São conhecidos como a geração que faz acontecer. Versáteis e pragmáticos. Capazes de criar novos empregos, colocar a mochila às costas e ir estudar para fora com grande capacidade de adaptação. Falamos da geração Z, a que sucede os millenials e que nasceu entre meados de 1990 e 2012.

Faço parte deste grupo. No ano em que nasci, surgiu o Google. Com 1 ano foi a vez da Netflix, com 3 a Wikipédia. Quando tinha 6 anos o Facebook deu os primeiros passos e quando estava no auge da minha adolescência, o Instagram começou a ficar popular. Ao contrário da minha irmã, no ensino secundário já não dependia dos livros da biblioteca ou de adultos para descobrir informação.

Devido a todos estes desenvolvimentos, a geração Z também é conhecida como a geração dos nativos digitais, que não vivem sem internet, que mal acordam vão ao telemóvel, que querem respostas rápidas e soluções no imediato. Mas esta geração também tem o suicídio como a segunda maior causa de morte — a primeira corresponde a acidentes de trânsito —, segundo um estudo internacional do Centers of Disease Control and Prevention, uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, publicado em outubro.

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Os números são aterrorizadores e preocupantes. Quais os motivos que podem levar um jovem — que aparentemente tem toda a informação ao seu dispor e uma vida pela frente — a querer morrer? Desde miúda que me questiono sobre isto. Talvez porque sempre tenha visto a vida de forma positiva e, naquela jogada do "copo meio cheio, meio vazio", o cheio venceu sempre. Digo que sou a pessoa mais feliz do mundo, não porque tudo me correu da melhor maneira, mas porque tenho esperança de que vai dar tudo certo.

Não tenho tudo o que quero — à exceção de toda a informação disponível na internet — mas tenho um pensamento positivo que me leva a ver a vida desta forma. Por isso, fiquei preocupada quando me deparei com a conclusão deste estudo. O que leva um jovem a quer tirar a própria vida que ainda o podia vir a fazer tão feliz? Um psicóloga, uma psiquiatra e duas jovens da geração Z tentam responder a esta questão — e revelam quais são os sinais que devem deixar os familiares e o próprio individuo alerta.

A depressão aumentou 50% e já é considerada "uma verdadeira epidemia"

Maria (nome fictício) pertence à geração Z e já foi vítima de pensamentos suicidas. Não quer ser identificada, mas partilha a sua história com a MAGG, pois acredita que este tema é um tabu na sociedade e que todos deviam estar cientes desta problemática.

Não pensava exatamente na palavra em si, naquilo que esta acarreta… Simplesmente queria acabar com todo o sofrimento, angústia, tristeza, dor que estava a sentir e achava que não faria falta se tomasse essa atitude“, diz. A jovem sentia que a vida não tinha um propósito e sentia-se frustrada por não conseguir fazer o que ambicionava a nível profissional.

Após anos de declínio das taxas de suicídio — devido a campanhas de saúde mental e de saúde escolar —, a taxa triplicou entre 2007 e 2017 comparando com as décadas e gerações anteriores, como os millennials, geração X e boomers. Nos jovens atuais houve um aumento de depressão, "na ordem dos 50%, o que é considerado pelas entidades com responsabilidades na matéria uma verdadeira epidemia", afirma João Reis, psiquiatra no Hospital Lusíadas Lisboa, à MAGG.

Entre 2013 e 2017, a taxa de suicídio cresceu 7% por ano. Para crianças entre os 10 a 14 anos a taxa triplicou e entre 15 e 19 anos, a taxa aumentou 76% no mesmo período.

Os dados são preocupantes e o cenário é considerado pior do que aquele que a geração millennial enfrentou quando tinha esta mesma idade. O uso excessivo de redes sociais pode ser uma das agravantes. Inês Anacleto, psicóloga na clínica de medicina e reabilitação pertencente ao CECD, em Mira Sintra, considera que uma das principais influências para esta problemática é de facto a tecnologia. Os jovens desta geração nascem com a necessidade de "facilitismos sociais, comunicacionais e relacionais". A acessibilidade à informação e ao mundo é rápida, sem filtros nem triagem. Por se tratar de uma geração extremamente "inteligente, criativa e com facilidade de aprendizagem", quando se deparam com um problema ou contrariedade, não conseguem procurar uma alternativa igualmente boa, explica a especialista.

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Na perspetiva do psiquiatra João Reis, estes valores devem-se às transformações sociais das últimas décadas, em que vivemos num mundo mais competitivo. A internet pode potenciar nalguns indivíduos mais vulneráveis o isolamento e a perda de gosto pela vida. Se por um lado, pode impulsionar encontros e promover partilha de experiências e até pedidos de ajuda, por outro pode ter o efeito contrário. É o caso dos "grupos de partilha de métodos e intenções suicidas, imagens de mutilações corporais ou servir de plataforma de exploração de fragilidades e de domínio psicológico como surgiu nos casos mediáticos da Baleia Azul ou do Momo", explica.

