVI da apresentadora, a desdenhavam. Agora, é algo generalizado. Como se fosse a prática de um desporto. Ter uma opinião sobre Cristina Ferreira. Quanto pior, melhor.

Este artigo (que, ressalvo, é um artigo de opinião) não tem qualquer pretensão de fazer um louvor ou uma defesa da apresentadora. Profissionalmente, tenho uma relação cordial com Cristina Ferreira. Entrevistei-a uma única vez, em 2013, quando assumiu o cargo de Diretora de Conteúdos Não Informativos da TVI. Não tenho sequer o número de telefone de Cristina Ferreira e duvido que ela tenha o meu. Não lhe devo nada, ela a mim tão-pouco. Portanto, sinto-me perfeitamente tranquila para fazer esta análise, embora haja esta cada vez mais assustadora ideia de uma franja cada vez maior do público que nos lê, que nos apelida de "jornalixo", que diz que somos "vendidos" e que só escrevemos "fake news". Mas isso é outra conversa e daria pano para mangas.

Voltando a Cristina Ferreira.

Cristina é o nome mas podia ser outro nome qualquer. Porque o que acontece com Cristina acontece com qualquer pessoa (homem ou mulher) que ousa sair da norma ou daquilo que é expectável, ainda mais se tiver algum tipo de visibilidade pública. Parece que há um salvo-conduto para ir pelas redes sociais fora despejar toda uma latrina vocabular. Porque há impunidade. Porque se pode. Porque nada acontece. Porque as pessoas que fazem isso nem sequer param para pensar que, do outro lado, está uma pessoa. E essa pessoa pode ser Cristina Ferreira, pode ser aquela miúda de 16 anos lá da escola que é chamada de "vaca" e "puta" porque publica fotos em biquíni no Instagram, pode ser um miúdo queer que recebe mensagens a ser apelidado de "paneleiro" ou uma miúda homossexual a ser assediada por homens a quererem convertê-la à força com dickpics e afins. E por aí fora.

Tenho o mau hábito de me perder em caixas de comentários do Facebook e do Instagram. Apesar de serem uma visão parcial da realidade, refletem de alguma forma como é que a cabeça das pessoas que seguem figuras públicas e órgãos de comunicação social pensam que se podem comportar. E, às vezes, estou no sofá, de telemóvel na mão, e dou por mim a pensar nessas pessoas. No quão triste deve ser estar atrás de um teclado, quem sabe com os filhos ao lado, com o marido ali ao pé, e decidir insultar alguém que não se conhece.

Imagino que essas pessoas devam sentir um frémito de adrenalina, de excitação na altura de carregar em "comentar". Imagino que tenham vidas tão vazias, tão insignificantes, tão deprimentes que agredir o outro seja o único momento alto do seu dia. E tenho medo. Tenho medo porque, às vezes, vou ver quem são estas pessoas. Abro os perfis. Vejo-lhes as caras, as profissões, as famílias, os filhos. E temo pelo que se vive nessas casas. Pela educação que essas crianças terão, pelas conversas que ouvirão, pela legitimidade que terão, via pais, via avós, em agredir verbalmente os colegas da escola, os professores. Temo pela total falta de empatia, de educação, de civilidade, de decência. Temo pela cada vez maior incapacidade que temos (todos nós, eu incluída) em viver uma vida só, sem necessidade de legitimação da mesma numa plataforma digital.

Mais uma vez, isto não é sobre Cristina Ferreira. Isto é sobre todos nós.

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