Nelma fumava 15 cigarros por dia quando descobriu que estava grávida e passou para quatro. Ana conseguiu reduzir o consumo para cinco e, no final da gestação, tinha dias nos quais que fumava apenas cigarro. Joana tinha noção dos riscos, mas nunca conseguiu fumar menos do que meio maço todos os dias durante a gravidez — e no final da gestação, com a barriga maior, já não fumava em público para se resguardar de olhares e críticas.

Estas três mulheres fazem parte das estatísticas: um estudo de 2020, elaborado pela Universidade Portucalense, salienta que 59,2% das fumadoras não abandona os hábitos tabágicos durante a gravidez. São muitas as que conseguem reduzir, menos as que têm sucesso em abdicar totalmente do tabaco. Mas todas têm noção dos malefícios.

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"Ser fumadora é uma das coisas mais estúpidas da vida e uma das consequências é passarmos por estes problemas quando engravidamos", conta à MAGG a jornalista de 36 anos, que engravidou da filha com 34 e sem se preparar para a cessação tabágica. "Como não tive uma gravidez planeada, não tive tempo para programar o que fazer em relação ao tabaco, pensar se deixaria de fumar ou não. Há 18 anos que fumava 15 cigarros por dia, mais de meio maço, por isso a minha médica aconselhou-me a reduzir drasticamente para quatro por dia. E assim o fiz."

Parar de fumar é o ideal, mas a redução pode ser o mal menor

No caso de Nelma Viana, foi a própria obstetra a entender que obrigar a jornalista a passar de 15 cigarros por dia para zero de um momento para o outro seria muito violento e pouco pertinente, e estabeleceu um limite máximo diário em quatro. Um número próximo daquele que Fernando Cirurgião, diretor clínico do serviço de obstetrícia e ginecologia do Hospital São Francisco Xavier, considera ser aceitável.

"A generalidade dos estudos aponta que uma redução para um número máximo de cinco cigarros por dia não influencia diretamente o percurso da gravidez", salienta o especialista à MAGG. Mas o médico não deixa de reforçar que "é melhor nada do que alguma coisa", explicando que parar de fumar por completo durante a gravidez seria o cenário ideal.

Fernando Cirurgião é diretor do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier

No entanto, Fernando Cirurgião entende os níveis de ansiedade ligados ao ato de deixar de fumar. "Claro que não podemos ignorar que é difícil abdicar de hábitos e rotinas de anos e anos, e deixar algo que até pode ter um efeito ansiolítico na vida destas mulheres. Se deixar de fumar provocar um tal estado de ansiedade que, à custa disso, a grávida não se alimenta como deve de ser nem consegue descansar, a redução será preferível", refere o especialista.

Ana Pessoa, 35 anos, sentia justamente isso: o tabaco acalmava-a. "Sofro de ansiedade, logo o médico apoiou a minha decisão de reduzir o número de cigarros que fumava por dia", recorda a assistente operacional numa empresa de telecomunicações, que esteve grávida aos 20 anos e novamente aos 30, mantendo comportamentos semelhantes nas duas gestações.

"Antes de engravidar, fumava dez cigarros por dia. Depois reduzi para cinco, e com o decorrer da gravidez, nos dois casos, consegui diminuir para três, dois, cheguei mesmo só a fumar um. O médico sempre apoiou a minha decisão. Claro que me disse que deixar totalmente seria o ideal, mas reduzir para estes números não seria assim tão problemático", conta Ana Pessoa.

"Abdicar no total e suspender de repente um hábito de adição será difícil. É evidente que uma gravidez é uma motivação extra para reduzir e até parar, mas não é fácil. Existe uma redução real, e até quem consiga parar de todo, mas a grande maioria das mulheres que deixa de fumar na gravidez reincide", diz Fernando Cirurgião, que salienta a necessidade de existir "força de vontade e motivação" por parte das grávidas.

E para Joana Silva não foi fácil. "Tentei sempre reduzir, mas não consegui atingir aquele número ideal de três cigarros por dia [número recomendado pelo seu médico]", conta a mãe de duas crianças, atualmente desempregada. Com 30 anos, Joana esteve grávida aos 23 e novamente aos 28, e fumou nas duas gestações.

"Sempre estive ciente que era melhor reduzir muito ou deixar, mas também sempre soube que não ia conseguir", diz Joana, que fumava um maço por dia (20 cigarros) antes de engravidar e reduziu para metade. "Fui aconselhada a deixar o tabaco pelos médicos e pelos enfermeiros, falaram-me até na consulta de cessação tabágica, mas não quis. Já tinha tentado deixar de fumar antes, sabia como funcionava, mas temos que ter força de vontade, acima de tudo. Se não estivermos abertos a isso, não há milagres."

