Há 31 anos Carlos Nobre, agora com 82 anos, procurou um médico devido a um problema nos joelhos. Foi aconselhado a fazer alguns exames, incluindo uma análise que revelaria algo pelo qual não esperava. "Disse-me: 'você tem diabetes tipo 2'. E pronto, a partir daí nunca mais foram embora", conta à MAGG.
Enquanto a diabetes de tipo 1 é uma doença auto-imune em que os anticorpos próprios do organismo agridem a célula pancreática e mobilizam-na, havendo uma total carência de insulina, o mesmo não acontece com a diabetes tipo 2. Esta é proveniente do excesso de insulina ou do facto de a própria ter resistência à sua ação.
A diabetes tipo 2 pode ter origem genética e o excesso de peso é um fator de risco adicional. Há ainda um terceiro fator, a diabetes gestacional, que se posteriormente não for corrigida com uma alimentação e práticas saudáveis, poder reaparecer mais tarde por volta dos 50 ou 60 anos.
Seja de tipo 1 ou 2, tal como Carlos nos dizia, a diabetes não desaparece, mas pode ser controlada. Como? Através da insulina e das tais mudanças de estio de vida.
"A primeira linha é o bom estilo de vida, exercício físico e um regime alimentar adequado. Se as pessoas têm um excesso de glucose no sangue, não devem ingerir açúcar que, não é só açúcar, podem ser hidratos de carbono que dentro do organismo vão transformar-se em glucose. É a mesma coisa, apenas não é tão rápido", explica à MAGG Estêvão Pape, médico especialista em medicina interna e coordenador do Núcleo de Estudos da Diabetes Mellitus da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.
Por esta ordem de ideias os diabéticos teriam de deixar de comer hidratos de carbono e frutas como a banana, que tantas vezes ouvimos dizer que não são aconselhadas para diabéticos por terem elevados níveis de açúcar. Mas será mesmo assim?
No caso de Carlos Nobre não foram os médicos que lhe disseram o que deve ou não comer, mas, surpreendentemente, um grupo de Facebook ao qual é fiel. "O que o médico me vai dizer é que tenho de evitar arroz, massas, comer mais verduras, etc, e tomar estes comprimidos. Eu tenho conhecimentos através de grupos de Facebook, como o 'Diabretes' ou o 'DiabéT1cos'. Aquela partilha de informação sobre o que cada um sente e o que faz bem a cada um é que me tem dado um conhecimento mais profundo", revela Carlos, dando ainda um exemplo.
Por exemplo, deixou de comer pão por causa de uma partilha do grupo. Não consultou um médico para o aconselhar sobre a decisão, ainda que anteriormente lhe tivesse sido recomendado por profissionais de saúde uma determinada quantidade de pão diária. Ainda assim, a decisão foi para a frente: "Hoje sinto que não devo comer nenhum. Nem massas, nem arroz e sinto-me perfeitamente", diz.
Será então o pão um inimigo? Esta é apenas uma das ideias que fomos desmitificar.
1. Pão à mesa: não ou com certeza?
"Temos de ingerir hidratos de carbono, tem é de ser com conta peso e medida. Nós não vivemos sem hidratos de carbono. Essa coisa de regimes alimentares sem hidratos de carbono, saladas paleo sem proteína, não funciona. As pessoas têm de comer para ter energia para viver", refere o especialista Estêvão Pape, um dos autores do livro "Diabetes - O que Posso Comer?", lançado no ano passado.
Contudo, esclarece que os hidratos de absorção lenta — arroz, massa, feijão, pão, fruta — transformam-se em açúcar no corpo e como tal devem ser consumidos fracionadamente. "Se for diabético e comer seis batatas, garanto-lhe que o açúcar sobe. Se for pizza, então é um disparo em minutos. Porque a pizza tem farinha, queijo, gordura, enchidos, etc", conclui o especialista, ressaltando que se o consumo for conscientemente, podem haver excessões.
E é precisamente com base em escolhas conscientes que Vera Ruivo Dias, 32 anos, pratica uma alimentação adequada à diabetes no dia a dia: "Nos últimos anos tenho tido muito mais cuidado com os hidratos de carbono do que tinha antigamente. Evito alguns ou faço uma escolha mais seletiva. Em casa, habitualmente consumo leguminosas em vez de comer massa, arroz e batata, porque têm comportamentos diferentes na diabetes", revela à MAGG Vera, que com aos 17 anos descobriu que tinha diabetes tipo 1.
2. "Se não comer hidratos de carbono não preciso de tomar insulina"
Mito. Vera Ruivo Dias, formada em nutrição, esclarece que este é um mito comum. Uma vez que os diabéticos de tipo 1 não têm produção de insulina, não podem prescindir da mesma, porque é esta que garante a sua sobrevivência.
A ligação à nutrição surgiu precisamente devido à patologia, ajudando Vera a perceber melhor a diabetes e a tomar decisões mais conscientes e informadas. E é também através da profissão que se apercebe de que vários muitos persistem ao longo dos anos, ora porque as pessoas não procuram informar-se, ora porque algumas informações transmitidas por profissionais estão desatualizadas.
3. Um diabético deve evitar bananas e uvas
"Há frutas que não como. Normalmente como peras, maças e de manhã como metade de uma banana", diz Carlos, que ao pequeno almoço junta a meia banana, 40 gramas de flocos de aveia e bebida de soja.
Carlos já sabe que a banana é um dos mitos, razão pela qual não se proíbe de comer, teoria que o médico especialista em medicina interna reforça: "Pode comer as frutas todas. Não deve é comer as frutas todas ao mesmo tempo. Por exemplo, comer uma maçã e a seguir ir comer uvas".