A importância de falar (bem) sobre suicídio

Quando me deparei com este estudo, hesitei sobre se deveria sequer abordá-lo. Devido ao perigo de mimetismo, o tema raramente é falado na comunicação social. Mas os números são aterrorizadores e como jovem que pertence a esta geração, queria tentar entender os motivos para o crescimento da taxa ao longo dos anos.

A psicóloga Inês Anacleto considera que o conhecimento de situações suicidas, o acesso à forma como elas se praticam e a maneira como as séries televisivas representam esta problemática — e a banalizam, parecendo que a morte é a melhor solução — são fatores que predispõem jovens mais vulneráveis a cometerem o suicídio sem pensar em alternativas.

Em 2017, a série original da Netflix "Por 13 Razões", de Jay Asher  — que se baseia no livro com o mesmo nome — retrata uma estudante de 17 anos, Hannah, que deixa uma caixa com 13 cassetes gravadas antes de se suicidar, cada uma com um motivo para o porquê de ter tirado a própria vida.

Segundo um estudo americano publicado na revista "AMA Psychiatry", a série levou a um aumento de 13% da taxa de suicídio em adolescentes entre os 10 aos 19 anos, três meses após o lançamento da primeira temporada.

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Assistimos ao mesmo fenómeno muitos séculos antes, mais precisamente no século XVIII, com a publicação do romance de Goethe, no século XVIII. "Os Sofrimentos do Jovem Werther" termina com o trágico suicídio do protagonista após um desgosto amoroso, e consequentemente originou uma onda de suicídios por toda a Europa.

O psiquiatra João Reis realça as descrições de jovens que foram encontrados com roupas e armas semelhantes às descritas na obra literária. "Este acontecimento foi uma fonte de diversos trabalhos em áreas como a sociologia, psicologia e psiquiatria até aos dias de hoje, demonstrando o risco daquilo a que podemos chamar identificação com o suicida", afirma.

O fenómeno Werther alertou para uma maior responsabilidade de quem trata este tema ou transmite uma notícia, como a divulgação de suicídios de celebridades. Os jornalistas devem seguir um código no sentido de evitar a glorificação da morte e têm o dever de contextualizar a situação clínica. Foi o que aconteceu com os cantores Chester Bennington e Chris Cornell, em 2017.

O psiquiatra refere que estes casos demonstram o potencial destrutivo do suicídio, "desde a geração de medo na sociedade até suicídios de grupos de pessoas vulneráveis", que são influenciadas por pressões sociais. No entanto, refere que é um problema que "não poderá ser avaliado apenas na esfera médica ou biológica, mas no espaço de relação do próprio e das suas suscetibilidades com o meio envolvente".

Maria defende que o suicídio deve ser (bem) abordado para quebrar o tabu e os "estereótipos que as doenças mentais envolvem". De facto, até que ponto a sociedade percebe as doenças mentais? O psiquiatra João Reis considera que ainda há muito trabalho nesta área que tem de ser feito, mas que de geração para geração há uma maior aceitação da intervenção psiquiátrica e psicológica. "Há um reconhecimento cada vez maior dos problemas psiquiátricos mais comuns, como as perturbações de humor e de ansiedade, que antes eram interpretadas como falta de força de vontade ou feitio", afirma.

"Há efetivamente uma geração totalmente digital mais suscetível à ansiedade extrema"

Por se sentirem incompreendidos, frustrados com situações sociais, por consequência de depressões, por não encontrarem significado para as suas vidas ou por isolamento social. A lista de razões que podem levar ao surgimento de ideias suicidas é extensa. A falta de apoio e de atenção por parte dos agentes educativos, sejam pais, encarregados de educação ou professores, é outro dos motivos que a psicóloga Inês Anacleto aponta para justificar estes valores tão elevados da taxa de suicídio.

"Os pais têm de estar mais presentes, saírem mais de casa, fazerem atividades ao ar livre, partilharem mais entre si, e essencialmente trabalhar a comunicação", explica.

Quando os jovens ampliam as relações sociais na escola, têm de lidar com a frustração de uma nota menos boa, de uma chamada de atenção de um professor ou dos colegas com quem não criam empatia. "Inicia-se a consciência de que não se consegue lidar com a crítica, com a correção ou chamada de atenção, desistindo facilmente". No entanto, explica a especialista, apesar de haver uma componente ligada à família e à hereditariedade, tendo por isso uma componente biológica, trata-se de um fenómeno com forte influência socio-cultural. Portanto, a intervenção deve ser realizada nos três níveis.

"Há efetivamente uma geração totalmente digital mais suscetível à ansiedade extrema, à necessidade de exposição de opinião, interligando-se além fronteiras, acedendo a variadíssimos grupos de internautas, o que acarreta os seus riscos naturais", diz. "O suicídio é cometido por consequência de um enorme sofrimento que a pessoa não consegue suportar, tendo como fatores de risco causas psicopatológicas, psicológicas e sociais”.

