Não arranjem desculpas, até porque toda a gente já sabe que a gravidez não é nenhum período mágico onde a comida desaparece miraculosamente. Não vale comer por dois e há agora um livro que muda a preposição para a frase certa: Comer para Dois.
A nutricionista Maria Inês Antunes, pós-graduada em Nutrição em Pediatria, acaba de lançar o seu terceiro livro —depois dos títulos "Sopa, Sim!" e "Receitas para um Superintestino" — embora os temas se misturem. Como?
Primeiro, porque junta várias receitas de sopas às quais se diz "sim", quer no inverno, quer no verão — no caso do creme frio de pepino — segundo, porque, tal como defende a nutricionista , "é fundamental em qualquer idade, género e condição de saúde, tratarmos da saúde intestinal", incluindo na gravidez em que os probióticos podem ter benefícios acrescidos.
Para escrever as 192 páginas do novo livro, além dos conhecimentos em nutrição que permitiram a Maria Inês Antunes explicar como deve ser a alimentação para a fertilidade, mas também durante a gravidez e na recuperação pós-parto, a nutricionista muniu-se do autoconhecimento, uma vez que o livro surge após ter sido mãe de Amélia, agora com 18 meses.
Precisamente este e outros temas — que a nutricionista quer desconstruir sobre a alimentação das futuras mães — estiveram em cima da mesa na conversa da MAGG com a autora do livro "Comer para Dois" (P.V.P 18.79€). Revelamos tudo.
Depois de "Sopa, sim!" e "Receitas para um Superintestino", só faria sentido lançar este livro agora após ser mãe?
Os temas dos livros que escrevi foram sempre escolhidos após uma intensa pesquisa e trabalho sobre essa área. Depois, como queria passar esse conhecimento mais técnico para toda a população, surgiu a ideia de escrever os livros. O "Comer para Dois" começou um pouco antes de engravidar da Amélia, porque descobrimos que tinha síndrome dos ovários poliquísticos e senti necessidade de me munir de informação válida para saber lidar com esta doença. Quando engravidei, revi todo o trabalho que tinha feito no início da minha carreira, na Maternidade Alfredo da Costa, mas rapidamente percebi que existiam novas guidelines, novos artigos e muita informação a explorar, que acreditei que seria interessante de a partilhar. Grande parte do livro foi escrito durante o meu pós-parto, porque — mãe de primeira viagem —, pensava mesmo que teria tempo para o escrever.
Ainda assim foi possível.
Mas foi um processo bem difícil, porque sendo mãe a tempo inteiro restavam-me os minutos de sono da Amélia para o poder escrever.
Continua a persistir a ideia de que é preciso comer por dois?
Hoje em dia, continua a ouvir-se que é preciso comer por dois. Comer por dois não é saudável nem para a mãe, nem para o bebé. Para um bebé bem nutrido e com um crescimento adequado é necessária qualidade alimentar e não quantidade. Nesta fase a prioridade é a nutrição. Adequar com rigor o balanço nutricional e as necessidades vitamínicas e minerais permite um bom desenvolvimento fetal e diminui as complicações durante a gravidez, porque o ambiente onde o bebé se desenvolve vai condicionar o seu desenvolvimento durante toda a vida.
Quando é que uma mulher deve começar a focar-se na alimentação para a fertilidade?
O modo como nos alimentamos condiciona não só a fertilidade, mas também a saúde do bebé durante a infância e para o resto da sua vida. Existe uma altura certa para engravidar? E para abraçar uma dieta equilibrada? Qualquer uma destas decisões torna-se exponencialmente mais relevante quando desejamos gerar uma nova vida. É nesta fase que devemos procurar ajuda para uma alimentação adequada. O segredo para uma gravidez cheia de potencialidade pode ter início mesmo ainda antes da gravidez.
Em que consiste a alimentação nessa fase?
A ciência mostra-nos que existem alimentos que contêm determinados compostos que têm influencia durante o período fértil, aumentando assim o bem estar da mulher e contribuindo como um dos fatores (ao nosso alcance) mais importantes para o início de uma gravidez saudável.
Considera que as mulheres estão familiarizadas com a necessidade de se prepararem mesmo antes da gravidez?
Atualmente já começamos a ouvir falar da importância de uma alimentação equilibrada na fertilidade, já não é tabu falar deste tempo, embora já existam há anos consultas de pré-concepção.
Um dos temas que fala no livro é do consumo de álcool na gravidez. Mesmo um "golinho" faz mal?
O álcool tem a capacidade de passar a placenta e acumular-se no líquido amniótico, prejudicando a transferência de nutrientes e oxigénio para o bebé. Evidencias recentes referem que o consumo de álcool na gravidez pode levar ao desenvolvimento de distúrbios neurológicos e da síndrome alcoólica fetal.
