Reduzir a mortalidade, reduzir comorbilidades e potencialmente o número de novos casos. É este o objetivo do rastreio oncológico, "um processo de diagnóstico precoce em pessoas que não apresentam sintomas", define a Sociedade Portuguesa de Oncologia.

Mas existe para todos os tipos de cancro? Não. De acordo com o conhecimento científico, nacional e internacionalmente estão aprovados e implementados três tipos de rastreio oncológico: o da mama, o do colo do útero e o colorretal, explica à MAGG Sérgio Barroso, oncologista do hospital Santo António.  "Os rastreios só fazem sentido se estiver cientificamente provado o impacto na diminuição da morbilidade e da mortalidade da doença a rastrear", diz.

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É que só nestes três casos, que configuram "doenças com evolução longa", está provado que no processo de diagnóstico precoce sem sintomas, se consegue reduzir a mortalidade. Mais concretamente: em 30% no cancro da mama, em 20% no colorretal e em 80% no colo do útero, diz o SNS.

Tanto assim é que a Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) acaba de lançar a campanha "O Cancro Não Espera em Casa", de forma a lembrar a importância do diagnóstico atempado e acompanhamento de doentes oncológicos.

Segundo a LPCC, em 2020, mais de mil cancros da mama, do colo do útero, colorretal e de outros tipos ficaram por diagnosticar, devido à redução dos rastreios, fenómeno provocado pela pandemia COVID-19. E de acordo com a Sociedade Portuguesa de Oncologia, "o impacto da pandemia causou uma quebra de 60 a 80% dos novos diagnósticos de cancro, números que os especialistas querem reverter em 2021."

Ainda que não deva negligenciar os exames de rotina (um passo importante para o diagnóstico precoce), os exames de rastreio têm indicações específicas. Nós explicamos.

Rastreio ao cancro da mama

"No caso do cancro da mama, o rastreio deve ser feito por mulheres com idade igual e superior a 50 anos e até aos 69", explica o especialista. O exame consiste numa mamografia que, a partir desta idade, e se nada for detetado, deve ser realizada de dois em dois anos. Caso contrário, a paciente deverá ser encaminhada para a consulta de diagnostico ou esclarecimento.

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E antes dos 50 e depois dos 60? Nesse caso, já é diferente. É que as idades entre os 50 e os 69 correspondem ao "ao período em que o risco é mais elevado", explica Sérgio Barroso. "Não se faz a mulheres de 20 anos porque é tão raro que não se justifica", acrescenta, salientando, no entanto, que quem tem antecedentes familiares sai desta regra "e tem um encaminhamento adequado em função do risco familiar".

Em Portugal, existe um programa consensual de rastreio oncológico para estes três tipos de cancro, diz o SNS.  No caso do cancro da mama, explica a Liga Portuguesa Contra o Cancro, além de poder recorrer aos hospitais, existem as Unidades Móveis de Rastreio de Cancro da Mama, deslocadas para os concelhos em intervalos de 2 anos, estacionando normalmente junto do Centro de Saúde local.

A 1 de fevereiro, a LPCC anunciou o alargamento do rastreio gratuito que passa agora a cobrir todo o país, depois de ser alargado a Lisboa e Setubal. Esta quinta-feira, 4 de fevereiro, Dia Mundial do Cancro, arranca o rastreio na Unidade Móvel da LPCC, junto ao Centro de Saúde de Alcochete. No local estarão presentes o Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro (NRS-LPCC) e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), unidades promotoras neste processo.

Cancro do colo do útero

Aqui o processo diferente: o rastreio do cancro do colo do útero (o quarto tipo mais comum em mulheres) deve ser feito em mulheres com idades a partir dos 25 anos e até aos 60. "O diagnóstico precoce acontece mais cedo porque o cancro do colo do útero está muito associado à infecção do Vírus do Papiloma Humano (HPV), sobretudo dos subtipos 16 e 18", que mais facilmente podem dar origem a um tumor e que surgem mais frequentemente em mulheres em período fértil.

O que é isto do HPV? É uma família de vírus que contacta muito frequentemente com mulheres (e homens também). "Transmitem frequentemente por via sexual e podem provocar lesões que causam infeções na pele e nas mucosas humanas (colo do útero, vagina, vulva, cavidade oral, ânus e reto)”, havia já explicado à MAGG a ginecologista Teresa Fraga.

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Existem mais de 200 tipos diferentes de HPV, “120 dos quais infetam a espécie humana, 40 a área genital e 14 são oncogénicos e considerados também de risco para o desenvolvimento de cancro do colo do útero”, salientou a médica. "Alguns tipos são de baixo risco, podendo evoluir para doenças benignas como verrugas genitais. Outros [como o 16 e 18] são de alto risco e podem originar diferentes tipos de doenças oncológicas”.

O rastreio pode ocorrer de várias formas: citologia cervical (papanicolau), teste de hPV e associação da citologia cervical e apenas o teste de HPV. Em todos os casos, o exame consiste na colheita de uma amostra de células do colo do útero.

Para fazer o rastreio, basta consultar um ginecologista. Nos Centros de Saúde pode fazer o exame gratuitamente, de três em três anos.

Cancro colorretal

No caso do cancro do intestino grosso e do reto, a indicação de rastreio "para ambos os sexos é a partir dos 50 anos e até aos 74."

É feita uma "pesquisa de sangue oculto nas fases", uma "das primeiras manifestações do tumor, que "vai sangrando" sem que, a olho nu, se consiga ver. Esse sintoma é logo "a indicação de que algo não está bem."

O exame, a partir desta idade, deve ser feito de dois em dois anos. A confirmar-se a presença de sangue, o paciente é encaminhado em consulta para fazer uma colonoscopia, indica o especialista.

Então e a próstata?

"É um rastreio que não está aprovado e que não é aceite pelas autoridades de saúde", porque a "evidência científica não é conclusiva".

No entanto, é um caso ainda sem certezas: "Há estudos que demonstram que a análise PSA tem impacto na diminuição da mortalidade. Mas há outros que não", explica. "É um assunto controverso e por isso não é recomendado à população de uma forma geral."

No entanto, sublinha, os resultados inconclusivos não significam que homens com mais de 50 anos e com justificação clínica não tenham indicação para fazer consulta com um médico assistente para doseamento do PSA — antigénio especifico da próstata, substancia que circula no sangue e que é produzida por esta glândula, mas cujos níveis demasiado elevados podem significar, entre outras coisas, a presença de um tumor.

Este exame, saliente Sérgio Barroso, "não deve ser feito isoladamente". Deve, antes, ser realizado quando "existem sintomas" ou "no âmbito de um exame urológico completo, em que o médico ache que faz sentido, pela idade ou por alguma alteração que o faça pensar na possibilidade de um tumor na próstata."