As frutas dividem-se entre as que têm uma absorção mais rápida e as que têm uma absorção mais lenta, que podemos classificar como as mais sumarentas — como as uvas, laranja, ananás — cujo açúcar, frutose, quando entra no organismo rapidamente se transforma em glucose. Enquanto outras, como a maça e a pêra, também têm frutose, mas a absorção é mais lenta porque são mais farinhentas.
"Se comer uvas isoladamente ao lanche, com o estômago vazio, vai subir a glicémia [açúcar no sangue]", alerta o especialista. Por isso, Estêvão Pape aconselha que os diabéticos esclareçam com o seu médico ou especialista de nutrição onde devem de encaixar a fruta no plano alimentar de forma a que os valores da diabetes não se alterem de forma prejudicial.
O mesmo se aplica à cenoura e abóbora, que são hidratos de carbono de absorção mais lenta. "É um mito que a cenoura tem mais açúcar", acrescenta o especialista, dizendo ainda que na sopa pode-se substituir a batata pela abóbora.
4. A fruta deve vir sempre acompanhada da bolacha Maria?
Este é uma das ideias comuns relacionadas com a diabetes, mas também a todos os que querem seguir uma alimentação mais saudável, associada ao facto de a bolacha absorver o açúcar da fruta. Será mito? De acordo com o especialista Estêvão Pape não.
"Serve para atenuar a absorção do açúcar da fruta. Se comer ao lanche uma peça de fruta, deve comer um hidrato de carbono de absorção lenta, como pão ou uma ou duas bolachas de água e sal ou Maria, que ajuda a atenuar a absorção do açúcar", refere o médico de medicina interna.
Mas sabemos que na tabela nutricional e lista de ingredientes das tais bolachas Maria existe açúcar, o que poderia ser prejudicial para um diabético. Ainda assim, o especialista esclarece que as próprias bolachas têm a farinha necessária para atenuar absorver o açúcar.
No entanto, Vera Ruivo Dias, é da opinião que as bolachas podem não fazer sentido: "O que eu costumo dizer é que quando como uma peça mais umas bolachas Maria, estou a comer mais de metade do açúcar que tem a peça de fruta. Obviamente que a peça de fruta é um açúcar de absorção rápida, mas se fizermos insulina adequadamente e não for uma peça de fruta com um índice glicémico (IG) mais alto, a variação acontece porque tem de acontecer", explica.
Frutas como a pera, maçã e ameixa, com baixo IG, podem ser então opções mais aconselhadas quando ingeridas de forma isolada. A banana, uvas e manga, normalmente associadas aos mitos da fruta, podem ser incluídas logo depois de almoço, uma vez que o aporte de hidratos de carbono está assegurado.
5. "Não vale a pena é procurar comida ou bolachas para diabéticos"
A comida para diabéticos é outro dos mitos que persiste e todos os dias é reforçado nas prateleiras de supermercado. Carlos Nobre, que já há alguns anos lida com os mesmos, recorda um episódio: "No outro dia vi uma senhora a comprar umas bolachas para os diabetes e até lhe disse: 'Minha senhora, não há bolachas para os diabetes. Bolachas deve evitá-las'. 'Ah, mas eu gosto tanto de uma bolachinha e estas fazem bem aos diabetes', disse a senhora. 'Não fazem nada. Fazem tão mal como outras quaisquer'. A reação dela até foi esquisita", conta.
E de facto as bolachas ou outros produtos ditos para diabéticos podem enganar quando no rótulo dizem "sem açúcar adicionado". Isto porque uma análise mais detalhada, mostra que muitos têm frutose adicionada, "um primo direito da glucose" como refere o especialista Estêvão Papel, bem como edulcorantes adicionados.
"Se as pessoas quiserem gastar dinheiro nos alimentos para diabéticos são livres de fazer o que quiserem, mas não vale a pena. Se comerem o normal, com conta, peso e medida, no mínimo seis vezes ao dia, todas as coisas se ultrapassam", refere o médico.
6. Os diabéticos nunca mais podem comer doces?
Quando Vera Ruivo Dias descobriu que tinha diabetes disseram-lhe que não podiam comer chocolates, abóbora, cenoura, açúcar e bananas. Alguns destes alimentos já foram desmitificados, mas quanto aos chocolates, bolos ou outros doces, a resposta mais óbvia parece ser a restrição. Mas não é bem assim.
Vera costuma dizer que "teve uma semana de internamento" quando esteve em casa de um primo médico que a ensinou a lidar com a diabetes, apercebendo-se de que afinal havia muitas coisas que podia consumir, mas nos momentos e da forma certa.
"Pode haver um dia de exceção. Poder comer um bife com batatas fritas, mas é naquele dia. Costumo dizer 'no dia dos seus anos, no dia de anos da sua mulher, no dia de Natal ou Páscoa faça o excesso, no dia de aniversário do filho ainda permito, se forem três ou quatro já não passa", brinca o médico Estêvão Pape, acrescentando que mais vale estes excessos exponenciais do que fazer um bolo com adoçantes que acaba por ser consumido todos os dias e que se torna prejudicial para um diabético.
7. A diabetes é só para quem tem excesso de peso
Ao ser diagnosticada com diabetes tipo 1, a nutricionista Vera depressa percebeu que esta doença nada tem que ver com excesso de peso: "Para mim diabetes era comer muito ou comer muito açúcar e ter maus hábitos alimentares, ser obeso", conta à MAGG.
É por isso que esclarecer este mito e outros muitos não é apenas essencial para o doente no momento do diagnóstico, como para a comunidade que ainda olha para a diabetes como uma doença associada à obesidade e que por ter uma ideia errada pode continuar a não dar o melhor aconselhamento a quem tem a patologia.