Isso significa que é totalmente proibido?
Não existe dose segura para o consumo de álcool na gravidez. Eu trabalho para levar a cabo a ideia de que devemos priorizar o que fazer para aumentar os benefícios e não procurar o limite máximo de algo que pode ser realmente prejudicial e arriscar. É com esta premissa que escrevi os meus três livros.
Tendo já passado por este processo, é fácil seguir uma alimentação adequada aos períodos pré, durante e pós-gravidez?
Sim, acredito que quando estamos focados no nosso bem estar físico e emocional conseguimos valorizar a importância da alimentação, da atividade física e da saúde mental. Mas em todas estas fases é crucial termos um ambiente familiar que o permita, porque são fases delicadas, principalmente para a mulher durante a gravidez e no pós-parto, onde existem grandes flutuações hormonais, e que requerem muito apoio.
É possível controlar os enjoos ou apetite aumentado durante a gravidez através de alimentos específicos ou alterações no padrão alimentar?
Sim, a abordagem alimentar é sempre importante para permitir um melhor bem estar e diminuir a dificuldade de comer que pode levar a um prejuízo calórico e nutricional. Quanto ao apetite, não falo em "controlar", porque é bom sinal haver apetite. Em consulta procuramos criar um plano alimentar que seja inclusivo de refeições completas, que permitam uma maior saciedade e no "Comer para Dois" podem encontrar refeições saudáveis e ao mesmo tempo saborosas, para colmatar o "maior apetite".
No Instagram fala muito sobre probióticos e o poder que têm no intestino. A saúde intestinal é algo também fundamental na gravidez?
Sou uma eterna apaixonada pelo intestino e pela importância da alimentação neste órgão. É fundamental em qualquer idade, género e condição de saúde, tratarmos da saúde intestinal, sendo que, se na gravidez temos a possibilidade de estar também a nutrir o bebé, temos benefícios acrescidos com os probióticos.
De que forma é que podem influenciar a gravidez?
Têm efeitos benéficos na saúde metabólica da mulher, incluindo em grávidas com Diabetes gestacional. Para além de regularem a função da microbiota, os probióticos também melhoram a permeabilidade intestinal, têm propriedades antioxidantes e regulam a secreção de citocinas pró-inflamatórias. No entanto, cuidar do intestino vai muito além da administração de probióticos, que deve ser prescrita pelo profissional de saúde que a segue mediante necessidade. Devem ser implementadas ações alimentares, tendo em conta a individualidade e as necessidades de cada mulher.
Quanto à alimentação vegetariana, o que é que esta alimentação pode ter de benéfico ou de risco na gravidez?
O meu primeiro contacto com a prática clínica na nutrição foi na Maternidade Alfredo da Costa onde, para além das consultas, desenvolvi uma monografia e um manual para a nutrição vegetariana na gravidez. As mulheres vegetarianas grávidas podem estar vulneráveis a uma ingestão menor de nutrientes importantes durante a gravidez.
Como evitar que isso aconteça?
Devem ser acompanhadas por um nutricionista para atender às necessidades nutricionais da dieta vegetariana, através da inclusão dos nutrientes ausentes através de outras fontes alternativas e/ou da suplementação, como acontece no caso da vitamina B12, e garantir que todas necessidades nutricionais acrescidas estejam suprimidas e que sustentem uma alimentação saudável durante a gravidez. Os riscos só acontecem se existir desinformação.
A alimentação da mãe no pós-parto deve seguir alguma regra para potenciar a composição do leite materno?
Ainda vejo tanta desinformação sobre este tema, principalmente pelas redes sociais. Este livro também surgiu para desmistificar algumas ideias erradas e mitos. A alimentação da mãe influencia a composição do leite e por isso é que é tão importante ter em atenção o que come e fazer escolhas acertadas. No entanto, relativamente à produção de leite, não existe até à data evidência de algum alimento que aumente ou diminua a mesma.
Mas existem outras técnicas para aumentar a produção de leite?
É maior quanto maior e mais frequente for a sucção do bebé ou extração do leite materno com bomba. A amamentação noturna é importante uma vez que os níveis de prolactina estão aumentados neste período e desta forma há um maior estimulo da produção de leite. O contacto pele a pele quando o bebé nasce e, sempre que possível, nos primeiros dias, ajuda a aumentar os níveis de oxitocina e potencia a lactação.
Ao longo do livro dá várias receitas pensadas para cada fase. Que receita seria transversal a qualquer uma delas?
Todas são transversais a qualquer fase, exceto a receita de ceviche, que por ter peixe cru não é aconselhada durante a gravidez.
Já tem projetos planeados para o futuro?
Agora vou usufruir do pós-parto do meu livro "Comer para Dois" e dedicar o meu tempo profissional ao estudo da nutrição e às consultas, que é o que mais gosto de fazer.