Muito associada a dietas rígidas, a anorexia nervosa é uma perturbação do comportamento alimentar que atinge cerca de 1% da população portuguesa. Embora possa surgir em qualquer faixa etária e afetar ambos os sexos, “é mais prevalente em jovens adolescentes do sexo feminino”, alerta Elisabete Albuquerque, psiquiatra na Unidade Psiquiátrica Privada de Coimbra.
De acordo com a especialista, esta é uma época do ano em que os comportamentos extremos relacionados com a perda de peso se agravam e existem sinais de alerta que “devem ser encarados com seriedade, principalmente no verão, altura em que os jovens se preocupam especialmente com o seu aspeto físico”.
A doença é caracterizada por uma preocupação exagerada com o peso, acompanhada pela forma errada como o indivíduo se perceciona. “Esta distorção cognitiva da imagem corporal está presente, ainda que o peso corporal possa ser extremamente reduzido. Habitualmente, fatores de ordem social podem ser determinantes na génese e manutenção da doença, sobretudo quando existe um terreno de vulnerabilidade biologicamente determinado”, afirma Elisabete Albuquerque.
A médio e longo prazo, as consequências para a saúde física podem ser muito graves, colocando mesmo em risco a vida do indivíduo."
Numa fase inicial, a especialista explica que há uma redução da ingestão de alimentos, “autoimposta de forma rígida e que não se associa, na maior parte das vezes, a uma verdadeira diminuição do apetite”. A par desta conduta alimentar extremamente restritiva, onde não há lugar para certo tipo de alimentos (os chamados alimentos proibidos), surgem muitas vezes outras estratégias que potenciam a perda de peso, como a prática de exercício físico intenso, a indução de vómito ou o uso de laxantes e diuréticos.
Para além dos sintomas nucleares da doença, surgem muitas vezes outras queixas psiquiátricas, como o humor depressivo, a ansiedade aumentada, as alterações do padrão habitual de sono, o isolamento social, os sentimentos de tristeza, culpa e desvalorização pessoal. “A médio e longo prazo, as consequências para a saúde física podem ser muito graves, colocando mesmo em risco a vida do indivíduo. Anemias por défice de nutrientes, alterações em análises de rotina ou amenorreia são apenas alguns exemplos que merecem atenção”, salienta a psiquiatra, que alerta também para o perigo de se pedir apoio demasiado tarde. “A procura de ajuda médica acontece geralmente em fases tardias da evolução da doença, muitas vezes em situações de desnutrição severa, com eventual compromisso da função de vários órgãos e sistemas”, lamenta Elisabete Albuquerque.
Perigo. Os sinais a que deve estar atento
Seguir uma dieta rígida é um dos primeiros sinais desta doença, ainda que existam outros que podem ser igualmente alarmantes. Sendo a dieta uma restrição qualitativa ou quantitativa de alimentos, “habitualmente por um curto período de tempo, e que visa um objetivo específico, como a perda de peso, é preocupante quando é feita de forma rígida, sem critério, e quando coloca em risco a saúde do indivíduo, podendo assim constituir o ponto de partida para situações de doença, falemos nós de anorexia nervosa ou outra perturbação do comportamento alimentar”, salienta a psiquiatra.
Assim, os pais devem estar atentos a dietas demasiado rígidas, em que nunca há lugar para a “transgressão” e que incluem “alimentos proibidos”, como doces, ou farináceos. De acordo com Elisabete Albuquerque, a distorção da autoimagem, que acontece quando, “apesar da perda de peso, a pessoa com anorexia continua a achar que tem peso a mais”, também é um sinal de alarme.
As estratégias compensatórias que, como explica a especialista, se traduzem no “vómito após a refeição, as idas ao ginásio cada vez mais frequentes, ou o uso de substâncias que promovem a perda de peso” são outro motivo de preocupação, bem como os pensamentos constantes sobre comida, contagem de calorias e episódios de ingestão alimentar compulsiva — ingestão de uma quantidade exagerada de alimentos, a que se seguem, muitas vezes, sentimentos de culpa e arrependimento.
A dificuldade em admitir a doença é um dos maiores entraves ao tratamento
Chegar ao diagnóstico da anorexia nervosa não é um caminho fácil, sendo necessária uma avaliação cuidada e exames complementares. Como explica a psiquiatra, “é preciso excluir outras doenças que cruzam com perda de apetite e diminuição de peso e, por outro lado, avaliar, nos casos em que se confirme o diagnóstico, o rebate no organismo de um estado prolongado de privação autoimposta de alimento”.
Elisabete Albuquerque refere ainda que esta é uma doença que apresenta, muitas vezes, um curso crónico e cujo tratamento pode ser longo e difícil — até porque pode existir relutância das vítimas em aceitar que estão doentes.
“O não reconhecimento da doença e a relutância em aceitar o projeto terapêutico são, porventura, o maior entrave ao tratamento. Se nos casos de gravidade ligeira a moderada, pode ser tentado em ambulatório, com acompanhamento regular em consulta, nos casos mais graves pode ser necessário um internamento hospitalar em regime integral ou parcial”, conclui a especialista, que recomenda a adição de um acompanhamento psiquiátrico, para além da “necessária intervenção de outros técnicos de saúde, designadamente psicólogos, nutricionistas ou médicos de outras especialidades”.