Maria Eduarda Paulino, 61 anos, descobriu que tinha um cancro na mama aos 31. Na época, acabou por fazer uma mastectomia e o médico optou por não a sujeitar a quimioterapia devido à idade que apresentava. Apesar de parecer tudo controlado, quase 20 anos depois, Maria Eduarda foi diagnosticada com um cancro nos ovários que não deu qualquer sinal de alerta.
O facto de ter seguido sempre uma rotina de vigilância médica após o primeiro cancro, fez com que nas análises de rotina se percebesse que algo não estaria bem, mas nem os exames mais específicos davam certezas. Foi apenas em cirurgia que o diagnóstico de cancro do ovário se confirmou e foi-lhe retirado não só o tumor, que apresentava já um grau elevado, como também os ovários, o útero e partes do peritoneu (membrana serosa que reveste interiormente as paredes do abdómen).
O cancro do ovário, apesar de não ser um dos tumores ginecológicos mais frequentes, destaca-se relativamente à mortalidade tendo em conta que, na maior parte das vezes, é um cancro silencioso e que só se deteta já em fases avançadas. "É aquele que normalmente ou é assintomático ou tem características especificas que não levam a mulher, à partida, a procurar ajuda. O diagnóstico pode ser atrasado nesse aspeto e ser feito só em fases avançadas", explica à MAGG Cláudia Andrade, especialista em obstetrícia e ginecologia no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
Todos os anos, em Portugal, são diagnosticados cerca de 600 novos casos de cancro do ovário que atingem sobretudo mulheres com idade média de 54 anos, revelam dados do Serviço Nacional de Saúde. O facto de ser um cancro silencioso faz com que a taxa de mortalidade seja de cerca de 70%. De acordo com um estudo da Liga Portuguesa Contra o Cancro, esta patologia mata cerca de 30 mulheres todos os meses em Portugal.
"A melhor forma de o prevenir é fazer consultas regulares de ginecologia"
Cláudia Andrade explica que, apesar de haver um vasto grupo de cancros do ovário, o mais comum acaba por ser o mais mortal. Uma das suas grandes características está ainda relacionada com as mutações genéticas, que se designam de BRCA1 e BRCA2, para as quais já há um tratamento específico que acaba por dar outra perspetiva aos doentes. Para verificar esta possibilidade, a especialista refere que o adequado será fazer um teste genético que indica se há probabilidade do cancro afetar outros membros da família.
Ao contrário do que acontece com outros cancros (como o da mama ou do colo do útero) que têm já programas de rastreio alargado a todo o País, Cláudia Andrade explica que o facto do cancro do ovário não ser possível de detetar em fase precoce, de forma a atuar eficazmente ainda antes da doença se manifestar, faz com que continuem a ter de ser as pessoas a procurar, a título individual, um acompanhamento regular.
"A melhor forma de o prevenir é fazer consultas regulares de ginecologia, sendo o exame mais conhecido na deteção precoce de cancro do ovário a ecografia ginecológica", diz a especialista.
Neste tipo de cancro, também os sintomas podem ser difíceis de detetar, mas Cláudia Andrade explica que, normalmente, quem tem cancro do ovário queixa-se inicialmente de distensão abdominal, dores abdominais, perda de peso e fadiga.
"São sintomas de alerta, mas pouco específicos, visto que qualquer pessoa os pode ter e não quer dizer que tenha cancro do ovário. Depois existe um grupo pequeno de pessoas a quem é detetado precocemente esta doença porque ocorrem eventos agudos, como um ovário pesado poder torcer, e quando isso acontece as mulheres vão à urgência. Mas muitas vezes o diagnóstico é um achado fortuito em consultas de ginecologia de rotina."
"Foi ter jogado ténis com cinta apertada que me salvou"
Não foi o que aconteceu com Cláudia Fraga que, apesar de ter consultas regulares de ginecologia desde os 11 anos, em 2015 descobriu um cancro do ovário já em fase avançada, depois de sentir uma dor forte que a salvou. "Numa manhã fui jogar ténis e devido a uma hérnia lombar apertei a barriga com uma cinta, depois tive umas dores lancinantes como se fossem umas facadas a picarem-me desde o tórax até às virilhas. Durou a noite inteira e de manhã, quando acordei, parecia que tinha corrido a maratona", conta à MAGG.
Não tinha febre, nem qualquer outro sintoma, e foi trabalhar, mas no final do dia decidiu consultar um médico para perceber o que se estava a passar. Depois de fazer exames, foi detetado um tumor de 12 milímetros que só se podia saber se era benigno ou maligno em operação. "Fiz uma operação no dia 6 de outubro de 2015 e o tumor já estava com 28 milímetros, mas foi a tempo", revela. "Foi ter jogado ténis com cinta apertada que me salvou", continua.
