No início da pandemia, ainda antes de decretado o primeiro estado de emergência, Gonçalo Pinheiro, 44 anos, veio para casa, como tantos outros profissionais de exercício físico. Os ginásios fecharam, por tempo indeterminado.
"Quando começo a perceber que ia durar mais tempo... Uma coisa é estarmos parados uma semana, 15 dias, outra coisa são dois ou três meses", diz à MAGG o instrutor de total condicionamento, body pump e body step, do Holmes Place.
Foi assim que, logo em março, começou a organizar aulas online, através de diretos na conta de Instagram. Foram um sucesso, muito graças aos alunos que o seguiram das sessões presenciais do ginásio para as sessões remotas, a partir da sua garagem, que espalharam a palavra. Amigo puxa amigo, e o resultado foi que chegou a ter 180 pessoas a treinar em simultâneo.
"Quando fiz a primeira aula online, recebi imenso feedback de alunos meus, amigos de alunos meus e até de pessoas que não conhecia. Estavam a agradecer-me", conta. "Quando percebi que não só pela parte física, mas também pela componente mental, que as pessoas querem continuar a treinar, pensei que estava aqui uma forma de capitalizar a minha experiência de 23 anos."
Entretanto, surgem os obstáculos financeiros, transversais a tantos e tantos que trabalham por conta própria, a recibos verdes — como é o caso de Gonçalo e da mulher, que é dentista. "Os apoios do Estado eram ridículos", conta.
Era preciso fazer mais. E reinventar foi a palavra de ordem. É assim que, em abril, surge o modelo atual: aulas de grupo online, em direto no Instagram, que custam apenas 1€ por cada sessão de 50 minutos. Acontecem três vezes por semana: à segunda, quarta e sexta-feira, sempre à 18h30. Se não conseguir estar presente à hora marcada, não há problema: as aulas ficam disponíveis no mural da conta (que é privada), para que os alunos possam consultar e treinar à hora que lhes for conveniente.
A aula é bem conhecida entre quem é fã de modalidades coletivas em ginásio: total condicionamento. "É uma aula simples de resistência muscular, em que se trabalha do pescoço para baixo: todos os músculos do corpo", explica. "Qualquer pessoa consegue fazer, com maior ou menor dificuldade. É um processo gradual de aprendizagem."
Na aula de ginásio, esta modalidade envolve halteres e caneleiras. Porém, não ter estes materiais não é impeditivo para que as sessões possam acontecer. Para substituir os primeiros, podem usar-se pacotes de arroz e para o segundo, executar os movimentos com o peso do corpo já é bom o suficiente. Além disso, faz-se ainda recurso a uma cadeira ou um banco, a uma toalha ou pano de cozinha. "Entretanto, já há alunos que me vão pedindo conselhos para comprarem material para ter em casa."
Em termos de correção postural, diz, é mais desafiante. Mas, novamente, aqui entra a experiência: "Há erros que são muito comuns, para os quais vou chamando a atenção durante o direto", conta o PT. "No início da aula pergunto sempre pelas limitações dos alunos e dou opções mais fáceis e difíceis. Além disso, ponho os alunos à vontade para me enviarem mensagens ou até telefonarem com dúvidas e, se for preciso, gravo um vídeo, uma espécie de tutorial, a explicar o movimento que não perceberam."
Gonçalo já está de volta ao ginásio, mas com um horário limitado e com um corte no rendimento face ao anterior. Isto porque a escola dos filhos fecha às 17h30, perto da hora de maior afluência no ginásio, o que faz com que, por esta hora, já não possa estar a dar aulas presenciais. De qualquer forma, quando os clubes retomaram a atividade, nem pensou em interromper estas sessões remotas. Os seus alunos fizeram o apelo: "Quando os ginásios abriram as pessoas pediram para continuar. Foi uma boa solução."
O pagamento é feito através de transferência por conta bancária ou MBWAY. "Há pessoas que pagam sessões isoladas, há quem pague à semana ou até mensalmente." Ao todo, são 12 aulas por mês, três vezes por semana, o que equivale a uma quantia de 12€.
Entretanto, com o regime de pagamento, o número de alunos não é tão grande, mas continua a ser sempre superior ao que um estúdio de ginásio consegue alojar — antes e durante a pandemia. "Já cheguei a ter 80 alunos a pagar."
Falta falar do nome: é a Aula do Careca. "Pelo nome depreenderá que eu sou careca", diz-nos, por telefone. É a sua alcunha: "Os meus sobrinhos chamam-me tio careca, os filhos dos meus amigos chamam-me tio careca emprestado. Foi assim que surgiu o nome."