Os riscos para o bebé

É de conhecimento público que as mulheres fumadoras devem parar de fumar quando engravidam, ou reduzir ao máximo, mas quais são os principais riscos para o feto? "Em primeiro lugar, o desenvolvimento e crescimento do bebé pode ficar comprometido. Quando a mãe é fumadora, podemos ter um bebé de baixo peso", esclarece Fernando Cirurgião.

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O especialista assinala a relação direta do consumo tabágico na gravidez com partos prematuros e abortos espontâneos, e refere também que o tabagismo pode causar "o envelhecimento precoce da placenta, que tem como consequência a produção de menos líquido amniótico". Já na amamentação, se as mães continuarem a fumar, "os elementos tóxicos do tabaco passam para o leite materno", salienta Fernando Cirurgião.

Apesar de ter continuado a fumar durante a gravidez, Ana Pessoa parou imediatamente assim que as filhas nasceram e assim se manteve nos três anos a seguir aos dois partos. "Amamentei em exclusivo até aos seis meses de cada uma, e a ideia de fumar e amamentar as minhas filhas era algo que me fazia ainda mais confusão do que fumar na gravidez. Pode ser uma ideia errada, mas ajudou-me a não voltar a fumar enquanto elas eram bebés. Ainda hoje, não fumo ao pé delas, embora tenha voltado aos dez cigarros por dia."

A culpa e os julgamentos da sociedade

Apesar da redução drástica, Nelma Viana não deixava de se sentir culpada por não conseguir parar de fumar totalmente. "Em dias complicados, cheguei a fumar sete cigarros. Tenho uma amiga que estava grávida na mesma altura, que também é fumadora, tínhamos a mesma médica, e estávamos ambas nesta gestão. E nos dias que ultrapassávamos os quatro cigarros ficávamos super culpadas, e ligávamos uma a outra", conta a jornalista.

Para além da culpa que sentia, Nelma notava os olhares de quem a via fumar. "Pedia desculpas à minha filha de cada vez que acendia um cigarro, e tentava encaixar um a seguir ao único café que bebia por dia, a seguir ao almoço. Quando já estava em casa, ia até ao café do bairro e notava que as pessoas olhavam imenso quando eu estava a fumar. Mesmo no trabalho, antes de vir para casa, ainda ouvi a clássica boca do 'não devias fumar na gravidez'."

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Também numa viagem de trabalho, a jornalista recorda-se de ver os colegas verdadeiramente incomodados quando fumava. "A certa altura, percebi que as pessoas estavam mais incomodadas do que eu. Entendi que estava a fazer o melhor que podia, tendo em conta a situação."

Ana Pessoa, que não sentiu esses julgamentos na primeira gravidez, salienta que na segunda gestação percebeu as críticas. "Era algo que não me afetava. Boa ou má, a decisão era minha, e eu tinha consciência do que estava a fazer. Tentei, da melhor forma, conjugar a gravidez com o tabaco, que geria a minha ansiedade."

Já Joana Silva acabou por se resguardar mais à medida que a gravidez foi avançando para não lidar com julgamentos. "Quando já estava com uma barriga notória, evitava fumar em público ou perto de pessoas que não conhecesse bem. Quis evitar os olhares e os comentários", recorda a mãe de duas crianças.

As consultas de cessação tabágica podem ser uma ajuda para as grávidas

De acordo com o estudo da Universidade Portucalense sobre os hábitos das grávidas, a grande maioria das "gestantes fumadoras assume que, apesar de terem sido questionadas sobre os seus hábitos tabágicos nas consultas de obstetrícia de rotina, não lhes foi fornecida qualquer informação ou encaminhamento para intervenções destinadas à cessação tabágica".

O estudo salienta ainda que as participantes, apesar de considerarem este tipo de consultas pertinente, "veem como obstáculo a deslocação para as mesmas e acreditam que a medida mais eficaz para erradicar o consumo de tabaco dos seus hábitos diários seria o acompanhamento por parte de um profissional de saúde, com regularidade semanal".

Mais: apesar do risco a que estão expostas, as grávidas "evidenciam uma menor perceção de utilidade nas intervenções para a cessação tabágica do que as gestantes não fumadoras, o que as coloca ainda em maior risco".

Para o obstetra Fernando Cirurgião, estas consultas podem ser uma ferramenta de apoio, mas assume que, "infelizmente, não acontecem de forma generalizada". O especialista acrescenta que, apesar de estarem disponíveis nos centros de saúde, "tem de existir uma maior preocupação com o aumento das consultas de cessação tabágica, bem como uma maior divulgação".