Depois da operação, seguiu-se um ciclo de quimioterapia que fez com que o cabelo começasse a cair. "Quando me avisaram que o cabelo ia cair, chamei os meus dois filhos, na altura com 12 e 16 anos, e pedi-lhes para comprarem uma máquina de rapar cabelo", conta. No dia em que Cláudia percebeu que a queda tinha começado, o filho mais novo ficou encarregue de lhe começar a rapar o cabelo e o mais velho terminou. "Acho que é muito importante envolver as crianças neste processo, porque se uma mãe aparece de cabelo rapado à frente deles, é um choque", considera.
A partir daí, seguiram-se exames de de três em três meses, e quando estava na altura de mudar o período de vigilância para seis meses, percebeu que algo não estaria bem. "Os indicadores tumorais estavam bons, mas devido a conhecer-me muito bem e ouvir muito bem o meu corpo foi detetado numa colonoscopia um novo tumor que me estava a apanhar os intestinos." O processo tinha regressado e Cláudia teve de fazer mais quatro cirurgias e mais um ciclo de quimioterapia.
Atualmente, confessa que não pode assumir que está tudo controlado visto que toma 16 cápsulas por dia para não ter mais nenhuma recidiva da doença, mas sente-se agradecida. "Agora estou feliz e contente, temos de dar graças por as nossas células estarem recompostas."
"Senti necessidade de ajudar outras mulheres, porque já vi muitas a sair das consultas de oncologia a chorar compulsivamente"
O desporto sempre foi uma paixão na vida desta mulher de 54 anos que, após se licenciar na Faculdade de Motricidade Humana, exerceu durante anos a profissão de professora de Educação Física (da qual se despediu devido à doença). "Toda a nossa vida é completamente alterada depois deste processo", assume. "Uma vez que me aposentaram — e havendo uma grande necessidade de se fazer uma associação do cancro do ovário — juntei-me à Cláudia Marques [também com cancro do ovário] e fundei uma associação."
Assim nasceu a Associação Movimento Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos (MOG), que se destina a ajudar as doentes e os familiares de quem passa por este tipo de cancro, acompanhando-os ao longo do processo e fazendo a ponte com especialistas de referência no tratamento.
"Apesar de ser um cancro de mulheres, esta associação é inclusiva porque também afeta muitos homens como companheiros, pais e filhos. E os homens sofrem silenciosamente porque nunca são ouvidos durante o processo."
Durante a recuperação dos dois cancros, Cláudia foi sempre tão bem tratada pela equipa médica que sentiu obrigação de ajudar outras mulheres nesse sentido. "Quando acabei a minha situação no segundo cancro, não senti necessidade de recorrer a uma associação nem de falar com pares porque sou uma pessoa que se resolve bem sozinha, mas senti necessidade de ajudar outras mulheres porque já vi muitas a sair das consultas de oncologia a chorar compulsivamente."
"Dou graças à vida por me manter viva, mas já tem sido um percurso de muito sofrimento."
Maria Eduarda, que dois anos após o cancro do ovário já teve três recidivas, sente que esta associação é essencial para ajudar quem passa por uma situação idêntica. "Senti imensa necessidade de haver uma MOG para podermos falar, partilhar ideias e experiências de vida", diz, referindo que estas são situações que deixam marcas para a vida. "O que sinto agora é como se tivesse ido a uma guerra e tivesse vindo com todos os traumas possíveis e imaginários: medos, ansiedades, tristezas(...). Não sou sempre infeliz, também sou feliz em alguns momentos. Dou graças à vida por me manter viva, mas já tem sido um percurso de muito sofrimento."
Cláudia Fraga, como presidente da MOG e doente oncológica, realça a importância das pessoas não terem medo de ir aos hospitais. "A sobrevivência a cinco anos se o cancro for apanhado no estádio um é entre 83 e 90%, no estádio dois é entre 66 e 71%, no três entre 33 e 47% e no estádio quatro, que era o meu caso, é entre 15 e 19%", alerta.
"Este cancro é silencioso, os sintomas gerais são insuficiência urinária, falta de apetite e dor ou inchaço abdominal que muitas mulheres desvalorizam. Oiçam o corpo e vão regularmente ao ginecologista porque, mesmo com a COVID-19, não há problema nenhum em continuar a ir aos hospitais e às consultas", continua.
O facto de não haver nenhum método de rastreio estipulado para o cancro do ovário leva a ginecologista Cláudia Andrade a acreditar que a percentagem de casos detetados tardiamente devido à COVID-19 não seja significativa, mas uma estimativa da Agência Internacional de pesquisa do cancro refere que, até 2040, o número de mulheres diagnosticadas pode aumentar cerca de 36%.
Segundo Cláudia Andrade, o conhecimento sobre tumores hereditários é cada vez maior e acredita que são também cada vez mais as pessoas com vontade de saber mais e com necessidade de procurar mais informações.
Este sábado, 8 de maio, assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Ovário, e com o objetivo de transmitir mais informação sobre esta doença irá decorrer um live, a partir das 16h00, no Facebook do projeto saBeR mais ContA. Na página da campanha irá falar-se sobre os sinais e sintomas do cancro do ovário e as mutações deste tumor. A sessão é aberta a todos e quem quiser pode ainda colocar questões que serão respondidas por especialistas.