Pousam confortavelmente nas prateleiras dos supermercados, fazem parte do pequeno-almoço de muitas famílias e na sua versão original têm uma galinha verde na caixa que parece inofensiva. Pelos vistos andámos todos enganados — "parece" é mesmo a palavra-chave neste tema, uma vez que os belos Corn Flakes surgiram de um movimento anti-masturbação.
Há muito tempo que a tradição judaico-cristã condena a masturbação, considerando-a um abuso da sexualidade. Nos séculos XVIII e XIX, porém, a sociedade tornou-se de tal forma pudica e conservadora que se iniciou uma verdadeira caça às bruxas. A masturbação não era apenas uma falha moral, era uma doença física e mental que tinha de ser tratada.
Entre livros, especialistas e instituições que condenavam o "vício solitário", surge no século XIX a voz de John Harvey Kellogg —um médico no Michigan, EUA, que odiava masturbação. Bem, na realidade ele também odiava sexo: considerando-o prejudicial para o bem-estar físico, emocional e espiritual, o senhor doutor manteve-se afastado dele a vida inteira. Nunca consumou o casamento com Ella Ervilla Eaton ou partilhou a cama com a esposa. Todos os filhos que tiveram foram adoptados.
"Se o comércio ilícito dos sexos é um pecado hediondo", escreveu Kellogg no livro "Factos Simples para os Jovens e Velhos: Abraçando a História Natural e Higiene da Vida Orgânica", "a auto-polução é um crime duplamente abominável."
Neste livro, Kellogg catalogou 39 sintomas de uma pessoa atormentada pela masturbação. Seriam eles, entre outros, alterações de humor, timidez, ousadia, palpitações, epilepsia, rigidez articular e acne.
Solução para a "auto-polução": uma dieta saudável
Para o médico, a resposta para acabar com estes comportamentos assentava numa dieta saudável. Na sua opinião, a carne e certos alimentos saborosos ou temperados aumentavam o desejo sexual. Pelo contrário, alimentos mais simples como cereais e nozes poderiam reduzi-los.
Então e onde é que entram os Corn Flakes no meio desta história toda? Na altura a trabalhar no Battle Creek Sanitarium, em Michigan, o médico, que era vegetariano, desenvolveu uma receita que era servida todas as manhãs aos pacientes. Consistia em farinha de aveia e milho assados em biscoitos, que eram depois moídos em pequenos pedaços, e supostamente ajudavam a acabar com os demónios da masturbação. Recebeu o nome granula.
"Não queriam dizer granola?", pergunta o leitor. Não, é mesmo granula. Pelo menos no início. Quando descobriu que James Caleb Jackson, proprietário de uma clínica de saúde, tinha criado um cereal à base de trigo a que deu o nome granula, Kellogg mudou o nome para granola. Era isso ou era processado.
Não foi a única invenção de Kellogg. Ele também criou uma máquina que passava água pelo intestino e depois meio litro de iogurte — metade pela boca e outra metade pelo ânus. Felizmente a única que prevaleceu até aos dias de hoje foram os cereais.
Na tentativa de encontrar os cereais perfeitos (saudáveis, prontos a comer e, claro, anti-masturbação), o médico juntou-se ao irmão, Will, o guarda-livros do sanatório. Curiosamente, os flocos de milho tal como os conhecemos hoje foram um acidente. Ao que parece houve um dia em que os irmãos se esqueceram do trigo e quando o encontraram já estava seco. Eles decidiram tostar os flocos e assim nasceram os Corn Flakes.
E foi aí que as discussões começaram. John queria um produto puramente dietético, Will pensava no lado mais comercial. Como havia pessoas que pediam para comer os Corn Flakes mesmo depois de saírem do sanatório, o guarda-livros começou a pensar que talvez devessem expandir o negócio. Só que para fazê-lo deveriam adicionar-lhes açúcar para os tornar mais saborosos.
Os irmãos acabaram por discutir e Will tomou conta do negócio, levou a sua avante com o açúcar e criou a Kellogg Company. O resto é história.