Nas redes sociais, basta fazer scroll para percecionar que aparentemente todas as pessoas estão felizes, bonitas, divertidas. Ninguém partilha momentos de fragilidade, ansiedade, situações negativas ou menos boas. Esta é uma das razões apontadas pelo profissionais que podem potenciar este problema.

No caso de Maria, esta assume que nem os media, nem as redes sociais tiveram influência na sua ideação suicida. No entanto, reflete que estes primam e podem levar a um ato suicida por certos estereótipos que são impostos na nossa sociedade. "A preocupação pelo corpo perfeito, o culto ao corpo, o facto de não se poder falhar, a ilusão de que a vida dos outros é perfeita, a vida num ritmo acelerado", diz, são alguns exemplos.

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“Ninguém me entende”

Maria não foi acompanhada por uma psicóloga. Na altura partilhou o seu sofrimento com pessoas próximas, e, quando conseguiu concretizar os objetivos que a atormentavam, admite que começou a ver a vida de outra forma. No entanto, reconhece que existem sinais que podem indicar esta problemática — e que o acompanhamento psicológico é quase sempre essencial.

"Como mudanças de comportamento (deixar de praticar algum hobbie, deixar de cuidar da aparência), mudanças de humor drásticas (tristeza, sensação de vazio, irritabilidade, sentimentos forte de culpa), ou utilizar expressões como: 'Vou-me matar', 'A minha vida não tem sentido', 'Estariam melhor se desaparecesse', 'Não vejo saída/luz ao fundo do túnel', 'Ninguém me entende' ou 'Quero morrer'", afirmou  a jovem.

Linha Jovem – 800 208 020
Todos os dias das 9 às 18 horas

SOS Estudante – 96 955 45 45 ou 808 200 204 (das 20h à 1h, chamada local)
Apoio emocional e prevenção do suicídio

Telefone da amizade – 228 323 535
Apoio em situações de crise pessoal e suicídio das 16h às 23h

S.O.S. Adolescente – 800 202 484

Conversa Amiga – 808 237 327 (chamada local)
Apoio, orientação e formação. Todos os dias das 15h às 22h

Linha SOS Palavra Amiga –  232 42 42 82
Todos os dias, das 21 à 01 horas;

Centro SOS-Voz Amiga: ajuda na solidão, ansiedade, depressão e risco de suicídio
Telef.: 21 354 45 45 – Diariamente das 16 às 24h
Telef.: 91 280 26 69 – Diariamente das 16 às 24h
Telef.: 96 352 46 60 – Diariamente das 16 às 24h
website: www.sosvozamiga.org

Linha Telefone amigo – 239 72 10 10
Todos os dias, das 17 à 01 hora

Linha Telefone Amizade – 800 205 535
De segunda a quinta, das 16 à 01 hora
Sexta e Sábado, das 19 às 21 horas

INEM  – 112

Ao contrário, de Maria, Sara (nome fictício) é uma jovem que está a ser acompanhada neste momento por um psicólogo. Quando foi avaliada não tinha ideação suicida, no entanto chegou a uma consulta de Utilização Problemática da Internet/Adolescência — após ter ido ao serviço de urgência de um hospital — depois de a mãe a ter apanhado a consultar sites relacionados com suicídio.

Natural do Reino Unido, tem 17 anos e vive em Lisboa com a mãe. Tem dificuldade de integração devido à língua, tem antecedentes de episódios depressivos há dois anos, desde o divórcio dos pais, e só fala com os amigos através da internet. Tem mau aproveitamento escolar e falta frequentemente à escola. Faz cosplay, mascarando-se e estando presencialmente em encontros com outras pessoas que conheceu através da internet, e durante o último ano tem sofrido bullying através das redes sociais.

O acompanhamento tem sido essencial para Sara. "Desde que, nos últimos anos, se iniciaram tratamentos e programas de tratamento da depressão, ocorreu uma diminuição muito marcada nas taxas de suicídio", explica o psiquiatra João Reis. Apesar de Maria não ter chegado a ter acompanhamento psicológico ou psiquiatra, é da mesma opinião. E deixa um conselho a quem souber de alguém que está a passar por isto: "É importante levar a pessoa a sério, mantendo-se calmo e escutando atentamente. Deve-se perceber se possui planos específicos e qual o método de suicídio a ser considerado. É importante conhecer se existe uma rede social (amigos, família…) que a pessoa possa recorrer e direcioná-la para um profissional".

Para quem está neste momento a passar por isto, deixa uma mensagem: "É sempre mais fácil fingir e mascarar esta realidade. Temos que estar cientes desta temática e que este é um conceito tabu da nossa sociedade. Nós não somos fracos por pedir ajuda!".