Apesar de ser uma patologia frequente e que se estima que afete em Portugal cerca de uma em cada 100 crianças, a displasia da anca é ainda um tema pouco falado. O facto de não saberem do que se trata faz com que, por vezes, os pais não estejam atentos a determinados sinais que permitem detetar o problema na altura certa. Susana Norte, ortopedista no Hospital CUF Descobertas e especialista em traumatologia infantil e patologias da anca pediátrica, começa por explicar à MAGG que a displasia da anca pode assumir vários graus que vão desde uma "displasia simples" até à "luxação da anca" — que, à nascença, se estima que afete uma a duas crianças em cada 1000.

"A displasia da anca é uma alteração da forma do acetábulo — que é a zona da bacia onde encaixa a cabeça do fémur — que tem uma forma concava, tendo a cabeça do fémur uma forma redondinha." Segundo a especialista, a displasia acontece quando há uma alteração dessa forma que "deixa de ser redonda e passa a ficar retificada" passando assim a chamar-se displásica. "Esta retificação pode ser mínima, e aí temos só uma displasia, ou pode ser demasiado acentuada fazendo com que a cabeça do fémur tenha a possibilidade de sair para fora, passando-se a falar de luxação da anca."

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Susana Norte explica que, nos casos em que existe uma "displasia minor", esta patologia pode não ser logo detetada em idade pediátrica, evoluindo de forma silenciosa e sendo depois só diagnosticada na" fase adulto/jovem" manifestando-se com alguns sintomas ao nível da anca. Contudo, quando se tratam de casos mais graves, os sintomas e sinais são mais precoces,  o que faz também com que a patologia seja diagnosticada mais cedo. Segundo a especialista, a displasia da anca é muitas vezes detetada em observação pelo pediatra que encaminha depois o caso para um ortopedista.

"Em alguns países é feito um rastreio universal. Todas as crianças às seis semanas, independentemente de terem ou não fatores de risco, fazem uma ecografia das ancas. Mas chegámos à conclusão de que não se justificava em termos de custos/benefícios fazer o rastreio a todas as crianças. As que nos vão passar despercebidas são realmente muito poucas", explica Susana Norte. Em Portugal, o rastreio só é então recomendado às crianças que já têm associados alguns fatores de risco para desenvolver displasia da anca ou pode ainda ser feito quando indicado pelo pediatra.

A que sinais devem os pais estar atentos?

Susana Norte explica que esta pode ser uma patologia de difícil diagnóstico para os pais e que, por vezes, até para alguns "clínicos que não estão habituados a lidar com estas situações" podem surgir dúvidas. Contudo, segundo a especialista, há sinais aos quais podemos sempre estar atentos. "Às vezes, o que os pais notam é que não conseguem, por exemplo, mudar a fralda com facilidade. A dificuldade em abrir as perninhas pode ser um sinal de que a anca não está a articular no sítio certo. Se houver alguma assimetria das pregas de um lado para o outro ou alguma aparente alteração de comprimento das pernas, pode ser também um sinal de que a anca não está a articular no sítio certo", alerta a ortopedista.

Em idade mais avançada pode passar a haver uma alteração na marcha que também nem sempre é fácil de detetar. "Para os pais, pode ser complicado detetar esses sinais apesar de, às vezes, eles estarem atentos a alguns que nós [médicos] devemos valorizar e perceber se de facto fazem algum sentido ou não." Susana Norte explica que quando se trata de displasia ou uma luxação bilateral das ancas, o diagnóstico pode ser difícil porque não existe uma assimetria detetável no exame clínico fazendo com que a patologia só seja detetada mais tarde. "Por vezes, de facto, sem termos exames de imagem, só o exame clínico pode ser um pouco enganador para quem não está muito habituado a fazê-lo".

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Quanto ao tratamento, a ortopedista explica que, quando a situação é diagnosticada "logo quando os bebés são muito pequenos", quer se verifique apenas uma displasia ou até uma anca luxada, normalmente, os médicos conseguem "colocá-la dentro do acetábulo". "Quando temos essa situação o aparelho mais utilizado é o aparelho de Pavlik cujo objetivo é manter as perninhas abertas de forma a que a cabeça do fémur fique dentro do acetábulo o mais centrada possível e que o acetábulo se vá moldando à cabeça e se vá remodelando", explica Susana Norte, referindo que este aparelho terá de ser colocado numa consulta pelo ortopedista que explica também aos pais como é que aparelho deve ser mantido.

"Nos países africanos nós não temos muitas displasias da anca porque os casos 'minor' de displasia são retificados devido ao facto das crianças se colocarem ao colo das mães de pernas abertas, o que faz com que tenha quase o mesmo efeito do aparelho." Já nos países de leste, segundo a especialista, verifica-se o contrário uma vez que as crianças são muita vezes enfaixadas, fazendo com "andem com as pernas muito juntas". "Esses casos de pequena displasia acabam por evoluir de uma forma desfavorável porque a anca é forçada a estar fora do sítio dela. O que nós aconselhamos é a não embrulhar muito as crianças e fazer com que elas andem com roupa confortável para que possam abrir bem as perninhas."

Susana Norte explica ainda que, a partir dos seis meses, quando a anca está "fora do sítio" é possível que se comecem a "formar algumas estruturas que impedem que a anca entre dentro do acetábulo". "Nesses casos o aparelho pode já não resolver e podemos ter que ter outras medidas como levar a criança ao bloco para fazer um exame de modo a perceber quais são essas estruturas que estão a impedir que a anca entre no sítio onde ela deve estar. Às vezes temos até de de fazer alguns procedimentos cirúrgicos para conseguir pôr a cabeça do fémur dentro do acetábulo e depois utilizar um gesso. Isto acontece quando o diagnóstico não é feito tão precocemente e quando depois se começam a desenvolver estas estruturas que impedem que a anca entre", explica a especialista.

Em casos de "displasia minor" que passam despercebidos e que são apenas detetados mais tarde pode ser também necessário fazer algum tipo de tratamento cirúrgico de forma a colocar o acetábulo na forma correta. "A fisioterapia depois é importante na recuperação funcional e no fortalecimento muscular não propriamente no tratamento da displasia", remata a ortopedista.