
Sou um confesso apaixonado pelos romances de Arturo Pérez-Reverte. O romancista espanhol provoca em mim uma necessidade pungente de procurar uma capacidade quase infinita de análise fresca e aberta, sem dogmas ou enviesamentos morais que me possam toldar os sentidos. Nos seus livros fá-lo com a subtileza de uma flor e a profundidade de um objecto dilacerante.
Se não somos melhores pessoas por lermos, o ato da leitura dá-nos com toda a certeza a liberdade para construirmos novas e diferentes perspectivas e a técnica para conseguirmos alcançar e projectar entendimentos e atitudes.
Para além claro de nos aguçar o imaginário e nos entregar de uma maneira única ao que vemos para lá dos olhos vendados, bem descrito alias n´”O Carbúnculo Azul”, um conto policial de Sherlock Holmes que nos diz que não ver nada é apenas “não ser capaz de raciocinar a partir do que vemos”. No seu último livro “O problema final”, que recomendo a leitura, conseguimos sentir a tranquilidade da percepção e a eficácia de um olho clinico que surpreende quem se contenta com meros vislumbres e se alimenta do engano e da espuma dos dias.
Arturo, não deixa de quando em vez, de tecer um ou outro comentário sobre a realidade política, espanhola e mundial. Fá-lo de forma assertiva e coerente, sem frases feitas ou lugares comuns. Desta vez o comentário serviu para aplaudir a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni comparando-a aos políticos espanhóis Feijó, Abascal e Sánchez, a quem apelidou de “rascapuertas” e finalizando com uma vontade momentânea de ser italiano graças ao último discurso da mesma.
Dirigindo-se ao seu povo, de forma emocionante e com um tom a fazer lembrar Mon Mothma quando se dirigiu ao Senado em Star Wars, Meloni transportou-nos através de um portal do tempo. “Continuo a acreditar no Ocidente, não como mero espaço geográfico mas como civilização. Uma civilização nascida entre a fusão da filosofia grega, do direito romano e dos valores cristãos. Construída ao longo dos séculos através do génio, da energia e do sacrifício de muitos.
Uma forma de entender em que o indivíduo ocupa um lugar central. Onde a vida é sagrada e todos os homens nascem iguais e livres. A lei se aplica a todos e a soberania pertence ao povo. Esta é a nossa herança e nunca nos devemos desculpar por ela. E a pergunta é? Pode esta civilização seguir defendendo os principios e valores que a definem? Pode seguir orgulhosa de si mesma e consciente do seu papel? Eu acredito que sim! Por isso devemos dizer alto e de forma clara, aos que atacam o Ocidente de fora e aos que o sabotam a partir de dentro com o vírus da politico de cancelamento e a ideologia woke que nunca nos envergonharemos do que somos.
Afirmamos a nossa identidade e trabalhamos para fortalece-la. Porque sem uma profunda identidade, não podemos voltar a ser grandes. A esquerda radical quer apagar a nossa história, dividirmo-nos por nacionalidade, género, ideologia mas nós não nos dividiremos porque somos fortes. Só quando estamos juntos.”
Não tenho a arte da escrita de Pérez-Reverte e entre mim e ele separam-nos um mundo de palavras. Ainda assim revejo-me de uma forma completa no seu comentário. Do mesmo modo que viajo nas asas dele em cada livro e em cada sugestivo e subtil enredo, percorro cada palavra de Meloni e sinto-as como se fossem minhas.
O mundo livre, justo e igual que defendemos merece que nos levantemos perante o politicamente correto, perante o sensacionalismo de flotilhas hipócritas e o radicalismo disfarçado de boas intenções. Felizmente que a sociedade parece acordar para o que nos estava a roubar tudo o que construímos e em que acreditamos.
Assumindo os nossos erros mas preservando o caminho que fizemos até aqui com orgulho e reconhecimento aos que dela fizeram parte, que saibamos estar à altura, fortes perante as ameaças e convictos de que só assim podemos orgulhar as gerações futuras e fazer valer as condições pelas quais todos nos procuram, nos querem visitar e por cá querem morar. Um discurso (o de Meloni) que devia constar nas aulas dos mais novos em vez de insistirmos na retórica da auto-flagelação e na narrativa do miserabilismo.
"Perdemos a inocência que nos permitia sair à rua com vontade de mudar o Mundo. Agora, se saímos à rua, é para nos vingarmos dele."
Arturo Pérez-Reverte