Faz sentido voltar onde já fomos felizes? Debati-me com esta questão nos últimos tempos. As respostas variaram entre «não», «nem pensar» e um «bem, depende». Lá acabei por me decidir a ficar por esta última, o «bem, depende», porque na verdade tudo depende, e depende mesmo é de tudo — inclusivamente da pergunta.

Ora vejamos: se estivermos a falar de um relacionamento que nos fez mal, «não». Se a questão for um amigo que nos traiu, «nem pensar». Mas lá nas entrelinhas, será que mesmo assim não depende? Num mundo onde toda a gente parece estar cada vez mais cheia de certezas, já não existe espaço para a dúvida. Ou até mesmo para que sejam colocadas outras perguntas. Há três anos, saí da MAGG para ir para o mundo dos livros. Por lá continuo e sou feliz, porém, a saudade deste espaço ficou; sacanita que é, como é sempre a saudade, permaneceu incólume à passagem do tempo.

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(Já agora, uma nota deveras importante: nunca falaremos aqui sobre livros. Por mais que a atualidade se queira impor e seja difícil ficar de fora, enquanto forem o meu trabalho, permanecerão um não-assunto, porque ética e deontologia foram mais do que cadeiras da faculdade e eu ainda acredito muito na honra).

Esta era a minha dúvida: voltar? Valeria a pena? Ainda há alguém que se lembre disto? Não será apenas mais ruído num mundo já por si deveras ruidoso? Conclui ficar no «bem, depende». Por um lado sim, por outro não. Sabem que mais? A verdade é que não sei. Mas às vezes é preciso aceitar que não existem certezas. Ou que a única certeza que existe é que fomos felizes.

E é isto, caro leitor. A Marta da MAGG não voltou, mas a Marta está de volta.

Se até o meu pai com 84 anos consegue reorganizar a sua agenda, eu certamente que também consigo viver uns dias com o excesso de trânsito. Com o que eu não consigo verdadeiramente viver é com uma Igreja que interfere com o Estado

Todos os domingos vou almoçar com o pai. Senhor meu pai tem 84 anos, 30 almofadas no sofá porque só Deus sabe o que lhe deu para começar a colecionar almofadas agora — todas terríveis, com retratos de cães e gatos pavorosos —, e dúvidas calorosas com que me presenteia todos os dias, com particular ênfase aos domingos. Por mais católico que seja, a vinda do Papa deixou-o inquieto. Sobretudo no que diz respeito a possíveis problemas de circulação.

— Mas quais são as zonas proibidas? Preciso de saber isso.

— Não te preocupes, aqui à volta não vai haver ruas fechadas.

— Está bem, mas e fora daqui? Eu preciso de dar as minhas voltas.

— Aqui na net diz que os principais problemas vão ser no centro da cidade. Baixa, Marquês…

— Ah, então está bem.

Está bem, pai. É só evitar o centro nesses dias. O que não está assim tão bem é o facto de o poder religioso continuar a interferir com o poder governamental. E isto leva-me direta à vaca fria, com todo o respeito pelas vacas, que nunca toquei em nenhuma, mas até acredito que sejam quentinhas: qual é a justificação para, nos dias que correm, a visita de um Papa a um país ser passível de fazer desaparecer crimes e multas? 

Não sou católica. Não sou absolutamente nada, no que à religião diz respeito, mas ainda sou crente na lei, no Estado de direito e, acima de tudo, na justiça. Contrariamente às inúmeras vozes que se levantaram contra a vinda do Papa a Portugal, preocupam-me pouco os problemas de circulação, a enchente de pessoas, os transtornos causados ou o racionamento de água no Parque das Nações. Todas as pessoas têm o direito de expressar a sua fé, um milhão de peregrinos ajuda muito à economia e, não vamos ser hipócritas, muitos dos que gritaram «Isto é uma pouca vergonha!» foram os mesmo que colocaram quartos a arrendar por mil euros.

Não, preocupam-me muito pouco os transtornos, volto a dizer. Se até o meu pai com 84 anos consegue reorganizar a sua agenda, eu certamente que também consigo viver uns dias com o excesso de trânsito. Com o que eu não consigo verdadeiramente viver é com uma Igreja que interfere com o Estado. As multas, penas, infrações, são atribuídas por entidades específicas com poder para tal. E eu não quero ver ninguém acima disso, mesmo que essa pessoa seja Deus na terra.

A cada um, o que é seu por direito. E não, não é insignificante, não é um pormenor. Olhemos para o passado, olhemos para a História, caramba, olhemos para o agora: ninguém pode estar acima da lei. Mas estão. Só que não pode ser.

Eu não quero a Igreja a interferir com a lei do meu país. Caramba, já chega.

Por falar em chega (não, não é esse), Elon Musk chegou, despediu pessoas (depois voltou atrás), impediu o teletrabalho, mandou emitir circulares ameaçadoras contra os trabalhadores, na própria da rede social começou a mudar as regras todas e agora decidiu matar o pássaro e substituí-lo por um «X».

Estamos perante o caso clássico de um boomer que tenta jogar Monopólio com as regras do Peixinho. Não, não vou aqui desprestigiá-lo (não na totalidade, vá), estamos perante um homem inteligente, criativo e visionário, de outra forma seria difícil ter construído o império que construiu. Mas, ao mesmo tempo, Elon Musk não é muito diferente da minha gata, que assim que eu abro a porta começa a zurrar como um burro a pedir biscoitos, porque se eu ousei estar fora oito horas, portanto é bom que agora pague o devido imposto. E já. «Eu, eu, eu», é tudo o que importa: quero lá saber se estás aflita para ir à casa de banho ou se foste trabalhar para pagar as contas. Eu quero, posso e mando. Eu! Eu é que mando!

OK, Elon. O problema é que a malta deste lado não está a sentir as coisas como tu: ao final do dia, a minha gata zurra como um burro, mas depois dá-me marradinhas e ronrona no meu colo. Tu estás só aos coices contra toda a gente, indiferente às pessoas que ajudaram a tornar o Twitter naquilo que ele é hoje – estejamos a falar de quem está lá dentro ou cá fora. Boomer, acalma-te. Bem sei que achas que estas novas gerações não percebem nada de nada, mas a verdade é que até percebem. E caberá a elas manter o Twitter vivo, dentro e fora das paredes da sede. Às vezes, é preciso respirar fundo e dizer «bem, depende». Certezas leva-as o vento, e neste caso até o pássaro já voou.

Até à próxima quarta-feira.

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