Crescemos a ouvir falar das consequências que o tabaco tem para a nossa saúde, mas isso não parece fazer diminuir o número de fumadores. Composto por mais de quatro mil substâncias, este, que é um pequeno prazer para muitos, é também responsável por vários problemas respiratórios, cardiovasculares, reprodutivos, dermatológicos e orais.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgado pelo jornal "Observador", em 2019 17% da população com 15 ou mais anos era fumadora, 1,3 milhões de portugueses (14,2%) fumava diariamente e 248 mil faziam-no ocasionalmente (2,8%). Dos fumadores regulares, cerca de metade consumiam até 10 cigarros por dia, e no caso dos homens prevalecia o consumo diário de 11 a 20 cigarros (50,3%). Mas, afinal, que consequências pode ter este produto para a nossa saúde oral e de que forma podemos evitar que problemas mais graves aconteçam?
Eliana Castro, médica dentista na MALO Clinic Coimbra, explica à MAGG que as principais alterações verificadas a nível oral nos fumadores estão relacionadas com a forte coloração dos dentes (mais amarelos ou castanhos), aumento do mau hálito, problemas periodontais (perda de suporte dos dentes associada ao tabaco), maior tendência para cáries — uma vez que há nos fumadores uma recessão da gengiva que faz com que a raiz esteja mais exposta e vulnerável — e, o mais grave, o aumento da probabilidade de vir a desenvolver um cancro oral.
Segundo a especialista, a taxa de mortalidade associada a este tipo de cancro é elevada uma vez que muitas vezes acaba por ser detetado em fases tardias. Apesar deste ser um tipo de cancro que pode afetar toda a população, Eliana alerta que o seu aparecimento agrava-se em fumadores e que, por isso, o nível de atenção deve ser mais elevado por parte destes. "Lesões na língua, alterações no palato, zonas em que se verifica uma difícil cicatrização, que, às vezes, as pessoas confundem com uma afta, mas que nunca mais passa", são características apontadas pela médica dentista como preocupantes e que não devem ser ignoradas.
Que cuidados redobrados de higiene oral deve ter um fumador?
Neste sentido, o aconselhável é que um fumador vá mais vezes ao dentista do que a população em geral. "O comum é de seis em seis meses, mas nos fumadores diria que, pelo menos, de quatro em quatro meses", explica, salientando a necessidade das consultas para que os problemas sejam detetados a tempo e se consiga melhorar as doenças associadas.
Além das consultas de rotina, a especialista afirma que há ainda hábitos no dia a dia que devem ser reforçados: como a escovagem dos dentes, que deve ser feita, nestes casos, mais do que três vezes por dia, o reforço do uso do fio dentário e a utilização de líquidos para bochechar. "Não esquecer também de escovar a língua porque é nela que se acumulam muitos detritos e muito cheiro do tabaco", reforça.
Daniela Rodrigues, higienista oral na mesma clínica, explica ainda à MAGG que os problemas gengivais são frequentes, mas que se apresentam muitas vezes camuflados. "Apesar de nos fumadores a presença de nicotina do tabaco acabar por mascarar os sintomas que muitas vezes provoca — a gengiva não parece tão inflamada e não tem tanta hemorragia — o problema está lá e, a longo prazo, pode levar, por exemplo, a perda óssea", alerta, realçando que a maioria dos fumadores ainda descora muito todos os cuidados.
"Só quando começam a ver realmente as consequências que o tabaco tem na cavidade oral a longo prazo é que começam a perceber que realmente não é inócuo e que prejudica muito. Como fumam e não veem logo as manifestações ao espelho, as pessoas acabam por descurar e quando se começam a preocupar, às vezes, já é tarde demais", afirma.
Segundo Daniela Rodrigues, outro aspeto muito importante é ainda a realização do autoexame da cavidade oral com regularidade. "Observar o pavimento da língua, debaixo da língua, afastar as bochechas para conseguir ver se há alguma alteração de cor, alguma zona mais vermelha ou mais branca. Caso se verifiquem estas alterações, a pessoa deve contactar de imediato o profissional de saúde", afirma a especialista.
"O tabaco aquecido faz tão mal ou pior do que o tabaco tradicional"
Nos últimos anos, têm vindo a surgir várias alternativas ao tabaco convencional, mas, segundo as especialistas, estas não apresentam menos riscos para a saúde. "Ainda não há muitos estudos sobre isso, mas dos que eu já vi sabe-se que o tabaco aquecido faz tão mal ou pior do que o tabaco tradicional. Tem altas concentrações de substâncias nocivas e produz aerossóis, como nicotina, e outros químicos. Por isso, provocará danos iguais ou piores do que o tabaco tradicional", afirma Eliana. "A nível clínico, a única evidência que vejo é que o tabaco aquecido provoca menos pigmentação, mas acho que a solução não passa, de todo, por aí", acrescenta Daniela.
Ambas defendem que a única forma de prevenir possíveis problemas é mesmo deixar de fumar e garantem que há cada vez mais jovens em situações menos saudáveis uma vez que a maioria da população começa a fumar cada vez mais cedo. De acordo com Eliana, os casos mais graves são ainda detetados no sexo masculino.